A Derrubada do Campinho no Vidigal

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Moradores abraçam a quadra do VidigalTal qual em uma boa cidade do interior, as notícias no Vidigal correm primeiro à boca pequena. Foi assim com a informação sobre a localização da nova sede da UPP: “Estão dizendo que vai ser na quadra do Alto”. Mas foi apenas no dia 11 de dezembro, que o temor dos moradores se confirmou: em uma reunião na Associação dos Moradores da Vila do Vidigal (AMVV), o Capitão Fábio e o Tenente Dantas informaram oficialmente que o único espaço de lazer do morro daria lugar à uma sede com auditório.

Enquanto corria para se mobilizar, entrar em contato com órgãos competentes e informar aos moradores, a Associação foi surpreendida, menos de dois dias depois, na manhã de 13 de dezembro, com a presença de uma retroescavadeira. Sem mandado, sem comunicação prévia e sem a presença do Capitão ou do Tenente, lá estavam funcionários da Prefeitura e diversos policiais, para realizarem o triste trabalho de botar no chão o antigo campinho, onde boa parte dos “crias” do morro cresceu jogando bola.

O último espaço público da favela

Desde a instalação da Unidade Pacificadora do Vidigal e Chácara do Céu, em 18 de janeiro de 2012, eles ocupam um prédio na parte média do morro, conhecida como “Biquinha”. Era a antiga sede do Pouso. Eles também tomaram conta de parte de outro prédio público, o Centro Cultural do Vidigal, construído em mutirão pelos moradores na década de 1980, para ser sede de cursos profissionalizantes. Ofuscando a fachada de mosaico colorido, agora há uma enorme placa azul com o nome “UPP Vidigal”.

A retroescavadeira para derrubar a quadra no VidigalPor isso, a presença da máquina lá em cima soou como uma espécie de “basta”. A mobilização começou pela Internet e passou às ruas. Aos poucos, moradores foram se aproximando. A máquina estava parada e o clima tranquilo. Em contato com agentes da Prefeitura, a Associação havia conseguido frear a demolição. Mesmo assim, moradores e muitas crianças foram se aproximando. A ideia era que elas começassem a jogar bola na quadra, evitando assim a entrada do trator.

Autorizada!

Mas, como em um passe de mágica, vendo a mobilização, alguém gritou que a ação estava autorizada. O Cabo Péricles informou que tinha ordens do Capitão para prender quem tentasse impedir a demolição. Organizados em frente à entrada da quadra, os policiais formaram um bloqueio, para impedir a entrada dos moradores.

O trator foi ligado e ao mesmo tempo, o desespero dos que lá estavam. As mães tiraram as crianças, com medo.

Enquanto eu, repórter do site e blog Vidiga!, filmava a ação com meu celular, alguns moradores tentavam entrar na frente do trator. Foi então que os policiais começaram a, primeiro, impedir o avanço. Depois, a agirem com brutalidade.

Lembro de ver o antigo Presidente da Associação, Deley Ferreira, imobilizado e com as pernas para cima. Depois, o Sebastião Aleluia, Doquinha, Vice-Presidente da AMVV, começou a também ser agredido.

Moradores impedem a demolição da quadra esportiva do VidigalFoi quando eu, de trás da câmera, gritei para o grupo que o atingia: “Isso vai ser o fim da UPP Vidigal!”. Falei isso porque até então, não havia havido qualquer conflito com eles, e eles estavam manchando a imagem da Unidade, que é mais conhecida por não ter muito o que fazer em um morro tranquilo, do que pelo enfrentamento com moradores. Não acontece nada no Vidigal, só briga de casal e de bêbados. Todos os outros conflitos estão sendo gerados pela vontade do Governo em demolir casas, derrubar áreas de lazer e o medo que os moradores têm de serem removidos.

O já citado Cabo Péricles, que não estava no meio da confusão, e sim do meu lado esquerdo, me olhou com raiva e me acertou. O tapa que me atingiu derrubou meu celular no chão. Não satisfeito, segurou meu cabelo e chutou o celular, que já estava quebrado.

Quando vi o aparelho espatifado, pensei no trator subindo, nos moradores apavorados, no tapa, no prejuízo. E avancei nele. Claro que eu, uma jornalista despreparada para qualquer embate corporal, não consegui feri-lo. Logo alguém me chamou e o soltei. Saí de perto e mesmo distante deles, recebi voz de prisão, fui imobilizada, algemada e jogada na parte de trás do camburão.

Na delegacia, fui autuada por Desacato à Autoridade e Lesão corporal. Segundo a ocorrência registrada pelo cabo, eu o agredi primeiro, lhe empurrando e depois dando um soco em seu olho esquerdo. Ainda segundo ele, meu celular caiu no chão quando ele me conteve.

Jornalista e moradora de Vidigal, Mariana Albanese, foi detidaEnquanto eu era presa, um funcionário da Prefeitura chamou os policiais para avisar que a demolição havia sido embargada. A UPP do Vidigal se desculpou com a AMVV e pediu que os moradores não publicassem nada, o que não foi aceito. Imediatamente, fotos e um vídeo foram postados na Internet, e uma grande onda de solidariedade se formou.

O policial foi afastado do serviço no Vidigal. Já a AMVV, corre contra o tempo para conseguir barrar a demolição com um mandado. Também elabora, junto com o site de mobilização popular Meu Rio, uma consulta pública para que os moradores escolham a utilização do espaço. A seguir, um arquiteto será chamado para elaborar um projeto e tudo será apresentado à Prefeitura.

Decidindo que não quer o fim do antigo campinho de capim, transformado ao longo do tempo em um ginásio e hoje deteriorado, o Vidigal apresenta sua carta de alforria. Como disse o deputado Marcelo Freixo, em entrevista ao jornal O Dia: “aquilo ali não é senzala”.