Subindo uma das tantas ladeiras do Morro da Pedreira em Costa Barros, Zona Norte do Rio de Janeiro, não se pode imaginar que exista ali um chefe de família com um talento enorme para o artesanato e ainda extremamente preocupado com a reciclagem e o meio ambiente. Neste caso, a matéria prima escolhida por ele para desenvolver o belo trabalho é o vidro.
Material este que por diversas vezes é descartado de forma errada pela população e acaba sendo um dos vilões nos tão comuns alagamentos, principalmente nesta época do ano. Devido a sua composição o vidro demora centenas de anos para se degradar na natureza e por isso é um material que é muito reciclado, ou pelo menos deveria ser.
Garrafas de todos os tamanhos e tipos viram copos, taças e até mesmo cofres nas mãos desse artista. Alex Sandro ou simplesmente ‘Cabeludo’ como é conhecido pelos moradores (apesar de ter cortado o cabelo) é quem dá um novo rumo às garrafas que são encontradas pelas ruas. Alex conta com a ajuda de diversas pessoas que juntam o material para que ele possa trabalhar em suas criações. “Vou passando e as pessoas vão me dando as garrafas que juntaram pensando no meu trabalho”, afirma ele. Quando não tem material suficiente o próprio Alex é quem vai às ruas, sempre atento para não deixar passar nenhuma garrafinha.
Sabemos que hoje a solução para o lixo está diretamente ligada ao que o produto representa e é justamente com base nisso que ele acredita na reutilização e no sucesso de seus produtos. “Um copo ou uma taça comprada numa loja pode custar duas vezes mais que os que eu faço e mesmo sendo mais caro não tem a mesma importância que o meu tem para a pessoa. Se alguém quebrar a sua taça, ela diz ‘tudo bem,’ e que depois pode comprar outra em qualquer lugar. Porém se quebrar a taça que foi feita exclusivamente para ela de forma artesanal tenho certeza que a pessoa sentirá falta dela. Cada taça ou copo que faço tem um sentimento envolvido”.
Auxiliar de serviços gerais no Centro do Rio de Janeiro, este batalhador encontrou na reciclagem uma forma de completar a renda familiar. “Passei quatro anos desempregado, neste período mantive a casa e minha família fabricando e vendendo as taças e os copos”. Hoje ele conta com a ajuda do seu filho mais velho, Alec Sander, um menino muito inteligente de 11 anos que já conhece os macetes para desenvolver um trabalho legal junto com seu pai. “Eu aprendo muito rápido, ajudo meu pai, lavo as garrafas, coloco pra secar, também passo a cola. Só não faço os cortes porque é muito perigoso”, diz o menino.
Alex conta que já recebeu visita de universitários interessados em levá-lo para São Paulo para que pudesse desenvolver seu trabalho em algum projeto social. Porém, sentiu que aquele não era o momento. “Fiquei em dúvida, não queria deixar minha família aqui, meu filho era muito novo e eu não podia deixá-los”. Hoje a vontade dele é ensinar o que aprendeu aos jovens da comunidade e mostrá-los que é possível ter uma renda extra e ainda contribuir para um mundo mais limpo e saudável. “Ainda falta interesse público. Falam sobre sustentabilidade, preservação, mas não investem nos pequenos projetos. Aqui em casa tenho como contribuir de forma reduzida. Imagina se tenho equipamentos melhores e espaço? Os jovens querem aprender, nós queremos ensinar, mas o investimento não aparece”, conclui.
Alex se refere a pouca estrutura que tem. Tudo é realmente artesanal. Para realizar o corte das garrafas ele utiliza uma resistência de chuveiro acoplada a um pedaço de madeira ligada à energia, um estalo e pronto a peça já ganha forma. Outra curiosidade é a lixadeira criada por ele, simplesmente um motor extraído de um tanquinho de lavar roupas que carrega a responsabilidade de retirar o perigo de haver um corte ao levar as taças à boca. Seu público-alvo encontra-se em todos os lugares. Alex vende para bares, clientes dos bares, moradores. Mas é no baile funk que ele realmente ganha o dia, ou melhor, a noite. “No baile todos me conhecem e compram mesmo, principalmente porque vendo barato e eles tem aquela vontade de beber num copo exclusivo”. Os preços são os mais variados, vão de R$2 até R$20, depende muito do tamanho, do trabalho que dá e também da dificuldade em encontrar determinada garrafa.
Ainda em Costa Barros outro artista tem se destacado com trabalho em garrafas, este na comunidade da Lagartixa. Walter Vinícius, o Tim. Grafiteiro nato, ele encontrou uma nova forma de se expressar através das garrafas. Tim tem utilizado garrafas de bebidas e também de azeite. A arte desenvolvida nas paredes foi adaptada de forma a ser utilizada em outro material, tanto é que a base utilizada é o spray e para fazer alguns detalhes ele faz uso de canetas especiais que não saem nem mesmo lavando. Tim fala sobre a importância de seu trabalho. “O material muitas vezes é visto como lixo, porém tento dar uma solução para as garrafas. Além de me render um dinheiro é possível reduzir o impacto na natureza”. Ele conta quem são seus clientes. “Os amigos geralmente trazem suas garrafas cheias, eu pinto e devolvo para que ele possa colocar na sua casa, assim divulga para outras pessoas. Há quem queira personalizar a garrafa para presentear também, é muito comum”.
Em um ferro-velho da região o valor pago por uma garrafa custa em média R$0,15. Portanto ambos os artistas poderiam comprá-las para investir no seu trabalho já que o valor é muito acessível. Porém, não fazem desta forma. Preferem contar com a contribuição e conscientização da população local sobre a questão de preservação do ambiente e reutilização. Além de serem artistas preocupados são microempreendedores que encontraram naquilo que as pessoas descartam o lucro sustentável.