Essa é a primeira de duas matérias sobre a luta de projetos e ocupações por moradia popular na área portuária do Rio, situada na região central da cidade. Apesar de ser um espaço que por muitas décadas foi ocupado prioritariamente por pessoas de baixa renda, a área passou a ser alvo de especuladores a partir do projeto Porto Maravilha e desde então a permanência da população de baixa renda na região está crescentemente ameaçada. Essa primeira parte, aborda o caso do projeto de habitação popular “Quilombo da Gamboa” visando um melhor entendimento da luta que travam, há mais de uma década, pela moradia popular no Centro do Rio. Para a segunda matéria clique aqui.
O projeto de habitação popular Quilombo da Gamboa surgiu em 2008, como resultado de uma grande mobilização nacional de movimentos sociais de luta pela moradia, para garantir o cumprimento da função social pelos imóveis da União a partir da produção de habitação de interesse social. Desde então, o projeto se colocou como uma alternativa para alguns moradores do extinto projeto Quilombo das Guerreiras, que sofria com um processo de desgaste interno acentuado pelas pressões externas motivadas pelo contexto de transformação do Porto Maravilha. No lugar do projeto “Quilombo das Guerreiras”, se pretendia erguer as “Trump Towers”, que seriam um marco físico e simbólico da transformação daquela região da cidade.
A partir da luta e reivindicação de movimentos sociais atuantes no Rio—Central de Movimentos Populares (CMP) e União por Moradia Popular (UMP)—integrantes do Quilombo das Guerreiras conseguiram o terreno atualmente destinado ao Quilombo da Gamboa, no bairro de mesmo nome. Após conseguirem a concessão de uso do terreno, de propriedade da União, eles conseguiram a inclusão do projeto no programa habitacional Minha Casa Minha Vida—Entidades, tendo o contrato com a Caixa Econômica Federal assinado em 2015.
A assinatura do contrato, entretanto, não representou o fim da luta para os moradores e movimentos envolvidos com o projeto. Inserido no cenário da Operação Urbana Consorciada do Porto Maravilha, o projeto sofreu sucessivas tentativas de ocupação dos terrenos que lhes tinham sido destinados pelos mais diversos agentes: desde empresários ligados ao entretenimento até prestadores de serviços que apostavam na rápida ocupação da área por empreendimentos corporativos e voltados para as classes média e alta da população. Além das disputas pelo território, o projeto teve que enfrentar as burocracias da Caixa Econômica Federal e as mudanças de rumo no governo federal, que fizeram com que o financiamento contratado não fosse liberado até hoje.
Apesar dos inúmeros desafios, o Quilombo da Gamboa é tido pelas 10 famílias que ocupam os terrenos, atualmente, como um espaço de luta e resistência, além da última esperança de garantir uma casa própria na área central da cidade. Eles destacam que a região conta com infraestrutura de transporte, serviços públicos e, mais importante, é perto das localidades que mais oferecem emprego na cidade, permitindo que os moradores possam se manter ocupados sem os custos do transporte para as periferias (caros e que tomam horas do trabalhador diariamente, dificultando o convívio familiar).
A disputa pela área central da cidade se acentuou a partir de 2011, quando o Porto Maravilha anunciou a pretensão de atrair mais de 100.000 pessoas, em 10 anos, para uma área portuária totalmente modernizada que, no entanto, seria destinada para as classes média e alta, tendo em vista a inexistência de projetos de habitação de interesse social capazes de garantir a presença dos mais pobres na região. Houve alguns debates nos anos seguintes sobre como remediar a situação, sem frutos. Apesar do relativo fracasso do projeto, a região se tornou hostil aos moradores mais pobres, sendo vista como uma promessa ainda a ser cumprida para empreendedores e agentes imobiliários.
Essa visão, compartilhada pelo poder público e por parte relevante da sociedade, tem impactos diretos em projetos como o Quilombo da Gamboa, que seguem ameaçados e na luta incansável pela permanência. Os moradores relatam medo de terem que sair dos terrenos destinados ao projeto por não terem nenhuma outra opção de moradia, especialmente considerando a impossibilidade de pagarem aluguel no cenário de crise econômica atual. Isso em um momento em que a moradia é questão de vida ou morte, mais do que nunca.
Apesar dos desafios e dos medos, os moradores têm sonhos para o Quilombo da Gamboa. Entre os mais citados, o de efetivar o projeto que previa a construção de 5 prédios, com 116 apartamentos, podendo contemplar mais famílias em situação de vulnerabilidade e garantir uma infraestrutura digna para os filhos, com área de lazer e convivência.
Essa é a primeira de duas matérias sobre a luta de projetos e ocupações por moradia popular na área portuária do Rio, situada na região central da cidade. Para a segunda matéria clique aqui.