Os tempos estão mudando para os moradores das comunidades controladas por UPPs. Entre outras mudanças, temos visto a entrega de títulos de propriedade, a chegada de novos serviços como Clínica da Família no Complexo da Penha e um cinema em Nova Brasília, e programas para juventude como o UPP Fight, um clube de artes marciais no Andaraí.
Porém, o que a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) dá com uma mão, com a outra, tira. Ao menos é esta a experiência dos moradores quando organizam seus próprios eventos na comunidade. Por causa de um artigo da arcaica legislação denominada Resolução 013, aprovada em 2007 pelo Secretário de Estado de Segurança e arquiteto-chefe da UPP, José Mariano Beltrame, a vida cultural nas favelas com UPP tem caminhando em uma corda bamba desde que a polícia chegou.
Um batismo, uma festa de aniversário, uma roda de samba ou uma competição de esporte pode, em teoria, ser encerrada aos caprichos dos policiais da UPP sob os termos da Resolução 013. E quando isto acontece, não há espaço para discussão, o que levou a ferventes tensões entre moradores e policiais, como no Santa Marta, e no Turano, Rio Comprido.
E mais, os produtores culturais precisam pedir licença pelo menos 20 dias antes de um evento, e mesmo assim, o evento pode ser cancelado às 23h se for considerado um risco para segurança. Silvana Bahia, escrevendo para o Observatório de Favelas, diz, “A lei causa polêmica por ser considerada uma violação da liberdade de expressão, do acesso à cultura, direito à reunião e à livre associação, entre outros”.
As maiores vítimas da Resolução 013, ou “zero-treze”, como é conhecida, têm sido os bailes funk, e, em menor medida, os pagodes. Essas festas noturnos praticamente desapareceram do mapa em comunidades onde a UPP instituiu seus painéis azuis e brancos e instalou seus policiais vestidos à prova de bala. É difícil para alguns moradores se acostumarem com o silêncio nos fins de semana.
O Funk tem estado, mais ou menos, em conflito aberto com as autoridades por uma década, devido aos laços históricos com as facções do narcotráfico. Mas a música é muito mais rica e diversificada do que os estereótipos com que ele tem sido sobrecarregado. De fato, em 2009, com a passagem da Lei Funk é Cultura, o funk tornou-se parte do patrimônio cultural oficial do Rio de Janeiro, o que torna mais difícil ainda entender o apagão atual.
Não é razoável esperar que as autoridades querem minimizar os riscos de segurança nos morros, e a Resolução 013, a grosso modo, é uma avaliação de risco, na qual qualquer organizador de evento profissional deve estar familiarizado. A terrível tragédia na discoteca Kiss em Santa Maria demonstra a necessidade de tais precauções.
O problema com a “zero-treze” é que é uma montanha burocrática para pequenos produtores culturais. Além disso, foi aprovada sem consulta, e sua proibição geral do funk é completamente discriminatória. Como o coronel Luigi Gatto da Polícia Militar disse, em uma consulta pública para discutir a 013, “O funk é necessário, é legítimo e não pode ser ilegal”.
Para organizar um evento situado dentro de casa em uma favela com UPP, os organizadores agora precisam completar oito documentos separados. Para um evento ao ar livre, são dezoito. Entre os requerimentos, é demandada “a cópia de um ofício solicitando a poda de árvores na área externa ao local da realização”, de acordo com um artigo na revista Overmundo.
Além disso, na ausência de qualquer política oficial clara sobre as aprovações, os comandantes da UPP ficam livres para tomar decisões a seu próprio critério. Greg Scruggs, escrevendo para Cluster Mag, diz, “013 é seletivamente exercido pelas UPPs e depende muito da personalidade do capitão naquela favela, levando a um grau de inconstância e arbitrariedade deprimentemente semelhante à era dos narco-traficantes, quando a palavra do chefe era lei”.
Liderando o lobby para revogar a Resolução 013 está a Associação dos Profissionais e Amigos do Funk (Apafunk), uma organização de indivíduos representando a cena do funk. Seu presidente é MC Leonardo, um dos ícones da cena do funk dos anos 1990, mais conhecido por “Rap do Centenário”. Nos olhos de MC Leonardo, é impossível de ignorar a ironia da 013: “O funk pode ser tocado, hoje em dia, em qualquer lugar do Rio de Janeiro, menos no lugar de onde veio: a favela”.
Com advogados da Fundação Getúlio Vargas (FGV), e representantes da Secretaria de Segurança, a Apafunk faz parte de um grupo de trabalho para reformular a Resolução 013. Luiz Moncau, da FGV, explica: “Há necessidade da construção de uma regulamentação que contemple as diferenças para impedir o privilégio para produtores de cultura detentores de poder econômico”.
Apafunk também tem organizado eventos mensais de Roda de Funk pela cidade para promover a conscientização sobre a 013 através da música e debates. “A Roda de Funk é uma das principais armas que temos para difundir informação”, MC Teko da Apafunk disse ao Observatório de Favelas. “A Roda de Funk é uma das principais ferramentas para levarmos informação. Além de mostrar em um primeiro momento que o Funk é mais do que a mídia apresenta, procuramos trazer algo mais que nos envolva. Usamos muito as redes sociais, já que não podemos contar com a mídia pra fazer um real debate sobre o assunto”.
As questões em jogo são muitas. A mais óbvia é por quê questões de cultura nas comunidades estão sendo investigadas pela polícia. Como fotógrafo Léo Lima, de Jacarezinho, afirma: “Os critérios precisam ser estabelecidos de maneira que crie-se um órgão especifico pra isso. A PM não pode ser a detentora desse assunto”.
Em alguns lugares, a UPP está relaxando sua postura. Houveram no Tabajaras, na Zona Sul, bailes semanais durante alguns meses. Outro recente em Nova Brasília, no Complexo do Alemão, foi desenvolvido em parceria entre a UPP e Associação de Moradores. O patrocínio de uma empresa de cerveja assegurou que o evento fosse gratuito.
Para o Major Márcio Rodrigues, o comandante da UPP que trouxe a ideia, a iniciativa é uma extensão do Programa de Proximidade, uma tentativa de reduzir o fosso entre a polícia e a comunidade. “Este baile será o divisor de águas na relação da comunidade com a polícia. Com o sucesso deste evento outros virão”, ele disse à Voz das Comunidades.
De fato, parece haver o reconhecimento de ambos os lados de que algo tem que mudar para que os moradores tenham a liberdade de criar sua própria cultura, ao invés de forças externas ditarem o que vai acontecer. O que também tem que desaparecer é a ideia entre alguns setores da UPP que eles estão em uma missão de ensinar as favelas qual tipo de cultura é apropriado, como antropóloga Adriana Facina argumentou.
Para Apafunk, é ainda mais simples do que isso: “Podemos ter uma cidade mais segura, mas que preserve sua identidade, seu carisma, sua explosiva cultura popular. Ou podemos ter uma cidade mais segura mas sem graça, sem inovação, sem vida. São duas visões de cidade, e temos que decidir qual delas nós queremos para o nosso Rio”.
Assine a petição para revogar a Resolução 013 no Meu Rio.