Como parte do programa Porto Maravilha, a Prefeitura do Rio está implementando um controverso teleférico na Providência, a primeira e mais histórica favela do Rio, com o lançamento em breve. Mas para dar espaço para esse e outros projetos de mobilidade no morro, 832 casas (1/3 da comunidade) foram marcadas para remoção. No topo do morro, cerca de 60% das casas estão marcadas, exatamente na área a ser supostamente beneficiada com esses investimentos em mobilidade. Outros projetos estão temporariamente suspensos, pois a juiza revendo o caso impôs uma moratória nas remoções, até que o caso levado ao tribunal pela comunidade esteja resolvido.
Cerca de 100 casas já foram demolidas, e as compensações que as famílias receberam foram irrisórias. Uma moradora atualmente desempregada disse ter aceito R$45.000,00, valor extremamente baixo por uma localização tão central. Com a compensação, ela comprou um terreno em Guaratiba, na extrema Zona Oeste da cidade, no qual pretende construir uma nova casa se e quando futuros recursos permitirem. Ela não planeja morar lá, mas alugar, já que sua vida sempre esteve nos arredores da Providência. Assim, ela se mudou para a casa de sua prima, no morro. As duas são mães solteiras, agora dividindo uma casa de um quarto com suas duas crianças.
Roberto Marinho, de 37 anos, foi nascido e criado na Providência. Ele e sua família moram numa casa marcada para remoção, mas sabendo do seu direito a permanecer, estão resistindo. Sendo a primeira favela do Brasil, o Morro da Providência carrega uma longa história. Não apenas para a cidade como um todo, mas para seus próprios moradores. A construção e história da casa de Roberto, localizada no lado esquerdo da escadaria construída por escravos no século XIX, começou há mais de 70 anos, quando seu avô construiu sua casa no morro com uma vista deslumbrante da cidade, com o porto e a ponte Rio-Niterói à esquerda, e o Centro e Pão de Açúcar à direita. Olhando para baixo do Morro, pode-se ver a construção do teleférico, o que de acordo com a Prefeitura, irá melhorar a vida dos moradores.
“Se o governo quisesse melhorar nossas vidas, a construção de um teleférico não seria suficiente. A Providência necessita de muito mais; nós precisamos de infraestrutura e reformas nas casas”, diz Roberto. Ele faz alusão a um problema crônico no desenvolvimento do Rio nos dias de hoje: investimentos em massa nas favelas que envolvem obras públicas chamativas quando na realidade, o que os moradores mais precisam e querem são serviços de utilidade pública, tais como educação, saúde, e saneamento básico, o que em última análise é mais caro e menos visível como plataforma de marketing.
De acordo com a Prefeitura, a casa de Roberto, junto com outras do lado esquerdo da famosa escadaria, corre risco de deslizamento e por esse motivo foi marcada para remoção. Mas sabendo dos seus direitos legais e que o governo tem reputação de ser injusto nas suas propostas, ele e sua família resistem a remoção. Roberto e outros moradores trouxeram engenheiros que documentaram publicamente que essas casas não estão em risco. Na verdade, casas na Providência hoje em dia, de forma geral são feitas a muito custo, com estacas profundas colocadas pelos moradores dentro da pedra de granito para garantir a segurança. Por várias gerações os barracos foram transformados através de investimentos familiares em estruturas consolidadas de tijolo, cimento e aço reforçado.
Das casas que já foram removidas, um dos maiores problemas é a falta de informação sobre seus direitos. Os moradores não sabem que eles têm o direito de resistir e negociar com a Prefeitura. Um número de organizações e redes começaram a abordar esse déficit de informação pelas favelas da cidade, mas a demanda por esse tipo de informação que precisa ser divulgada boca a boca, ainda é muito maior que a oferta.
“Todo mundo sabe que o teleférico não é construído para os moradores da favela. Se fosse a Prefeitura teria levado para uma favela com maior necessidade por mobilidade do que a Providência tem”, disse Roberto. “O teleférico é para o turista ver uma favela no coração do Rio”, ele continua. A construção de um teleférico moderno e a destruição de casas e espaços públicos na comunidade fazem com que ela perca suas características. “Se as autoridades estivessem realmente interessadas em melhorias de mobilidade e vida para os moradores, por que não realizar consulta pública e considerar a construção de um elevador como no Cantagalo?”, pergunta Roberto.
Andando pela Providência é fácil observar quais são as casas com famílias enfrentando um futuro incerto – suas casas são marcadas com um único número e as letras “SMH”- Secretaria Municipal de Habitação. Atualmente existe uma moratória sobre remoções no Morro, decretada por juiz, para todas as demolições na Providência, devido a falta de consulta pública.
“O que eu e minha família mais desejamos é poder reformar nossa casa e permanecer aqui. Esse local tem um valor sentimental para nós”, diz Roberto.