Uma Abordagem Piramidal para Urbanização das Favelas: Estrutura Intermediária e Abordagem Multidisciplinar (Parte 5)

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Esta é a quinta matéria de uma série de seis sobre a aplicação da Pirâmide de Meléndez à urbanização de favelas na cidade do Rio de Janeiro. Este conceito foi concebido pela autora desta série como uma metodologia para alcançar resultados mais coerentes e sustentáveis na urbanização de favelas. Inspirada na Hierarquia de Necessidades de Maslow, a pirâmide de Meléndez é composta por dez blocos, cada um representando um conjunto de elementos indispensáveis. Principalmente com base na multidimensionalidade, interdependência e simultaneidade, a pirâmide aborda os aspectos físicos, políticos, econômicos, sociais, culturais e psicoemocionais das favelas.

Esta quinta matéria trata da importância de uma estrutura intermediária robusta e de uma abordagem integral e multidisciplinar. ​Leia a série inteira aqui.


Os níveis do meio da Pirâmide de Urbanização de Favelas fazem referência a dois elementos adicionais para promover o placemaking nas favelas. Placemaking é uma abordagem de “criação de espaços” representando a “união de uma comunidade que se preocupa com a felicidade e o bem-estar das pessoas e deseja criar bons espaços públicos para todos e não somente para poucos”. O primeiro deles é a introdução de uma estrutura intermediária robusta que reúna todas as partes interessadas para formar uma base de transparência. O segundo é uma abordagem integral e multidisciplinar a fim de assegurar que o progresso em algumas áreas não seja minado pela negligência de outras. 

Uma estrutura intermediária é recomendada para projetos de urbanização em que, no seu escopo, atores externos estão envolvidos, tais como agentes municipais, nacionais ou internacionais. Essa estrutura pode tomar a forma de um fórum ou de uma entidade temporal que se reúna regularmente ou que promova vários encontros-chave no curso do processo de urbanização e que seja desenhada para garantir a expressão aos diversos interessados envolvidos na urbanização, como moradores, empresários comunitários, lideranças comunitárias, autoridades públicas, companhias privadas, doadores e ONGs. Se, contudo, a urbanização for iniciada e conduzida somente pela comunidade, essa estrutura pode não ser necessária caso a comunidade já tenha um processo autônomo e responsável para gerenciar seus recursos.

Uma vez que a urbanização da favela ocorre no contexto do mercado imobiliário, esse espaço intermediário é criado a fim de que os interesses de atores tradicionalmente poderosos não dominem o processo. Espera-se, com esta estrutura intermediária, assegurar parcerias estratégias e canais saudáveis de comunicação que protejam os interesses de cada parte, individualmente, e de todas as partes em conjunto.

Ilustração por Natalia Meléndez Fuentes

Idealmente, essa estrutura intermediária dá apoio à comunidade no monitoramento dos gastos da urbanização, assegurando que os fundos sejam estrategicamente alocados e que as ações estejam de acordo com as reais necessidades da comunidade de modo a democratizar o acesso ao financiamento e aos benefícios. Ademais, essa estrutura ajuda a superar os obstáculos burocráticos. No caso do programa oferecer um fundo rotativo, a estrutura intermediária pode ser financiada ou sustentada através dele.

Com base no elemento de transparência estabelecido inicialmente, uma estrutura intermediária robusta deve encontrar formas de conectar os atores envolvidos e ter como objetivo estabelecer associações de longo prazo, no nível da cidade, que tragam prosperidade, segurança e respeito às favelas do Rio. Essa ênfase na construção de parcerias visa criar freios e contrapesos que evitem, que em relação aos fundos e ações da urbanização, pessoas se beneficiem ou se tornem cúmplices em qualquer atividade ilegal, como as ligadas às milícias ou ao tráfico de drogas.

A fim de se adaptarem às necessidades de cada comunidade, a estrutura intermediária pode adquirir várias formas, tal como as próprias favelas, que variam amplamente em suas dinâmicas políticas, localização, tamanho, processos de ocupação e urbanização, topografia, história, cultura e nos perfis dos moradores. As favelas do Rio não podem ser tratadas como uma entidade única, indivisível. A estrutura intermediária para a urbanização deve ser adequada à identidade do local e de sua comunidade, aumentando seu potencial de sustentabilidade.

Um outro benefício de se estabelecer uma estrutura intermediária é que ela facilita o uso de conhecimento técnico, baseado no contexto único de cada favela. Além disso, essa reunião de conhecimento pode ser útil para trocas nas favelas, como aquela que ocorre na Rede Favela Sustentável* do Rio. A estrutura intermediária facilita processos como monitoramento, avaliação e registro de lições e boas práticas, enquanto mantém uma abordagem humana e centrada na comunidade. Idealmente, ela também incluiria um agente que possa agir como um filtro de interesses, posicionamentos em comum e aspectos não negociáveis de cada grupo interessado, com um especial compromisso de assegurar os interesses dos moradores.

Subindo ao longo da pirâmide, o nível seguinte consiste de uma abordagem integral e multidisciplinar. Historicamente, iniciativas de urbanização ocorreram dentro de silos do poder público. Até mesmo o premiado Programa Favela-Bairro (1994-2010) tinha uma falta de componentes psicoemocionais e sociais, e produziu resultados limitados.

Uma das maiores lições a serem extraídas do Favela-Bairro é a de que as necessidades físicas e econômicas supridas pela urbanização não podem ser favorecidas em detrimento de necessidades sociais ou emocionais. É preciso uma abordagem equilibrada, integral e multidisciplinar para atender a todas as necessidades antropológicas das favelas, combatendo seus déficits ao mesmo tempo em que catalisa seus pontos fortes. Abordar uma variedade de deficiências multidimensionais simultaneamente permite que novas sinergias surjam, em uma variedade de dimensões (física, social, econômica, política, psicológica e emocional), e apresenta uma chance maior de erodir a dinâmica negativa que aprisiona muitas pessoas na armadilha da informalidade.

Benefícios de uma estrutura intermediária robusta. Ilustração por Natalia Meléndez Fuentes

Como visto no planejamento do programa subsequente, Morar Carioca (que na prática nunca foi implementado), as favelas precisam ser urbanizadas individualmente, tendo-se em mente suas relações umas com as outras e com a cidade como um todo. A multidisciplinaridade pode ajudar a atingir esse objetivo. A customização de favelas e o design localizado também devem cuidar para preservar a escala urbana e evitar o isolamento ou a “guetização”.

Uma abordagem multidisciplinar deve ajudar os planejadores urbanos a manterem seus olhos abertos para diferentes realidades e possibilidades, e a evitarem a regulamentação excessiva da vida orgânica que floresceu na ausência de suporte público. As favelas não devem ser substituídas por estruturas “formais”, mas complementadas por elas.

A ascensão em nossa pirâmide implica o surgimento gradual de placemaking. De acordo com os arquitetos Lynda H. Schneekloth e Robert G. Shibley, o placemaking é “a forma por meio da qual todos nós, seres humanos, transformamos os lugares nos quais nos encontramos em lugares nos quais vivemos”. Esses dois níveis da pirâmide favorecem o placemaking, defendendo o respeito aos interesses de todas as partes interessadas e o reconhecimento da multidimensionalidade das necessidades dos moradores de favela. Assim, as obras de urbanização podem reconciliar a cidade e as favelas, operando ao lado dos moradores na realização de suas aspirações em seus próprios termos.

Esta é a quinta matéria de uma série de seis sobre a aplicação da Pirâmide de Meléndez à urbanização de favelas na cidade do Rio de Janeiro.

Natalia Meléndez Fuentes é mestranda em Construção e Design Urbano em Desenvolvimento na Unidade de Planejamento de Desenvolvimento Bartlett na University College de Londres. Sua pesquisa analisa os elementos psicoemocionais das favelas e da urbanização de favelas, principalmente na América Latina, e como trazê-los à tona.

*A Rede Favela Sustentável (RFS) e o RioOnWatch são projetos da Comunidades Catalisadoras.


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