Nós por Nós no Cinema: Projeto Faveladoc 3.0 Realiza Mostra de Cinema ‘Memórias Faveladas’ [VÍDEO]

Esta matéria faz parte de uma série gerada por uma parceria do RioOnWatch com o Núcleo de Estudos Críticos em Linguagem, Educação e Sociedade (NECLES), da UFF, para produzir matérias que serão utilizadas como recursos pedagógicos em escolas públicas de Niterói.

Entre os dias 21 e 30 de agosto, o Projeto Faveladoc 3.0 celebrou novamente o cinema e a favela e o final de mais um de seus ciclos de formação, através de um festival online e gratuito intitulado Mostra Memórias Faveladas, que contou com a exibição de 22 produções audiovisuais. A Mostra é fruto do processo de formação do Projeto Faveladoc 3.0, uma ação realizada pelo Instituto Raízes em Movimento, com apoio da Secretaria de Cultura do Rio de JaneiroCada uma das 22 produções possui características criativas únicas, já que têm origem em realizações independentes e populares. Além disso, elas possuem narrativas que se conectam com as realidades vividas em comunidades negligenciadas pelo poder público, assim como conteúdos que envolvem a luta por direitos e justiça.

Print do Canal do Youtube Mostra Memórias Faveladas

O Faveladoc acontece desde 2014, oferecendo aulas práticas e teóricas sobre técnicas de filmagem, edição, montagem, captação de som, entrevista e enquadramento, capacitando moradores de favela a trabalhar com o audiovisual.

Na primeira edição do projeto, em 2014, esse resultado foi alcançando no filme Copa Pra Alemão Ver. Expectativas, sonhos e momentos dos moradores do Complexo do Alemão, Zona Norte, são contrastados com a dura realidade dos megaeventos no filme, focando nas manifestações populares ocorridas no Rio de Janeiro, a partir de junho de 2013.

A Mostra trouxe representações de várias favelas do Rio, incluindo Jacarezinho, Manguinhos, Rocinha, Complexo do Alemão, Complexo do Caju e Complexo da Maré, entre outros pontos da cidade que guardam memórias negras, periféricas e faveladas. O evento foi um marco simbólico para o projeto e construiu pontes entre produções cinematográficas de várias partes da cidade do Rio.

O Projeto Faveladoc acredita que as memórias dos favelados devem ser contadas por eles mesmos, protagonistas de sua própria construção identitária e narrativa. A Mostra Memórias Faveladas foi “uma forma, sobretudo, de encarar com serenidade todo esse nevoeiro que estamos vivendo nos últimos tempos. É hora de agir e nada melhor que sermos criativos para reinventar os caminhos com arte, em harmonia, com o autocuidado”, como escreveu o Instituto Raízes em Movimento em uma publicação no Instagram.

“Seja a favela em sua majestosa realidade ou uma manifestação cultural, [as 22 produções] são criações que movem reflexões e não apenas entretenimento.”

Divulgação da Live 'O Coletivo Siyanda: Cinema Experimental do Negro'Apesar de ter sido completamente virtual, no YouTube, o evento estreou com o lançamento presencial do minidocumentário Dona Josefa, de forma restrita a convidados. A projeção da produção aconteceu na Praça Verde, em frente a sede do Instituto Raízes em Movimento. Todos os cuidados contra a propagação do coronavírus foram tomados: distribuição e obrigatoriedade do uso de máscara, distanciamento social e álcool gel disponível para o público.

Além disso, no dia 26 de agosto, também foi realizada uma live no Instagram do Instituto Raízes em Movimento, promovendo um encontro virtual entre alguns dos grandes nomes da nova geração do cinema e da arte pretos. Com mediação de Cachalote Matos, acompanhado por Alessandro Conceição e Rachel Nascimento, a live foi uma conversa sobre as atividades do Coletivo Syanda, Cinema Experimental do Negro, que produz documentários, curtas e podcasts produzidos por negras e negros.

As 22 Produções da Mostra Memória Favelada:

  • Laudelina

O minidoc explora a história de Dona Laudelina (in memoriam), uma das moradoras mais antigas do Complexo do Alemão, que constituiu uma enorme família no território. Na produção, ela conta um pouco sobre como foi erguer sua vida em um lugar que antes era apenas um espaço verde, tomado por matagais e pequenas trilhas de chão batido. O filme foi realizado pelo espaço Nave do Conhecimento Nova Brasília, sob coordenação de Nailton de Agostinho Maia.

  • Cadê a UPA?

O vídeo de cobertura, Cadê a UPA?, demonstra a força dos moradores de Manguinhos durante a luta pela reabertura da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da região em meio à pandemia do coronavírus, com a participação de movimentos sociais, sindicatos e artistas. Foi realizado pelo Laboratório Territorial de Manguinhos, sob coordenação de Marize Bastos da Cunha.

  • Dona Josefa

O minidocumentário sobre Dona Josefa apresenta uma nordestina querida que, na Pedra do Sapo, no Complexo do Alemão, atua voluntariamente com reciclagem e reaproveitamento de materiais sólidos e começa a criar novas perspectivas de qualidade de vida através de um EcoPonto no entorno de sua casa. Foi realizado pelo Instituto Raízes em Movimento e o Projeto Faveladoc 3.0, sob coordenação de David Amen.

  • Via Sacra da Rocinha

O documentário mostra a história do espetáculo teatral de rua, que contextualiza temas relevantes da contemporaneidade, como a violência vivenciada rotineiramente por favelados, e o processo de criação que resultou na expressiva encenação de 2018, reafirmando a arte como contraponto à violência. Realizado sob direção de Cleber Araújo.

  • Doutor Magarinos: Advogado do Morro

O filme Doutor Magarinos: Advogado do Morro conta a história de um homem que liderou a resistência das favelas contra as remoções promovidas pelo governo do Rio de Janeiro nos anos 1950 e 1960. Magarinos nasceu na elite, lutou por justiça social, morreu na ditadura militar, foi velado numa favela e enterrado em cova rasa. Sob direção e produção de Ludmila Curi.

  • Surf no Alemão

O projeto de surf criado por Welington Cardozo aos finais de semana reúne e leva crianças do Complexo do Alemão para aulas de surfe na praia do Recreio Dos Bandeirantes, a 32 quilômetros de distância da favela. O documentário  apresenta o projeto e seu principal objetivo de formar cidadãos. Por meio da iniciativa, os jovens do Complexo do Alemão entram em contato com outro universo, com outro estilo de vida, que tem como principal bandeira a liberdade, a paz e o contato direto com a natureza. Sob direção de Cleber Alves e Eduardo “BR”.

  • Julho Negro: Contra o Racismo, a Militarização e o Apartheid

Este minidocumentário faz parte da série de matérias antirracistas do RioOnWatch, do projeto Enraizando o Antirracismo nas Favelas: Desconstruindo Narrativas Sociais sobre Racismo no Rio de Janeiro, e mostra a força das mulheres na organização do Julho Negro, evento anual das favelas contra a militarização da vida e o genocídio da população favelada e do povo negro. As falas das mulheres ecoam como um manifesto pela vida, sobretudo pelo fato destas ativistas estarem na linha de frente contra as violações que pretos vivem nas favelas e periferias. Produção do RioOnWatch, com roteiro, edição e direção de David Amen.

  • Meu Amigo Luiz Poeta

A curta, Meu Amigo Luiz Poeta, narra, brevemente, a vida de um ser humano inigualável que viveu para construir um ambiente saudável no Complexo do Alemão. Luiz Poeta era um militante, fundador da ONG Verdejar Socioambiental, estudioso, pesquisador, engenheiro agroflorestal autodidata, além de tantos outros adjetivos que traduzem a vida deste homem e sua importância para o reflorestamento de parte da Serra da Misericórdia. O filme foi realizado e dirigido por alunos do Curso de Vídeo da Nave do Conhecimento Nova Brasília.

  • Siyanda

Curta que encena uma nova diáspora negra, caminhando pelas ruas do Rio, Siyanda se descreve: “Nós, negros, somos irmão porque África é mãe. O solo sagrado da cidade do Rio de Janeiro, em outros tempos, foi regado com sangue negro. Nossos Orixás não ignoram o sofrimento de uma negra ou negro, vindo de África ou de qualquer lugar do mundo”. Foi realizado pelo Coletivo Siyanda, sob direção de Hugo Lima.

  • Fim de Tarde

Exercitar o olhar sobre corpos negros masculinos para além da brutalidade e da violência é um dos principais objetivos de Fim de Tarde. Trata-se de um fragmento de um dia na vida de uma família preta, onde o amor e o afeto unem a casa e os personagens. Foi realizado pelo Coletivo Siyanda, sob direção de Hugo Lima.

  • O Senhor de Toda Cruz

O Senhor de Toda Cruz explora a figura de um jovem negro correndo pela cidade, mexendo com o imaginário popular, que começa a se perguntar: para onde vai? De onde veio? Será que está fugindo da polícia? Vai assaltar alguém? “Exu guarda, Exu salva. Não existe movimento sem Exu Laroye.” Filme sob direção de Hugo Lima.

  • Alemão F5.6

O minidocumentário Alemão F5.6 conta a relação do fotógrafo Rodrigues Moura com o Complexo do Alemão e três famílias imigrantes que, assim como ele, escolheram a comunidade como lugar para viver. Direção e roteiro por Aline Portugal e Rosilene Faria.

  • Nosso Sagrado

Nosso Sagrado investiga a perseguição contra o Candomblé e Umbanda, religiões criminalizadas na Primeira República e na Era Vargas. A partir da fala de religiosos, pesquisadores e militantes, a produção busca entender a importância do acervo sagrado afro-brasileiro ainda sob posse da Polícia Civil e a luta pela libertação dos artigos de culto e contra o racismo religioso. Um filme de Jorge Santana.

  • Favela Que Me Viu Crescer

Favela Que Me Viu Crescer retrata a vida de Tia Dorinha, Vó Chiquinha, Tião do Azul e Mais Preto. A partir de seus relatos e cotidianos, o filme entrelaça suas narrativas e relações de afeto construídas ao longo do tempo com o Jacarezinho, lugar que viram crescer e com o qual também cresceram. Direção e roteiro por Aline Portugal e Rosilene Faria.

  • Olhares da Misericórdia: A Serra Que Atravessa Gerações

Este documentário acompanha memórias que atravessam tempo e espaço, buscando a valorização e a preservação da Serra da Misericórdia, o último remanescente de Mata Atlântica desta parte da Zona Norte do Rio. Direção de Álvaro Vinícius.

  • Filhos da Pátria

Filhos da Pátria conta a história de oito jovens migrantes que decidiram deixar seus estados (Ceará, Piauí, Maranhão e Pará) e ir para o Rio de Janeiro em busca de melhorias e novas oportunidades. O propósito é questionar quais relações o migrante tem com a cidade e mais especificamente com a favela, local onde a maioria dos migrantes recém-chegados à capital fluminense mora. Direção e roteiro de Edilano Cavalcante.

  • Pescadores da Maré

Na disputa por espaço na Baía de Guanabara, quem perde é o pescador. Entre a indústria do petróleo e as áreas demarcadas pela Marinha, onde está o peixe? Minidoc realizado por NA Favela e Cineclube Mate Com Angu, sob direção de Josinaldo Medeiros.

  • Apocalypse do Alemão

O curta Apocalypse do Alemão conta a história da queda de um balão na rede elétrica no final da década de 1980, quando boa parte da cidade e, claro, o Complexo do Alemão, ficaram às escuras por muitas horas. No céu se via muitas cores e vento, o que levou pessoas a acharem que aquilo era o apocalipse. Muitos gritavam: “Jesus está voltando!” Filme realizado por alunos do Curso de Vídeo da Nave do Conhecimento de Nova Brasília, sob direção e roteiro de Alberto Dias.

  • Abra Sua Mente – Som do Barraco

Videoclipe em homenagem a todos os moradores, ativistas, coletivos e instituições do Complexo do Alemão que, na base da pirâmide, lutam por uma favela com menos violência e mais valorização da vida. Realizado pelo Barraco #55, sob direção coletiva.

  • Quando Você Chegou Meu Santo Já Estava

O documentário apresenta uma narrativa afetiva sobre a presença do Candomblé e da Umbanda na construção histórica do Complexo do Alemão. O filme faz isso a partir do ponto de vista de pessoas comuns que dedicam suas vidas à religião no intuito de ajudar o próximo a se perceber no mundo. Realizado pelo Instituto Raízes em Movimento e o Projeto Faveladoc, sob direção de David Amen.

  • Tia Bete: Amor e Educação no Complexo do Alemão

O minidoc conta a história da educadora que dedica sua vida a ensinar crianças e adultos no Complexo do Alemão. Realizado por FAVELAREVELA, sob direção de Natureza França.

  • Às Canções de Amor de uma Bixa Velha

Às Canções de Amor de uma Bixa Velha apresenta conversas sobre as percepções do tempo e do envelhecer de um homem negro, gay e morador de favela, retratado por Márcio Januário a partir do seu espetáculo homônimo. Foi dirigido por André Sandino Costa.


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