Termo Territorial Coletivo: Solução para a Crise Habitacional Global

TTCs podem garantir à pessoas em favelas como esta em Nairóbi, Quênia, direitos e segurança à terra. Imagem: Reuters / Thomas Mukoya

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Leia a matéria original por , em inglês, no site do Fórum Econômico Mundial aqui. O RioOnWatch traduz matérias do inglês para que brasileiros possam ter acesso e acompanhar temas ou análises cobertos fora do país que nem sempre são cobertos no Brasil.

  • A pandemia reiterou a importância de moradia adequada.
  • O modelo comunitário Termo Territorial Coletivo (TTC) amplia o acesso à moradia, incentiva a participação da comunidade e protege os recursos públicos.
  • De acordo com o modelo, a terra é de propriedade comunal, enquanto que as casas são de propriedade individual.

Todos os 193 estados membros das Nações Unidas reconhecem a moradia adequada como um direito humano inalienável, embora cerca de 1,6 bilhão de pessoas ainda vivem em habitações precárias. Além disso, uma pesquisa do Prindex mostra que quase 1 bilhão de pessoas consideram “provável ou muito provável que sejam removidas de suas terras ou propriedades nos próximos cinco anos”. A pesquisa sugere que isso se deve em grande parte à especulação imobiliária e à falta de posse segura da terra.

A crise da Covid-19 confirmou a importância primordial da habitação para uma vida saudável ​​e próspera. Agora, mais do que nunca, devemos acelerar a implementação comunitária da propriedade da terra e gestão de recursos. A noção de terras que pertencem e são administradas pela comunidade não é nova: tem raízes históricas em todo o mundo, de comunidades indígenas americanas à África pré-colonial e ao Império Mongol. No contexto da mudança climática e da crescente desigualdade, os profissionais devem ver o modelo Termo Territorial Coletivo como uma solução viável para garantir o direito à moradia e proteger os recursos públicos.

O livro recém-publicado On Common Ground (Em Terreno Comum) traça a história dos TTCs, desde o movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos, quando, em 1969, um grupo de ativistas afro-americanos da Geórgia obteve terras para sua comunidade como uma forma de garantir uma maior independência. Este grupo visionário, os fundadores do TTC New Communities Inc., determinaram que a propriedade coletiva da terra era a forma mais segura de posse, já que, quando combinada com a propriedade individual das casas, poderia oferecer às pessoas de baixa renda uma oportunidades de segurança financeira e gestão cooperativa, garantindo ao mesmo tempo acessibilidade econômica da habitação a longo prazo. Este conceito de terra de propriedade da comunidade em que os indivíduos possuem suas casas é o cerne do TTC.

Em um Termo Territorial Coletivo, como é descrito no livro, a terra é propriedade de uma organização privada sem fins lucrativos administrada coletivamente pelos moradores, partes interessadas da comunidade e técnicos. As casas individuais construídas no terreno são de propriedade dos moradores, que geram capital durante a sua estadia e, quando optam por sair, vendem a sua casa a um preço acessível para o próximo comprador. [No caso clássico do TTC norteamericano, onde os moradores originários do TTC optam por entrar nele sob estas condições,] esse preço é determinado pelo TTC para manter a acessibilidade, ao mesmo tempo em que provê ao morador atual uma parcela do aumento no valor de sua casa. Este modelo elimina efetivamente o risco de especulação e remoções. Além disso, os TTCs capacitam os moradores para tomar as rédeas do desenvolvimento de sua comunidade, agindo como administradores de espaços e recursos comuns.

TTCs geralmente combinam terras de propriedade coletiva com casas de propriedade individual.
TTCs geralmente combinam terras de propriedade coletiva com casas de propriedade individual.

Hoje, existem mais de 250 TTCs nos Estados Unidos, 300 no Reino Unido e um número crescente na Europa, América Latina, África e Ásia. Abaixo, estão vários exemplos de como os TTCs e suas variações locais estão sendo usados ​​para criar moradias populares na Bélgica, garantir a posse da terra no Quênia e proteger os recursos naturais em Honduras.

O Community Land Trust Brussels (CLTB) desenvolve moradias permanentemente acessíveis em terrenos administrados coletivamente na capital da Bélgica. Incorporado em 2012 em meio a uma crise de moradias populares (os preços das moradias em Bruxelas dobraram de 2000 a 2010), o CLTB trabalhou com representantes do governo para criar as estruturas jurídicas e financeiras necessárias para a criação de um TTC. Desde 2014, o CLTB construiu cerca de 50 casas, estando com mais de 100 atualmente em desenvolvimento. Arthur Cady, Gerente de Projeto do CLTB, enfatiza os benefícios sociais e econômicos do modelo TTC: “Os TTCs ajudam a reforçar a coesão social das cidades e comunidades ao incluir famílias de baixa renda que podem ser excluídas dos bairros pela gentrificação, ao mesmo tempo que lhes dá voz na gestão imobiliária da cidade e não os deixa nas mãos de especuladores financeiros”. Ansioso por difundir o modelo TTC pela Europa, o CLTB está apoiando o projeto Habitação Sustentável para Cidades Inclusivas e Coesivas (SHICC), que oferece apoio financeiro e administrativo para criar Termos Territoriais Coletivos no noroeste da Europa.

No Quênia, o modelo TTC ganhou força como uma ferramenta eficaz para garantir a posse da terra e habitação de qualidade em assentamentos informais. O Projeto de Melhoria do Assentamento Informal do Quênia (KISIP) está usando a titulação coletiva de terras para garantir a posse da terra e dar direitos de propriedade aos moradores das comunidades informais de Nairóbi. Peris Mang’ira, coordenador nacional do KISIP, afirma: “O regime de posse comunitária da terra é especialmente relevante para assentamentos informais no Quênia e em todo o mundo, principalmente onde as densidades não permitem a propriedade individual”. Peris enfatiza a importância das comunidades que trabalham com a sociedade civil e parceiros do governo para adaptar o modelo TTC às políticas locais e estruturas jurídicas. Em Nairóbi, os líderes do projeto integraram a participação da comunidade em todo o processo, desde o planejamento até a implementação. Os jovens participaram de todos os processos da regularização fundiária, constituíram a maior parte da mão de obra contratada para construção da infraestrutura e representam uma parcela significativa dos novos moradores. Os TTCs estão sendo criados em outros assentamentos informais em todo o mundo, do Brasil a Bangladesh.

Em Honduras, o modelo TTC está sendo usado para proteger recursos ambientais de importância cultural, social e econômica para comunidades rurais de baixa renda. A Fundación Eco Verde Sostenible (FECOVESO) é um fundo regional que compra, administra e protege permanentemente as bacias de água que abastecem 16 aldeias nas montanhas ao redor de Cortes. Esse modelo de propriedade coletiva garante que as terras não sejam adquiridas por empresas madeireiras ausentes, criadores de gado comerciais ou indústrias que poluem os recursos hídricos dos quais essas comunidades dependem. A organização também atua como uma iniciativa de desenvolvimento comunitário, ajudando a desenvolver sistemas de água, a melhorar as escolas locais e a pressionar por proteções legais para essas populações remotas.

Estão ocorrendo conversas em todo o mundo sobre como “reconstruir melhor” após a crise da Covid-19. A noção de propriedade coletiva da terra deve ocupar um destaque nas nossas discussões se quisermos cumprir a promessa de moradia adequada e conservação ambiental, prevista na Agenda de Desenvolvimento Sustentável de 2030. Peris Mang’ira nos lembra o impacto positivo de garantir os direitos à terra para comunidades: “[A propriedade coletiva da terra] tem efeitos multiplicadores na melhoria da qualidade de vida (renda, moradia, investimentos, saúde, oportunidades de emprego e negócios) por conta da estabilidade que acompanha a segurança da posse”. Com esforços coordenados entre os setores público e privado e uma forte participação da comunidade, os TTCs podem ser uma ferramenta eficaz para garantir o direito à moradia adequada, capacitar os moradores para moldar o futuro de suas comunidades e proteger os recursos naturais.


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