Instalação de Painéis Solares no Ser Alzira, no Vidigal, Representa Busca por Sustentabilidade e Educação Ambiental nas Favelas

Comemorando a Semana do Meio Ambiente no RioOnWatch

Sistema fotovoltaico instalado no Ser Alzira. Foto: Sergio Satierf
Sistema fotovoltaico instalado no Ser Alzira. Foto: Sergio Satierf

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Esta matéria faz parte de uma série gerada por uma parceria, com o Digital Brazil Project do Centro Behner Stiefel de Estudos Brasileiros da Universidade Estadual de San Diego na Califórnia, para produzir matérias sobre impactos climáticos e ação afirmativa nas favelas cariocas.

Educar para transformar. Esse é o lema da organização sem fins lucrativos Ser Alzira de Aleluia, que funciona no Morro do Vidigal, na Zona Sul do Rio. A história da instituição se confunde com a história da família de Antônio Carlos de Aleluia, hoje doutor em Engenharia Oceânica e professor universitário. A educação sempre foi um valor muito importante na família, que chegou ao Vidigal no final da década de 1940. Alzira de Aleluia era o nome da avó de Antônio Carlos e hoje dá nome à instituição, que atende cerca de 120 crianças com diversas atividades oferecidas à comunidade.

Elma e Toninho fundaram o projeto Ser Alzira há 19 anos. Foto: Ser Alzira de Aleluia
Elma e Toninho fundaram o projeto Ser Alzira há 19 anos. Foto: Ser Alzira de Aleluia

O desejo de criar um projeto de referência para jovens e adultos do Vidigal surgiu na juventude de Antônio Carlos, mais conhecido como Toninho do Vidigal. Ele ficou conhecido na comunidade por ser o primeiro jovem negro morador da favela a ingressar no curso de Engenharia Mecânica, na Universidade Federal Fluminense (UFF), em 1975. Em março de 2003, ele e a esposa, transformaram o sonho em realidade, fundando a ONG Ser Alzira de Aleluia. Hoje, no local, funciona um curso preparatório para alunos que querem ingressar no ensino técnico ou na universidade, reforço e acompanhamento escolar, além de aulas de idiomas, informática, dança e esportes. O projeto também tem atividades direcionadas aos adultos e idosos da comunidade.

Até o momento, ao menos cinco jovens do Vidigal ingressaram em cursos de graduação na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC), por meio do curso de pré-vestibular comunitário da instituição, que funciona desde 2016. Antônio e Elma de Aleluia, co-fundadora e atual presidente da organização, buscam ampliar as oportunidades para os moradores da favela por meio de parcerias com organizações e empresas externas. É através desse contato que a instituição consegue ofertar bolsas de estudos em cursos de idiomas, doações de materiais escolares e cestas básicas, além de viabilizar a presença dos moradores em apresentações e eventos culturais.

Moradores conhecem as placas no lançamento. Foto: Sergio Sarief
Moradores conhecem o sistema de energia solar no lançamento. Foto: Sergio Satierf

A articulação em rede e o diálogo com outras organizações são as bases para que a instituição consiga manter suas ações no território, como conta Elma: “são as parcerias que geram a sustentabilidade para darmos andamento às nossas atividades. É por conta delas que nós crescemos e nos mantemos de pé para que possamos atender à comunidade”.

Entre outras demandas da ONG está a sustentabilidade financeira, comum desafio de instituições sociais e comunitárias. Após alguns anos de busca, em dezembro de 2021, a Ser Alzira de Aleluia recebeu uma grande ajuda para atingir sua sustentabilidade financeira: a instalação de placas solares. A economia na conta de luz é um grande objetivo do sistema de energia solar, que também tem um papel muito importante para a formação e educação ambiental dos moradores. A instalação no Ser Alzira é a primeira instalação de módulo fotovoltaico do Morro do Vidigal.

Elma conta que havia um grande desejo da equipe da ONG em mostrar à favela novas possibilidades de distribuição energética, além de reverter os recursos, antes usados na conta de luz, para a compra de materiais para as atividades educacionais. “Estamos tendo uma grande economia com a energia solar, porque antes nossa conta era bem alta. Agora pagamos R$200 ou R$300 reais, dependendo do mês”, explica. Antes, a conta de luz do projeto girava em torno de R$700, ou seja, uma redução superior a 50%. O valor economizado tem sido usado para pagar internet, telefone e material de escritório. “A economia na conta ajuda a manter a instituição funcionando, até porque a internet é imprescindível para o nosso trabalho”, diz ela.

Elma, Toninho e Hans apresentam o novo sistema. Foto: Sergio Satierf
Elma, Toninho e Hans apresentam o novo sistema. Foto: Sergio Satierf

Energia Limpa e Sustentável no Vidigal

Projetos de energia solar já existem em outras favelas da Zona Sul carioca, como no Chapéu Mangueira e na Babilônia, ambos no Leme, e no Santa Marta, em Botafogo. Os sistemas instalados nesses territórios mostram como a energia solar não só é possível, como é desejável nas favelas, territórios com grande potencial para a geração desse tipo de energia. Existem, no entanto, alguns desafios para a sua implementação, como os custos dos equipamentos, a necessidade de uma infraestrutura que suporte o peso dos painéis solares e, ainda, o bom funcionamento do sistema regular de energia, fornecido pela Light.

O sistema de energia solar funciona de forma integrada à rede comum de eletricidade. A energia captada pelos módulos fotovoltaicos, como são chamadas as placas, entra na rede onde o sistema é instalado. Uma parte é usada por aparelhos elétricos ligados na mesma hora. O excedente entra na rede da concessionária, por onde é redistribuído. Toda a energia gerada se traduz em descontos na conta de luz.

Inauguração do sistema de energia solar aconteceu em dezembro de 2021. Foto: Aline Fornel / Maré de Notícias
Inauguração do sistema de energia solar aconteceu em dezembro de 2021. Foto: Aline Fornel / Maré de Notícias

O equipamento instalado na ONG Ser Alzira é fruto da doação de uma empresa do setor de energia solar. A oportunidade chegou por intermédio de Hans Rauschmayer, especialista no tema, fundador da Solarize Treinamentos e integrante do Grupo de Trabalho (GT) de Justiça Energética da Rede Favela Sustentável (RFS)*. Foi por meio da Rede que houve a conexão entre a oportunidade e o projeto social do Vidigal.

“O Tiago [Fraga] trouxe a proposta de doação [do sistema] para mim. Eu resolvi levar para o GT de Energia Solar [atual GT de Justiça Energética] da Rede”, lembrou Hans. Thiago Fraga é organizador do Fórum GD Sudeste e foi a pessoa responsável por direcionar a doação conjunta das empresas PHB Solar e Grupo FRG. Além dessas, outras instituições também contribuíram. A Solfortes atuou na instalação e homologação do sistema, a Mirassol Energia Solar doou materiais para a obra. A Solarize planejou e participou da instalação, além de treinar um morador.

Sobre a escolha do projeto Ser Alzira, Hans continua: “avaliamos no GT alguns candidatos e decidimos juntos levar o sistema ao Vidigal, pois a Dona Elma já estava presente há muito tempo e possuía as melhores condições [estruturais] naquele momento”, explica. A Rede Favela Sustentável, iniciativa da qual Elma e Hans participam, reúne 120 projetos que trabalham soluções sociais e a sustentabilidade nas favelas.

A intenção é que a instalação do sistema fotovoltaico no Ser Alzira seja apenas um primeiro passo. Além de inspirar outras instituições e os próprios moradores, a proposta é pensar formas de viabilizar cursos técnicos de instalação de painéis solares, como ocorreu em outras favelas. Assim, haveriam pessoas na própria comunidade aptas para realizar manutenções e novas instalações dentro e fora do território. Para este sonho se tornar realidade, no entanto, é necessário conseguir recursos para baratear ou disponibilizar o curso de forma gratuita aos moradores do Vidigal.

Após instalação, a conta de luz da organização teve uma redução superior a 50%. Foto: Sergio Satierf
Após instalação, a conta de luz da organização teve uma redução superior a 50%. Foto: Sergio Satierf

Para a instalação do sistema no começo de dezembro do ano passado, o Ser Alzira precisou reunir uma força tarefa para conseguir finalizar os ajustes estruturais no telhado da sede da organização. Ao todo, 20 pessoas de cinco favelas e do “asfalto” estiveram envolvidos para executar e entregar a obra completa dez dias antes da inauguração, que aconteceu no dia 5 de dezembro de 2021. Elma reflete sobre os impactos sociais do sistema:

“A geração distribuída através da energia solar nos educa a ser cidadãos, a economizar, a fazer reciclagem, a distribuir o que sobra passando para algum parceiro.” — Elma de Aleluia

A produção de eletricidade por meio da energia do sol não gera emissão de gases poluentes. Por isso é chamada de energia limpa. A energia solar é, também, um tipo de energia renovável, por não ter origem em recursos finitos. É, portanto, um tipo de energia visto como aliado ao meio ambiente e não prejudicial à saúde humana. Pouco a pouco, esse tipo de geração tem se popularizado nas favelas cariocas por meio do treinamento de moradores, instalações de baixo custo e, também, por conta do trabalho de educação ambiental de coletivos e lideranças comunitárias.

Ser Alzira de Aleluia sabe bem quais são os pontos positivos de receber a energia solar e já projeta a ampliação do sistema para o futuro. O sonho é construir uma usina solar fotovoltaica no Vidigal. A meta parece ambiciosa, mas projetos como esse já vêm sendo desenvolvidos em favelas próximas, como no Morro da Babilônia, no Leme.

“Nós estamos tendo a coragem e a ousadia de pensar em uma usina elétrica para atender o maior número de pessoas na favela. Estamos nos preparando, porque as leis estão sendo feitas para beneficiar as usinas de pequeno porte e, assim, quem sabe, possamos atender a nossa comunidade. Esse é o objetivo daqui a alguns anos.” — Elma de Aleluia

Antônio e Elma cortam a fita na inauguração. Foto: Sergio Satierf
Antônio e Elma cortam a fita na inauguração. Foto: Sergio Satierf

Desafios do Presente

Nos últimos dois anos, as favelas foram bastante impactadas pelas consequências da pandemia do coronavírus. A crise sanitária se tornou, também, uma crise social nesses territórios, com perda de empregos, redução de renda, acesso limitado à educação e prejuízos à saúde mental. Nesse período o projeto Ser Alzira de Aleluia viu a demanda por ajuda crescer, rapidamente, na comunidade. De uma hora para a outra, as atividades educacionais precisaram migrar para o ambiente virtual e outras ações precisaram ser suspensas. Só no ano passado, foram 3.800 cestas básicas doadas no Vidigal. Este ano, o projeto ainda tem uma lista com cerca de 1.300 famílias cadastradas para receber doações de alimentos.

A grande doação realizada em 2021 foi fruto da soma de doações de diversas instituições por todo o Brasil. Esse ano, porém, a presidente da ONG não sabe se conseguirá doações para as mais de 1.000 famílias que aguardam. Não há, até o momento, previsão de chegada de novas cestas básicas.

Esse ano, mais de mil pessoas aguardam por doação de cestas básicas. Foto: Sergio Satierf
Esse ano, mais de mil pessoas aguardam por doação de cestas básicas. Foto: Sergio Satierf

Com 19 anos de existência, o projeto Ser Alzira sempre se manteve com ajuda de amigos e doadores externos. Na sede da instituição, no alto do Morro do Vidigal, também funciona um alojamento. O local hospeda turistas de vários países e o valor levantado é direcionado para as ações sociais da ONG. A pandemia, no entanto, também impactou bastante o retorno financeiro do “Alzira House”. Antes, o local hospedava em média doze pessoas, mas desde a chegada do novo coronavírus esse número caiu pela metade.

“São 19 anos de organização, com sede própria, funcionando dentro da favela e sobrevivendo de doações. Sinto que o poder público ignora projetos como o nosso, projetos que estão trabalhando a educação e o meio ambiente nos territórios… Vemos a necessidade das famílias. Muitas vezes, uma mãe ou um pai precisa trabalhar e deixam as crianças nas escolas e nas creches. Ou o pai vai embora e a mãe ou a avó precisa sustentar os filhos [e/ou netos] sozinhas. É com essas pessoas que a gente trabalha. Acho que o poder público trabalha de uma forma muito paliativa e nós trabalhamos na base.” — Elma de Aleluia

A instituição está aberta a receber doações de alimentos, produtos de limpeza e material escolar. Elma afirma também que seria muito importante para o projeto conseguir um automóvel. A ONG possui um veículo, mas ele tem mais de 20 anos de uso e precisa ser reformado ou trocado para conseguir atender as necessidades da iniciativa. Com a ajuda de voluntários, doadores e amigos, a organização Ser Alzira segue fazendo a diferença na vida dos mais de 20.000 moradores do Vidigal.

*A Rede Favela Sustentável (RFS) e o RioOnWatch são projetos da organização sem fins lucrativos, Comunidades Catalisadoras.

Sobre a autora: Beatriz Carvalho, cria de Vilar dos Teles em São João de Meriti, é jornalista, mídia-ativista, feminista, toca o Mulheres de Frente e atualmente é repórter especial da Rede Favela Sustentável.


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