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Muitas evangélicas e evangélicos progressistas têm se organizado contra a intolerância religiosa, o racismo e a extrema-direita. Exemplo disto é a Frente de Evangélicos pelo Estado Democrático de Direito, um movimento cristão em defesa dos direitos e promoção da justiça social, que atua desde 2016 no combate à cultura de poder dentro das igrejas e contra a teologia da prosperidade.
Recentemente, no dia 22 de setembro, a Frente organizou o evento “Encontro de Lideranças Evangélicas por Liberdade, Democracia e Paz”, convocando igrejas e líderes, com o intuito de “abordar a presente situação no país em que várias pastoras, pastores e outros cristãos têm sido perseguidos por exercerem seus direitos constitucionais de liberdades política, de expressão e de opinião”.
A Novas Narrativas Evangélicas, uma “comunidade-plataforma de reconhecimento e afirmação da pluralidade evangélica” se coloca como um espaço para reforçar o coro antifundamentalista e para demonstrar que existem diversas maneiras de ser crente. A plataforma se posicionou sobre a liberdade do exercício democrático e de voto, lançando as artes.
No entanto, de acordo com o pastor da Igreja Redenção Baixada, Vladimir de Oliveira Souza, de 51 anos, conhecido como Vlad, quando buscamos por comunidades de fé progressistas no Grande Rio, organizadas na e a partir da periferia, só encontramos duas: a própria Igreja Redenção Baixada e a Igreja Comuna. Ele comenta que historicamente o campo evangélico é genuinamente conservador, porém, o que vem acontecendo nos últimos anos é uma onda ultraconservadora e de apoio à extrema-direita. Falando da Baixada Fluminense, onde atua, ele disse:
“O combate à fome, [a luta] pelos direitos humanos, pela diversidade de gênero e justiça climática, sempre partiu de um um grupo menor [dentro do campo evangélico] e agora está dentro de uma geografia de isolamento maior, porque as igrejas conservadoras, da galera que queima pra Jesus e espera a volta de Jesus, aqui na Baixada Fluminense cresceu muito… e o Bolsonaro exerce influência nesses caras. Eles dizem que está vindo um grande avivamento… e o Bolsonarismo encontrou espaço nesses discursos… Não me surpreendo de sermos os únicos [progressistas], eu me entristeço, na verdade.”
Segundo o Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria) em pesquisa divulgada no início de setembro de 2022, 48% das intenções de voto dos evangélicos são para o candidato à reeleição, o Presidente Jair Bolsonaro (PL), enquanto que o ex-Presidente Lula (PT) tem o apoio de 26%. Mesmo assim, o número de evangélicos apoiadores de Bolsonaro tem caído de 2018 para cá.
Nessa matéria apresentamos o caso de duas igrejas progressistas no Rio de Janeiro: a Redenção BXD, que se organiza em Nilópolis, Baixada Fluminense, e a Igreja Comuna, localizada em São Gonçalo, cidade do Leste Fluminense. Ambas possuem pastorais e têm como missão a luta pelos direitos humanos, o antirracismo e a diversidade de gênero, além de seguirem uma teologia latinoamericana, construída a partir das realidades periféricas.
Redenção BXD: Uma Igreja com a Cidade
Simples, orgânica e informal, a Igreja Redenção Baixada (Redenção BXD) começou suas atividades há oito anos. Vladimir de Oliveira Souza, mais conhecido como Vlad, é graduado em Teologia/Pedagogia e possui Pós-graduação em Gestão Escolar e Gestão de Projetos Sociais. Residente em Nilópolis, ele é pastor da Igreja Cristã Redenção Baixada e coordenador pedagógico e articulador social da Casa Semente, ONG que atua em Jardim Gramacho, Duque de Caxias, em favor de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social.
“A Igreja Cristã Redenção Baixada se define como um movimento economicamente pobre e estruturalmente aberto. Um tipo organizativo horizontal sem hierarquias ou mecânicas de gestão organizacional, acreditando na economia solidária do Reino de Deus e não no modelo igreja-negócio consolidado no território brasileiro. Aqui na Baixada Fluminense, lutamos e trabalhamos muito para experimentar coletivamente um novo jeito de ser igreja: mais público, simples, inclusivo e militante. Uma igreja encarnada nos dilemas e nas potências de seus territórios-base. Uma igreja cidadã, que pensa e vive o Evangelho sem descolar os pés do chão da vida. Queremos ser uma comunidade socialmente justa, politicamente protestante, economicamente solidária, ambientalmente saudável e espiritualmente celebrativa.” — Pastor Vladimir de Oliveira Souza
A Redenção BXD é uma igreja com a cidade, ou seja, além de assistir as pessoas, também busca ser uma comunidade culturalmente relevante e ao lado dos movimentos culturais, sociais e ambientais, Vlad detalha:
“Os últimos encontros religiosos ocorreram em um assentamento do Movimento dos Sem Terra (MST) e numa ação de reflorestamento. A luta pelo direito à terra e o cuidado pela casa comum são valores e ações que materializamos para além da nossa experiência com o Sagrado. A inclusão integral e radical de pessoas oriundas da comunidade LGBTQIAP+ é um jeito de sermos acessível para todes. O nosso eixo teológico atravessa questões como a justiça social, erradicação da pobreza e fome, e a luta pela dignidade integral do ser humano. Tudo isto é o resultado de uma relação respeitosa e intencional em favor do estado democrático de direito.”
As reuniões da Redenção BXD ocorrem duas vezes na semana, nas quintas de forma remota com o PG (Pequeno Grupo) de estudos e aos domingos em um espaço de co-working, no Centro de Nilópolis. Os cultos contam com café da manhã coletivo, momentos de oração, música, palavra e em roda, aberto aos comentários de todas as pessoas. Recentemente, a Redenção BXD montou as pastorais da Cidade, Cultura e Comunicação; Justiça Social e Saúde; e da Equidade, Gênero e Diversidade.
Igreja Comuna: Onde Todos Transitam com Dignidade
Júlio César Oliveira tem 56 anos e é morador de São Gonçalo. É pastor e fundador da Comunidade Batista em São Gonçalo e presidente do Instituto Casa Comum. Além disso, faz parte de um programa global de lideranças evangélicas que lutam pela justiça, pela defesa de direitos e combate à pobreza: organização inglesa Tear Fund.
Segundo Júlio, a igreja Comuna, que já tem 12 anos de existência, nasceu com um caráter de ser um movimento que abarcasse pessoas que estavam cansadas da igreja e também para pessoas que jamais entrariam em igreja. Através de releituras da Bíblia, atualizando versículos bíblicos e aliada com a Teologia Latinoamericana, mais especificamente com a Teologia da Libertação , a Comuna é “uma igreja envolvida com Direitos Humanos, e comprometida com a defesa da vida, portanto uma igreja progressista. [Atua] diretamente no combate ao racismo, à misoginia. Temos um sistema de governança que chamamos de Conselho Comum—onde todas e todos têm voz, e estamos sempre no ‘Caminho de Maturidade’—todo domingo de manhã, [onde debatemos livros e com intuito de pensar a fé, a cidade e o cuidado com as pessoas]”, afirma Pastor Júlio.
Quando perguntado sobre a importância para a democracia, o pastor comenta: “Nunca foi tão importante para nós cristãos a luta pela democracia, para que a gente continue tendo o direito de eleger nesse país e no estado. Sem isso a gente vai voltar para a ditadura e a ser escravo de um monte de gente violenta e que não têm compromisso com a vida e com o cidadão. A nossa democracia está ameaçada, por isso é fundamental a defesa da Constituição… que vai garantir para nós o [direito] ao voto, que é fundamental… importante que a gente faça esse trabalho de conscientização, esse trabalho na base… é fundamental que essa tríade seja defendida: a importância da democracia, que o povo continue sendo soberano e o [direito] ao voto.”
A igreja Comuna atua nas seguintes frentes: contra o racismo religioso, no combate à LGBTFOBIA, contra a fome e a pobreza. Pastor Júlio afirma que o intuito é que eles ampliem essa agenda em 2023, abarcando também a luta pela sociobiodiversidade, sobre a fé e a política com as pessoas no Morro do Escadão, em São Gonçalo, onde atua o Instituto Casa Comum, e também na autonomia financeira e emprego para essa comunidade.
Eleições e a Prática Cristã
Para essa matéria, foram entrevistados os pastores citados acima, da Igreja Redenção BXD e da Igreja Comuna, além de três membros da Igreja Redenção BXD e também da Igreja Comuna. Abaixo compartilhamos suas reflexões.
Jizar Marques de Andrade Santos
“O voto deve ser visto como um direito fundamental, mas tem que estar aliado à participação, uma das definições da democracia, que deve ter como aliada a cidadania para todas as pessoas. E a constituição deve fundamentar isso, que todos tenham dignidade e direito às políticas públicas e redução de desigualdades. Direitos não podem ser privilégios ou trabalhar com merecimento. Aí que entra minha compreensão enquanto cristã: a graça não depende do meu ‘merecer’ ou das minhas obras e sim um favor do Senhor que amplia a todos quer judeus quer gentios… Minha igreja esteve replantando mudas [em conjunto de uma ação de reflorestamento do Instituto EAE na Baixada Fluminense, do projeto ‘Eles Queimam Nós Plantamos‘]. Também estamos auxiliando famílias com cestas de alimentos. Temos feito ações e estudos em prol da comunidade LGBTQIAPN+ , promovemos a busca pela dignidade em diversas frentes, [sendo] um espaço aberto a quem normalmente não tem voz nas estruturas tradicionais.”
Débora Marques
“Enquanto cristã, eu entendo que nossa luta precisa ser em favor de ações de justiça, por vida plena e por paz. Penso que a democracia e a afirmação dela é de extrema importância porque sei que é através dela que muitos Direitos são garantidos e mantidos. Além disso, apesar de caminharmos a passos curtos (e ainda há muito o que avançar), saber que misoginia, racismo, LGBTfobia são crimes pautados na lei, através da democracia e de muita luta, dá uma sensação de que esse é o caminho certo a seguir. Enquanto cristã eu sei que Jesus lutou por Direitos, contra as injustiças, esteve ao lado dos que estavam necessitados, alimentou os famintos e não concordava com repressões.”
Leonardo Camargo de Almeida
“Como cristão de tradição evangélica pentecostal, um movimento insurgente por sua própria natureza na quebra da hegemonia tradicional, acredito que um estado democrático é essencial para o bem estar social da sociedade e exercício livre da nossa cidadania. E [vejo] o voto como parte primordial do combate às desigualdades sociais, onde podemos eleger representantes que lutarão por nossas causas. A Constituição é importante para delimitar e conceituar o que o Estado é, e também um documento que da as diretrizes dos nossos direitos e deveres como cidadãos e as responsabilidades do Estado para com seu povo.”
Larissa Velasquez de Souza
“Nossa igreja tem tido uma inserção muito positiva e diferenciada em São Gonçalo em relação ao apoio e promoção de dignidade à população LGBTQIAP+, constituindo tanto como uma comunidade de fé que é aberta a esses irmãos e irmãs, sem nenhuma pretensão de ‘cura’ [já que não é doença] e nem de ‘libertação’ [posto que também não compreendemos mais a questão pela perspectiva ultrapassada e fundamentalista de demonizar a sexualidade e identidade de gênero dessas pessoas], quanto como uma instituição que promove debates e apoia a causa de maneiras diversas, possuindo parceiros como o Centro LGBTI de São Gonçalo e outros coletivos nesse perfil. Nosso município é um dos mais fundamentalistas, com um número gigante de igrejas, e com carência de promoção e exercício da justiça, que é o que nós, como comunidade de fé, acreditamos dever ser a verdadeira vocação da igreja no território onde está localizada. Recentemente recebemos o curso das Mulheres EIG (Evangélicas Pela Igualdade de Gênero) sobre direitos humanos no qual aprendemos um pouco mais sobre a temática. Além de toda essa inserção relatada acima já se enquadrar, também, como ações relativas à promoção dos direitos humanos.”
Karen Ianino
“Votar é um dever cívico que compromete toda estrutura social e, por isso, deve ser exercido com imensa responsabilidade por toda e todo cristão. Então, a democracia é um valor inegociável para aqueles e aquelas que desejam um bem viver na Casa Comum. Defender o Estado Democrático de Direito é papel daquelas e daqueles que seguem o Nazareno. Fazendo isso, estamos seguindo os passos Daquele a quem referenciamos como paradigma de nossa fé e, também, valorizamos a história—onde muitos de nós, cristãos, fomos perseguidos e vilipendiados apenas por sermos quem somos. Por fim, entender a relevância do voto e da democracia é compreender que esses dois elementos são norteados pela liberdade do ser, a reflexão contundente e o olhar voltado à coletividade.”
Cinthia Cunha
“É uma pena que a gente precise defender a democracia num país marcado pela crueldade da ditadura. O ideal seria que a gente estivesse discutindo de que forma a nossa democracia poderia ser fortalecida no seu objetivo principal, que é dar o poder ao povo. Nesse embalar de pontos extremistas onde a democracia atual é questionada e vemos quase se esvaindo por nossos dedos, é tempo de intensificar a defesa pela democracia exercendo nosso direito ao voto. Sim, ainda que obrigatório, essa só será uma questão para quando a gente tiver condição de discutir… A democracia é exercida quando todes tenham acesso às mesmas oportunidades e possibilidades. E isso se faz com equidade, reparação histórica e perda de privilégios. Acredito que o único caminho para democracia e a equidade é que quem tenha mais perca para quem tem menos.”
Segundo os evangélicos entrevistados para esta matéria, o papel do cristão é ser, como foi Cristo, aquele que denuncia as opressões e também o que anuncia a possibilidade de um mundo menos perverso. O exercício da democracia, é, através do voto, isso: poder denunciar as injustiças e anunciar o amanhã e o futuro para todas, todos e todes as pessoas e filhxs de Deus.