Igrejas Progressistas, a Diversidade do Voto Evangélico e a Luta pela Democracia nas Periferias

Igreja Redenção BXD reunida no Colab Space coworking em Nilópolis. Foto: Janaina Tavares
Igreja Redenção BXD reunida no Colab Space coworking em Nilópolis. Foto: Janaina Tavares

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Muitas evangélicas e evangélicos progressistas têm se organizado contra a intolerância religiosa, o racismo e a extrema-direita. Exemplo disto é a Frente de Evangélicos pelo Estado Democrático de Direito, um movimento cristão em defesa dos direitos e promoção da justiça social, que atua desde 2016 no combate à cultura de poder dentro das igrejas e contra a teologia da prosperidade.

Cartaz do evento Lideranças Evangélicas por Liberdade, Democracia e PazRecentemente, no dia 22 de setembro, a Frente organizou o evento “Encontro de Lideranças Evangélicas por Liberdade, Democracia e Paz”, convocando igrejas e líderes, com o intuito de “abordar a presente situação no país em que várias pastoras, pastores e outros cristãos têm sido perseguidos por exercerem seus direitos constitucionais de liberdades política, de expressão e de opinião”. 

A Novas Narrativas Evangélicas, uma “comunidade-plataforma de reconhecimento e afirmação da pluralidade evangélica” se coloca como um espaço para reforçar o coro antifundamentalista e para demonstrar que existem diversas maneiras de ser crente. A plataforma se posicionou sobre a liberdade do exercício democrático e de voto, lançando as artes.

No entanto, de acordo com o pastor da Igreja Redenção Baixada, Vladimir de Oliveira Souza, de 51 anos, conhecido como Vlad, quando buscamos por comunidades de fé progressistas no Grande Rio, organizadas na e a partir da periferia, só encontramos duas: a própria Igreja Redenção Baixada e a Igreja Comuna. Ele comenta que historicamente o campo evangélico é genuinamente conservador, porém, o que vem acontecendo nos últimos anos é uma onda ultraconservadora e de apoio à extrema-direita. Falando da Baixada Fluminense, onde atua, ele disse:

Novas Narrativas Evangélicas 2“O combate à fome, [a luta] pelos direitos humanos, pela diversidade de gênero e justiça climática, sempre partiu de um um grupo menor [dentro do campo evangélico] e agora está dentro de uma geografia de isolamento maior, porque as igrejas conservadoras, da galera que queima pra Jesus e espera a volta de Jesus, aqui na Baixada Fluminense cresceu muito… e o Bolsonaro exerce influência nesses caras. Eles dizem que está vindo um grande avivamento… e o Bolsonarismo encontrou espaço nesses discursos… Não me surpreendo de sermos os únicos [progressistas], eu me entristeço, na verdade.”

Segundo o Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria) em pesquisa divulgada no início de setembro de 2022, 48% das intenções de voto dos evangélicos são para o candidato à reeleição, o Presidente Jair Bolsonaro (PL), enquanto que o ex-Presidente Lula (PT) tem o apoio de 26%. Mesmo assim, o número de evangélicos apoiadores de Bolsonaro tem caído de 2018 para cá.

Nessa matéria apresentamos o caso de duas igrejas progressistas no Rio de Janeiro: a Redenção BXD, que se organiza em Nilópolis, Baixada Fluminense, e a Igreja Comuna, localizada em São Gonçalo, cidade do Leste Fluminense. Ambas possuem pastorais e têm como missão a luta pelos direitos humanos, o antirracismo e a diversidade de gênero, além de seguirem uma teologia latinoamericana, construída a partir das realidades periféricas.

Redenção BXD: Uma Igreja com a Cidade

Simples, orgânica e informal, a Igreja Redenção Baixada (Redenção BXD) começou suas atividades há oito anos. Vladimir de Oliveira Souza, mais conhecido como Vlad, é graduado em Teologia/Pedagogia e possui Pós-graduação em Gestão Escolar e Gestão de Projetos Sociais. Residente em Nilópolis, ele é pastor da Igreja Cristã Redenção Baixada e coordenador pedagógico e articulador social da Casa Semente, ONG que atua em Jardim Gramacho, Duque de Caxias, em favor de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social. 

Pastor Vlad da Igreja Redenção BXD no centro de Nilópolis. Foto: Janaina Tavares

“A Igreja Cristã Redenção Baixada se define como um movimento economicamente pobre e estruturalmente aberto. Um tipo organizativo horizontal sem hierarquias ou mecânicas de gestão organizacional, acreditando na economia solidária do Reino de Deus e não no modelo igreja-negócio consolidado no território brasileiro. Aqui na Baixada Fluminense, lutamos e trabalhamos muito para experimentar coletivamente um novo jeito de ser igreja: mais público, simples, inclusivo e militante. Uma igreja encarnada nos dilemas e nas potências de seus territórios-base. Uma igreja cidadã, que pensa e vive o Evangelho sem descolar os pés do chão da vida. Queremos ser uma comunidade socialmente justa, politicamente protestante, economicamente solidária, ambientalmente saudável e espiritualmente celebrativa.” — Pastor Vladimir de Oliveira Souza

A Redenção BXD é uma igreja com a cidade, ou seja, além de assistir as pessoas, também busca ser uma comunidade culturalmente relevante e ao lado dos movimentos culturais, sociais e ambientais, Vlad detalha:

“Os últimos encontros religiosos ocorreram em um assentamento do Movimento dos Sem Terra (MST) e numa ação de reflorestamento. A luta pelo direito à terra e o cuidado pela casa comum são valores e ações que materializamos para além da nossa experiência com o Sagrado. A inclusão integral e radical de pessoas oriundas da comunidade LGBTQIAP+ é um jeito de sermos acessível para todes. O nosso eixo teológico atravessa questões como a justiça social, erradicação da pobreza e fome, e a luta pela dignidade integral do ser humano. Tudo isto é o resultado de uma relação respeitosa e intencional em favor do estado democrático de direito.”

Alguns membros da Redenção BXD, reunidos no coworking em Nilópolis, Baixada Fluminense. Foto: Janaina Tavares

As reuniões da Redenção BXD ocorrem duas vezes na semana, nas quintas de forma remota com o PG (Pequeno Grupo) de estudos e aos domingos em um espaço de co-working, no Centro de Nilópolis. Os cultos contam com café da manhã coletivo, momentos de oração, música, palavra e em roda, aberto aos comentários de todas as pessoas. Recentemente, a Redenção BXD montou as pastorais da Cidade, Cultura e Comunicação; Justiça Social e Saúde; e da Equidade, Gênero e Diversidade. 

Igreja Comuna: Onde Todos Transitam com Dignidade 

Pastor Júlio César da Igreja Comunidade Batista, conhecida como Igreja Comuna, em São Gonçalo. Acervo pessoalJúlio César Oliveira tem 56 anos e é morador de São Gonçalo. É pastor e fundador da Comunidade Batista em São Gonçalo e presidente do Instituto Casa Comum. Além disso, faz parte de um programa global de lideranças evangélicas que lutam pela justiça, pela defesa de direitos e combate à pobreza: organização inglesa Tear Fund

Segundo Júlio, a igreja Comuna, que já tem 12 anos de existência, nasceu com um caráter de ser um movimento que abarcasse pessoas que estavam cansadas da igreja e também para pessoas que jamais entrariam em igreja. Através de releituras da Bíblia, atualizando versículos bíblicos e aliada com a Teologia Latinoamericana, mais especificamente com a Teologia da Libertação , a Comuna é “uma igreja envolvida com Direitos Humanos, e comprometida com a defesa da vida, portanto uma igreja progressista. [Atua] diretamente no combate ao racismo, à misoginia. Temos um sistema de governança que chamamos de Conselho Comum—onde todas e todos têm voz, e estamos sempre no ‘Caminho de Maturidade’—todo domingo de manhã, [onde debatemos livros e com intuito de pensar a fé, a cidade e o cuidado com as pessoas]”, afirma Pastor Júlio.

Quando perguntado sobre a importância para a democracia, o pastor comenta: “Nunca foi tão importante para nós cristãos a luta pela democracia, para que a gente continue tendo o direito de eleger nesse país e no estado. Sem isso a gente vai voltar para a ditadura e a ser escravo de um monte de gente violenta e que não têm compromisso com a vida e com o cidadão. A nossa democracia está ameaçada, por isso é fundamental a defesa da Constituição… que vai garantir para nós o [direito] ao voto, que é fundamental… importante que a gente faça esse trabalho de conscientização, esse trabalho na base… é fundamental que essa tríade seja defendida: a importância da democracia, que o povo continue sendo soberano e o [direito] ao voto.”

Diálogo inter-religioso do terreiro da Yalorisá Juçara de Iemanjá. Acervo pessoal

A igreja Comuna atua nas seguintes frentes: contra o racismo religioso, no combate à LGBTFOBIA, contra a fome e a pobreza. Pastor Júlio afirma que o intuito é que eles ampliem essa agenda em 2023, abarcando também a luta pela sociobiodiversidade, sobre a fé e a política com as pessoas no Morro do Escadão, em São Gonçalo, onde atua o Instituto Casa Comum, e também na autonomia financeira e emprego para essa comunidade.

Eleições e a Prática Cristã

Para essa matéria, foram entrevistados os pastores citados acima, da Igreja Redenção BXD e da Igreja Comuna, além de três membros da Igreja Redenção BXD e também da Igreja Comuna. Abaixo compartilhamos suas reflexões.

Jizar Marques de Andrade Santos

Jizar Marques de Andrade Santos é estudante de História, artesã e moradora de São João de Meriti. Faz parte da Igreja Redenção BXD. Foto: Janaina TavaresO voto deve ser visto como um direito fundamental, mas tem que estar aliado à participação, uma das definições da democracia, que deve ter como aliada a cidadania para todas as pessoas. E a constituição deve fundamentar isso, que todos tenham dignidade e direito às políticas públicas e redução de desigualdades. Direitos não podem ser privilégios ou trabalhar com merecimento. Aí que entra minha compreensão enquanto cristã: a graça não depende do meu ‘merecer’ ou das minhas obras e sim um favor do Senhor que amplia a todos quer judeus quer gentios… Minha igreja esteve replantando mudas [em conjunto de uma ação de reflorestamento do Instituto EAE na Baixada Fluminense, do projeto ‘Eles Queimam Nós Plantamos]. Também estamos auxiliando famílias com cestas de alimentos. Temos feito ações e estudos em prol da comunidade LGBTQIAPN+ , promovemos a busca pela dignidade em diversas frentes, [sendo] um espaço aberto a quem normalmente não tem voz nas estruturas tradicionais.”

Débora Marques

Debora Marques, de 27 anos, estudante de Biblioteconomia e moradora de São João de Meriti, falando na Lectio Divina (momento meditativo) da Redenção BXD. Foto: Francisco Pinho“Enquanto cristã, eu entendo que nossa luta precisa ser em favor de ações de justiça, por vida plena e por paz. Penso que a democracia e a afirmação dela é de extrema importância porque sei que é através dela que muitos Direitos são garantidos e mantidos. Além disso, apesar de caminharmos a passos curtos (e ainda há muito o que avançar), saber que misoginia, racismo, LGBTfobia são crimes pautados na lei, através da democracia e de muita luta, dá uma sensação de que esse é o caminho certo a seguir. Enquanto cristã eu sei que Jesus lutou por Direitos, contra as injustiças, esteve ao lado dos que estavam necessitados, alimentou os famintos e não concordava com repressões.”

Leonardo Camargo de Almeida

Leonardo Camargo de Almeida, conhecido como Léo Maltrapilho, é educador social e mora no Roseiral, Belford Roxo(Baixada Fluminense). Faz parte da Igreja Redenção BXD, em Nilópolis. Foto: acervo pessoal“Como cristão de tradição evangélica pentecostal, um movimento insurgente por sua própria natureza na quebra da hegemonia tradicional, acredito que um estado democrático é essencial para o bem estar social da sociedade e exercício livre da nossa cidadania. E [vejo] o voto como parte primordial do combate às desigualdades sociais, onde podemos eleger representantes que lutarão por nossas causas. A Constituição é importante para delimitar e conceituar o que o Estado é, e também um documento que da as diretrizes dos nossos direitos e deveres como cidadãos e as responsabilidades do Estado para com seu povo.”

Larissa Velasquez de Souza

Larissa Velasquez de Souza“Nossa igreja tem tido uma inserção muito positiva e diferenciada em São Gonçalo em relação ao apoio e promoção de dignidade à população LGBTQIAP+, constituindo tanto como uma comunidade de fé que é aberta a esses irmãos e irmãs, sem nenhuma pretensão de ‘cura’ [já que não é doença] e nem de ‘libertação’ [posto que também não compreendemos mais a questão pela perspectiva ultrapassada e fundamentalista de demonizar a sexualidade e identidade de gênero dessas pessoas], quanto como uma instituição que promove debates e apoia a causa de maneiras diversas, possuindo parceiros como o Centro LGBTI de São Gonçalo e outros coletivos nesse perfil. Nosso município é um dos mais fundamentalistas, com um número gigante de igrejas, e com carência de promoção e exercício da justiça, que é o que nós, como comunidade de fé, acreditamos dever ser a verdadeira vocação da igreja no território onde está localizada. Recentemente recebemos o curso das Mulheres EIG (Evangélicas Pela Igualdade de Gênero) sobre direitos humanos no qual aprendemos um pouco mais sobre a temática. Além de toda essa inserção relatada acima já se enquadrar, também, como ações relativas à promoção dos direitos humanos.”

Karen Ianino, professora de Português e pastora da Igreja Comunidade Batista, em São Gonçalo. Acervo pessoalKaren Ianino

“Votar é um dever cívico que compromete toda estrutura social e, por isso, deve ser exercido com imensa responsabilidade por toda e todo cristão. Então, a democracia é um valor inegociável para aqueles e aquelas que desejam um bem viver na Casa Comum. Defender o Estado Democrático de Direito é papel daquelas e daqueles que seguem o Nazareno. Fazendo isso, estamos seguindo os passos Daquele a quem referenciamos como paradigma de nossa fé e, também, valorizamos a história—onde muitos de nós, cristãos, fomos perseguidos e vilipendiados apenas por sermos quem somos. Por fim, entender a relevância do voto e da democracia é compreender que esses dois elementos são norteados pela liberdade do ser, a reflexão contundente e o olhar voltado à coletividade.”

Cinthia Cunha

Cinthia Cunha, engenheira de alimentos e membra na Igreja Comunidade Batista em São Gonçalo. Acervo pessoal“É uma pena que a gente precise defender a democracia num país marcado pela crueldade da ditadura. O ideal seria que a gente estivesse discutindo de que forma a nossa democracia poderia ser fortalecida no seu objetivo principal, que é dar o poder ao povo. Nesse embalar de pontos extremistas onde a democracia atual é questionada e vemos quase se esvaindo por nossos dedos, é tempo de intensificar a defesa pela democracia exercendo nosso direito ao voto. Sim, ainda que obrigatório, essa só será uma questão para quando a gente tiver condição de discutir… A democracia é exercida quando todes tenham acesso às mesmas oportunidades e possibilidades. E isso se faz com equidade, reparação histórica e perda de privilégios. Acredito que o único caminho para democracia e a equidade é que quem tenha mais perca para quem tem menos.”

Segundo os evangélicos entrevistados para esta matéria, o papel do cristão é ser, como foi Cristo, aquele que denuncia as opressões e também o que anuncia a possibilidade de um mundo menos perverso. O exercício da democracia, é, através do voto, isso: poder denunciar as injustiças e anunciar o amanhã e o futuro para todas, todos e todes as pessoas e filhxs de Deus.


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