A Degradação do Pantanal Carioca, Parte 4: Concessão Prevê Investimento Bilionário no Tratamento do Esgoto da Região

"Eu não tenho a menor dúvida que essas lagoas vão se transformar em paraísos ecológicos”

Concessão prevê investimento de R$2 bilhões no sistema de tratamento de esgoto. Foto: Fernanda Calé

Click Here for English

Esta é a última matéria de uma série de quatro sobre “A Degradação do Pantanal Carioca”, como já foi conhecida a Baixada de Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio de Janeiro.

Em abril de 2021, o consórcio Iguá, com uma proposta de R$7,29 bilhões, venceu a disputa por 35 anos de gestão do Bloco 2 da CEDAE (Área de Planejamento 4 da capital fluminense, além dos municípios de Miguel Pereira e Paty do Alferes, no Centro-Sul do estado). Em agosto do mesmo ano, a Iguá assinou contrato e, em fevereiro de 2022, iniciou a operação plena dos serviços de água e esgoto.

Durante a cerimônia para comemorar o início da operação plena, o CEO da empresa, Carlos Brandão, disse que, nos próximos três anos, a concessionária receberá um investimento de R$681 milhões, sendo R$250 milhões na dragagem e limpeza do complexo lagunar, R$126 milhões na implantação de Estações Elevatórias de Tempo Seco e R$305 milhões nos sistemas de água e esgoto em áreas irregulares não urbanizadas.

Um dos compromissos que consta do contrato de concessão é o investimento de R$2 bilhões, incluindo R$250 milhões na despoluição do complexo lagunar num prazo de três anos. A concessionária terá que, em doze anos, aumentar de 67% para 90% o percentual de esgoto tratado na Baixada de Jacarepaguá e de 94,5% para 99% o abastecimento de água. Além disso, deverá realizar melhorias em mais de 100 elevatórias de água e esgoto na região e da ETE Barra. 

No dia 3 de julho, um mutirão de limpeza realizado pela concessionária Iguá e pelo movimento SOS Lagoas retirou mais de 420kg de lixo da Lagoa de Jacarepaguá. Com a participação de 15 pescadores da região, 281kg dos resíduos retirados foram destinados a uma cooperativa de reciclagem. A ação permitiu que mais de 60% dos plásticos, que antes poluíam as margens da Ilha de Pombeba, tivessem um destino diferente.

Durante o evento, pescadores também assistiram a uma apresentação sobre a destinação do lixo e as formas de aproveitamento dele. Segundo a Iguá, mais de 120 toneladas de resíduos sólidos já foram retiradas das margens da Lagoa do Camorim nos primeiros quatro meses de operação da concessionária.

Iguá se comprometeu a realizar ações de curto, médio e longo prazo. Foto: Iguá
Iguá se comprometeu a realizar ações de curto, médio e longo prazo. Foto: Iguá

Em nota sobre os 100 dias de operação plena, a Iguá informou que já foram recolhidas mais de 45 toneladas de lixo e explica como fará a instalação de Coletores de Tempo Seco e ampliação da rede em áreas irregulares:

“Em até cinco anos, posteriormente ao licenciamento ambiental, a previsão é que 50 pontos de captação e cerca de 40km de coletores de tempo seco estejam instalados para operar na interceptação de 676 litros por segundo de esgoto in natura, atualmente lançados em cinco sub-bacias e uma microbacia da região, até a ETE Barra. Dentre os afluentes que compõem essas sub e microbacias estão importantes rios, como o Arroio Fundo, Muzema, Anil, Guerenguê, das Pedras, Rio Grande e Canal das Taxas (Lagoinha). Além dos coletores, a concessionária implantará 28 elevatórias responsáveis pelo escoamento até a ETE Barra. Este projeto, estimado em R$126 milhões, beneficiará diretamente 200.000 moradores do entorno desses corpos hídricos, distribuídos em 69 comunidades, e ajudará a proteger 30 rios da região e seus afluentes.

Sobre o procedimento adotado pela Iguá visando a despoluição do complexo lagunar, Adacto Ottoni, Doutor em Saúde Pública e professor do Departamento de Engenharia Sanitária e do Meio Ambiente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (DESMA/FEN/UERJ), explicou que é preciso fazer inicialmente uma dragagem controlada: 

Essa dragagem controlada deve ser realizada para tirar especificamente lodo e lixo, lodo de esgoto e sedimentos físicos. É o que a Iguá vai fazer com esses R$250 milhões. Não se deve dragar o rio enquanto isso não for feito, porque se não esse esgoto vai contaminar as praias da Barra e Macumba, pois essas lagoas estão cheias de esgoto e lixo. Resolvendo o problema de esgotamento sanitário, digamos daqui a cinco anos, já vamos começar a ter efeitos positivos de melhoria da qualidade de água. E aí sim que deverá ocorrer uma dragagem maior, conectando não só pelo Canal da Joatinga, mas também conectando a circulação rica pelo Canal de Sernambetiba através do Canal das Taxas, pegando a Lagoa de Marapendi, do cortado do Portela, que vai pegar a Lagoa de Jacarepaguá. Com isso teremos um sistema no qual a água do mar entra pelo Canal da Joatinga, circula em todo o sistema lagunar, e sai pelo Canal de Sernambetiba sem risco de contaminar a praia. Eu não tenho a menor dúvida que essas lagoas vão se transformar em paraísos ecológicos.

Como Podemos Recuperar o Complexo Lagunar de Jacarepaguá?

Se recuperada, a região pode virar um paraíso ecológico. Foto: Fernanda Calé

Além do professor Adacto Ottoni, a reportagem ouviu outros dois especialistas técnicos sobre como pode ser feita a recuperação do Complexo Lagunar de Jacarepaguá. Para Sérgio Ricardo de Lima, do Movimento Baía Viva, a despoluição não só do Complexo Lagunar de Jacarepaguá, mas de outros corpos hídricos da cidade, ocorrerá quando a prefeitura do Rio de Janeiro aplicar o Plano Municipal de Saneamento Básico:

“Desde a década de 1990, a legislação prevê que a água pluvial não pode estar misturada com a rede de esgoto. Então, quando discutimos o conceito de saneamento ambiental, estamos também discutindo tratamento de esgoto, recolhimento de lixo e drenagem urbana. É uma obrigação de todo município brasileiro elaborar.”

Para Adacto Ottoni, o processo de recuperação é em três etapas. A primeira consiste em resolver o problema de esgoto com coleta de tempo seco nas favelas e implementar programas de educação ambiental vinculados à coleta seletiva e reciclagem com geração de renda. Na segunda etapa, será necessário realizar dragagem para entrar o oxigênio dissolvido que vem do mar sem salinizar as lagoas. E, na terceira etapa, deve-se implementar uma estação de tratamento de esgoto na Barra da Tijuca que reaproveite o lodo recolhido das lagoas: 

“O lodo retido será colocado no biodigestor, gerando uma decomposição anaeróbia. Com isso, teremos o metano, que é um gás combustível. Hoje em dia, com essa crise energética, vamos conseguir gerar gás para cozinhar e para se locomover, por exemplo. Também podemos utilizar o processo de biodegradação do esgoto para fazer composto orgânico e utilizar no reflorestamento como a Cedae faz um canteiro de mudas dela… agora isso tudo tem que ter quem presente? O órgão ambiental. 

Adacto contou que já levou a sugestão de construir biodigestores dentro da própria estação para o Ministério Público, para a Iguá e para outros órgãos. Segundo o engenheiro, o atual processo gasta muito dinheiro e não cria soluções sustentáveis, já que é necessário tirar o lodo do esgoto e transportá-lo até um aterro sanitário. Adacto também comentou que esse processo sustentável pode virar atração turística e ressaltou que está faltando criar soluções sustentáveis: 

“A concessionária às vezes quer gastar o mínimo possível, mas isso também vai gerar um benefício. Então, eu vejo que estão faltando essas soluções sustentáveis. Inclusive, isso aí vai aportar dinheiro, os turistas adoram esse tipo de solução. A estação de tratamento de esgoto da Barra viraria até um ponto de atração turística, já que turista gosta de ver esse tipo procedimento.”

Mesmo com a degradação, especialistas acreditam na recuperação do complexo lagunar. Foto: Felipe Migliani

Mesmo com muito lixo, lodo e esgoto, ainda há vida nos rios e nas quatro lagoas que formam o Complexo Lagunar de Jacarepaguá. Ao navegar nas águas do “Pantanal Carioca”, que um dia já foram limpas, como há quase 100 anos, relatou Magalhães Corrêa, ainda é possível avistar capivaras, jacarés, garças, diversas espécies de pássaros e peixes. A poluição das lagoas e os impactos ambientais demonstram como o racismo ambiental coloca em risco o sustento de pescadores que atuam há séculos na região e, em Rio das Pedras, favela formada por maioria nordestina, espremida entre rios e lagoas, a população assiste suas casas serem constantemente invadidas por esgoto e poluição. E a tendência é que, em um cenário sem justiça climática, esse estado de coisas piore.

Esta é a última matéria de uma série de quatro sobre “A Degradação do Pantanal Carioca”, como já foi conhecida a Baixada de Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. 

Sobre os autores:

Felipe Migliani é formado em Jornalismo pela Unicarioca e tem especialização em Jornalismo Investigativo. Atua como jornalista independente e repórter freelancer nos jornais Meia Hora e Estadão. É coloborador do Coletivo Engenhos de Histórias, que investiga e resgata histórias e memórias da região do Grande Méier, e do PerifaConnection.

Fernanda Calé é formada em Jornalismo pela UniCarioca e se especializou em Comunicação Popular como uma maneira de falar com diversos públicos de maneira clara e simples. Há dois anos ajudou a fundar a Agência Lume, uma agência de comunicação que produz jornalismo independente na região de Jacarepaguá, principalmente em Rio das Pedras, lugar onde nasceu.


Apoie nossos esforços para fornecer apoio estratégico às favelas do Rio, incluindo o jornalismo hiperlocal, crítico, inovador e incansável do RioOnWatchdoe aqui.