Briga Tem Hora Para Acabar, Luta É Para a Vida Inteira: Uma Análise do Segundo Turno [OPINIÃO]

Congresso Nacional. Agência Senado Federal
Congresso Nacional. Agência Senado Federal

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O poeta Sérgio Vaz, escritor, poeta e criador da Cooperativa Cultural da Periferia (Cooperifa) e do Sarau da Cooperifa—movimento que transformou um bar da periferia da Zona Sul de São Paulo em um centro culturaladverte no poema Novos Dias: “Não confunda briga com luta, briga tem hora para acabar, uma luta é para a vida inteira”.

Mapa de votação dos candidatos a presidente por município. O Globo
Mapa de votação dos candidatos a presidente por município. O Globo

A recomendação do poeta serve como metáfora para analisarmos o resultado das eleições de 2022 no Brasil. Pela sexta vez seguida, a disputa presidencial vai ser decidida no segundo turno. Segundo o TSE, com 48,43% dos votos, o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) saiu na frente, e Jair Bolsonaro (PL), que tenta a reeleição, teve 43,20%. Com isso, o sonho da esquerda de ganhar uma eleição no primeiro turno, como mostravam as pesquisas de intenções de voto, não se concretizou. Mas, o fato é que, no primeiro turno, Lula venceu Bolsonaro.

Por um lado, o resultado do primeiro turno pode ser considerado uma conquista que não deve ser menosprezada. No entanto, a vitória de Lula em 14 estados e a de Bolsonaro, em doze, e no Distrito Federal, revela a consolidação da polarização de duas forças antagônicas: a esquerda e extrema-direita.

Também houve um acirramento da disputa eleitoral devido ao alto grau de insatisfação da população com o governo de Jair Bolsonaro. O índice de rejeição do presidente é de 53% no segundo turno, segundo pesquisa do IPEC (BR-01120/2022). Somada a essa rejeição proibitiva, há a anulação das condenações de Lula na operação Lava Jato. O Ministro do STF Edson Fachin entendeu que os casos deveriam tramitar em Brasília e não em Curitiba. Com essa falta de competência da Vara de Curitiba e com o reconhecimento da parcialidade do ex-Juiz Sérgio Moro na condenação de Lula, o STF decidiu por sete votos a quatro anular todos os processos contra Lula.

Como apontou o ministro Ricardo Lewandowski em seu voto do HC 164493/PR: “o paciente [Lula] foi submetido, não a um julgamento justo, segundo os cânones do devido processo legal, mas a um verdadeiro simulacro de ação penal, cuja nulidade salta aos olhos, sem a necessidade de maiores elucubrações jurídicas”.

Tendo se tornado ministro da justiça de Bolsonaro logo depois de condenar Lula ilegalmente à prisão, o ex-juiz Sérgio Moro, em 2022, foi eleito para o Senado Federal, pelo Paraná, com 1.953.159 votos (33,5% dos votos válidos). Ele declarou apoio a Bolsonaro no segundo turno, 48 horas após a votação do primeiro turno.

Bolsonaro é o primeiro presidente da história do Brasil a amargar uma derrota no primeiro turno ao tentar a reeleição. Lula abriu uma diferença de votos de exatamente 6.187.159 com relação a Bolsonaro. No entanto, o Brasil também nunca teve um presidente que disputou a reeleição e não venceu. Portanto, a corrida eleitoral para a Presidência da República no segundo turno promete ser acirrada, levando ao ápice a luta política entre esquerda e extrema-direita.

Mas, O Que Isso Significa?

Na prática, trata-se do fenômeno do lulismo, do antipetismo, do bolsonarismo e do antibolsonarismo, disputando projetos de país completamente antagônicos entre si. Essa é a análise da Mayra Goulart, professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenadora do Laboratório de Partidos Eleições e Política Comparada (LAPPCOM).

Ela ressalta que o segundo turno da disputa eleitoral tende a favorecer candidatos de extrema-direita.

“O populismo da extrema-direita é favorecido porque ele tem uma dinâmica maniqueísta. Ele parte de um entendimento de mundo muito simplificador da oposição: amigo e inimigo, bem ou mal. E o segundo turno favorece essa polaridade, porque é a simplificação do campo político em duas opções.

Outro ponto que favorece um candidato de extrema-direita em um segundo turno é que ele tem já um trânsito na demonização do adversário, usando argumentos de fake news e bolhas de dissonância cognitiva, que são aquelas bolhas de informações no WhatsApp [e Telegram], favorecendo o candidato de extrema-direita nessa reta final… Há um bombardeamento de fake news.

Mapas de votação por município de 2018 e 2022. O Globo
Mapas de votação por município de 2018 e 2022. O Globo
Mayra Goulart, professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenadora do Laboratório de Partidos Eleições e Política Comparada (LAPPCOM).
Mayra Goulart, professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenadora do Laboratório de Partidos Eleições e Política Comparada (LAPPCOM).

No entanto, desde que foi implantada a reeleição no país, o candidato que chegou em segundo lugar na votação de primeiro turno nunca conseguiu reverter a situação na disputa pelo Planalto. Porém, ressaltou Goulart: “A gente tem um candidato contundente que usou a máquina pública como nunca se viu antes na história recente do Brasil. Foram 40 milhões injetados na sociedade em políticas públicas descontinuadas, só eleitoreiras e com data para acabar”. 

Para a cientista política, também é preciso ser levado em conta que no embate entre o antipetismo e o bolsonarismo, tivemos um Lula que sofreu um processo de difamação fortee que ainda se mantém em curso em diversos espaços. Por isso, Goulart acredita que, ter um candidato como Lula bem votado no primeiro turno, é uma conquista importante. 

“Ainda mais um Lula que não foi para a direita, que se apresentou como um candidato da inclusão e mobilidade social, com uma pauta econômica à esquerda, que não fez uma nova carta aos brasileiros, mantendo-se os compromissos anteriores. Quem votou no Lula votou num candidato de esquerda.”

Lula e Bolsonaro e a popularidade das toalhas de candidatos nas eleições 2022
Lula e Bolsonaro e a popularidade das toalhas de candidatos nas eleições 2022

De acordo com a professora, se nas eleições passadas tínhamos o antipetismo estruturando o sistema político brasileiro, agora, em 2022, temos dois fenômenos colidindo: o antipetismo e o antibolsonarismo. Juntos, estão reorganizando todo o sistema político no Brasil. 

A prova deste movimento se torna visível quando se observa em detalhes o resultado do primeiro turno. Apesar de Lula ter conquistado 57.259.504 votos válidos, o Brasil amanheceu mais bolsonarista do que nunca, em 3 de outubro. O Partido Liberal do Presidente Jair Bolsonaro cresceu e em 2023 será a maior bancada da Câmara dos Deputados. Saiu de 76 deputados atuais para 99. O Brasil que foi às urnas elegeu um Congresso mais bolsonarista que nas eleições de 2018.

Um exemplo é o ex-Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles (PL-SP), que se demitiu do governo Bolsonaro depois de fortes indícios de favorecimento a madeireiros ilegais. Ele foi o quarto deputado mais votado de São Paulo, com 640.000 votos.

Ex-Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles e o Ex-Ministro da Saúde General Pazuello.
Ex-Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles e o Ex-Ministro da Saúde General Pazuello.

Outro beneficiário dessa onda bolsonarista no Congresso é o general da reserva Eduardo Pazuello (PL-RJ). Um dos ministros da saúde do governo Bolsonaro, ele promoveu uma gestão caótica da pandemia. Foi um dos principais responsáveis pela falta de oxigênio no Amazonas, que vitimou milhares de pessoas, como comprovou a CPI da Covid. Mesmo com todo esse histórico, Pazuello foi o segundo deputado federal mais votado do Rio, com 205.324 votos. 

Portanto, caso Jair Bolsonaro seja eleito no segundo turno, ele terá o poder de mexer na Constituição e alterar a estrutura do Supremo Tribunal Federal (STF), aprovando o impeachment de ministros no Senado. Seu partido, o PL, tem 14 das 41 cadeiras.

Dentre os senadores eleitos estão quatro ex-ministros: Damares Alves (Republicanos-DF), Marcos Pontes (PL-SP), Tereza Cristina (PP-MS) e Rogério Marinho (PL-RN), além do atual Vice-Presidente Hamilton Mourão (Republicanos-RS).

É indiscutível que há um caminho aberto para a possibilidade da instauração de um regime autoritário no país. A extrema-direita ganhou poder e disputa agora os valores da sociedade brasileira. Isso significa que há um caminho aberto para a instauração de um regime autoritário, que coloca em xeque a democracia do país. Segundo Mayra:

“A gente tem uma população que não é toda bolsonarista. Esses 43% não são todos bolsonaristas. Muitos votaram no Bolsonaro devido ao antipetismo. Mas, a gente tem sim nesta estatística aquele bolsonarista radical, um segmento da população mais reacionário que deseja o retorno de uma sociedade patriarcal [regime militar] como a passada, com autoridades patriarcais incontestáveis (…) É perigoso sim para a democracia porque [nesses eleitores] não há um apreço pelos valores democráticos.”

Contexto Político

Pesquisa divulgada pela Datafolha mostra que o apoio à democracia atinge atualmente seu recorde. Isso num país onde, no ano passado, 45% acreditava que seu país poderia se tornar uma ditadura. 

Nestas eleições, através da Resolução n.º 23.678/2021 , o TSE regulamentou Missões de Observação Eleitoral (MOE). Organizações e movimentos sociais do Brasil também convidaram especialistas em direitos humanos para observar as eleições no Brasil. Isso porque há um medo da sociedade civil brasileira de ocorrer uma ruptura institucional no país. 

O receio de um golpe se deve em parte ao aumento da violência política no país e aos discursos do Presidente Jair Bolsonaro. Além de diversos pronunciamentos atacando ministros do Supremo Tribunal Federal, Bolsonaro deslegitima o sistema eleitoral brasileiro e levanta dúvidas infundadas sobre as urnas eletrônicas, que são comprovadamente seguras.

Nove ministros do Supremo acompanharam a apuração dos votos do primeiro turno dentro do TSE. Ainda que um golpe seja improvável, a democracia no Brasil foi classificada como “falha” pelo Global Democracy Index, que toma como base algumas variáveis ​​consideradas essenciais para um bom desenvolvimento democrático.

A democracia no Brasil foi classificada como “falha” pelo Global Democracy Index, que toma como base algumas variáveis ​​consideradas essenciais para um bom desenvolvimento democrático.
A democracia no Brasil foi classificada como “falha” pelo Global Democracy Index, que toma como base algumas variáveis ​​consideradas essenciais para um bom desenvolvimento democrático.

De acordo com The Economist, o Brasil é visto atualmente no cenário mundial como uma “democracia falha”, uma nação com “limitada capacidade de oferecer soluções às demandas dos cidadãos dentro das instituições políticas tradicionais e as possibilidades de exercício dos direitos políticos em um quadro de paz, liberdade e concorrência leal”.

Daí, a importância nesse momento político do país de “não confundir briga com luta”, como advertiu Sérgio Vaz em sua poesia. É somente com muita luta e defesa da democracia que Novos Dias serão possíveis.

Sobre a autora: Tatiana Lima é jornalista e comunicadora popular de coração. Feminista negra, integrante do Grupo de Pesquisa Pesquisadores Em Movimento do Complexo do Alemão, atua como repórter no RioOnWatch. Cria de favela, negra de pele clara, mora no asfalto periférico do subúrbio do Rio e é doutoranda em comunicação pela UFF


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