Click Here for English
É indiscutível o quanto a pandemia impactou o mundo inteiro. No que diz respeito a hábitos e rotinas, as mudanças foram enormes, mas há também a consequência do aumento do desemprego. Segundo o IBGE, no primeiro trimestre de 2021 o número de desempregados no Brasil ultrapassou os 15,2 milhões, taxa de 14,9%. Mesmo que o país esteja recuperando postos de trabalho, muitos são empregos informais e sem carteira assinada. Esse momento marca também o retorno do Brasil ao Mapa da Fome da ONU. Um país entra para esse grupo de países quando mais de 2,5% da população enfrenta a falta crônica de alimentos.
Aproximadamente 33,1 milhões de brasileiros atualmente vivem a insegurança alimentar grave. Alguns territórios sentem mais a fundo a desigualdade com a falta de políticas públicas. A fim de amenizar esses impactos no território da Maré, Zona Norte do Rio de Janeiro, surgiu a Frente de Mobilização da Maré, mais conhecida como Frente Maré. Criada em 2020, no início da pandemia, com foco na comunicação comunitária, viu-se obrigada a ampliar suas ações para ajudar emergencialmente as famílias da Maré com a distribuição de alimentos, materiais de higiene, botijão de gás e outros, para pessoas em maior situação de vulnerabilidade.
Em 2021, houve uma significativa diminuição de doações de cestas básicas e materiais de higiene. Devido também à flexibilização da pandemia, a Frente Maré optou por trabalhar de uma forma um pouco diferente. Surgiu assim a Cozinha da Frente, para distribuir marmitas para moradores da Maré.
A cada ação, são servidas em média entre 150 a 200 quentinhas para moradores da Maré. Vanusa Borba, coordenadora da Cozinha da Frente, explicou de onde vêm os insumos para a produção das refeições distribuídas pelo coletivo: “O material para produção das refeições são doações de outros coletivos ou de vaquinhas que fomos fazendo com doações de pessoas físicas e jurídicas”.
Sobre os pratos que são servidos em dias de distribuição, Vanusa diz que o cardápio depende das doações que chegam ao coletivo: “Cada prato é definido de acordo com o que temos de doação. Se temos um macarrão com salsicha, esse vai ser o prato. Se temos arroz e feijão, podemos fazer um frango ensopado com legumes, uma farofa. Tudo depende muito do que recebemos de doação”.
Quando questionada sobre a importância do trabalho realizado pela Cozinha da Frente, Vanusa cita que deveria ser uma política pública do Estado: “A gente tem noção que o nosso trabalho não acaba com a fome, que a ação que realizamos deveria estar sendo feita pelo Estado. No entanto, se não for o nós por nós, se a gente não corre atrás de doação, de mapear as famílias que mais precisam e ajudar de alguma forma, as pessoas vão passar necessidade. Foi assim durante todo o período mais crítico da pandemia”.
Alinhada à fala de Vanusa, Débora Silva, moradora da Maré e atendida pela Cozinha da Frente, falou sobre a importância do trabalho do coletivo mareense. “Algumas pessoas não têm nem arroz nem feijão para comer. Algumas pessoas não têm nem botijão de gás. Com a distribuição da quentinha fica mais fácil para eles comerem… Através das cestas básicas eu comecei a ajudar na Cozinha. Gostei muito, é muito gratificante ajudar as pessoas próximas”.
Segundo relatos de voluntários e atendidos pela Cozinha da Frente, o Estado não faz nenhum tipo de ação de distribuição de alimentos no território da Maré ou em outras favelas do Rio. Para Vanusa, isso não acontece porque o atual governo federal entende que distribuir o auxílio emergencial já é o suficiente. Ela disse: “Acredito que o governo acha mais que o suficiente o auxílio emergencial que algumas famílias estão ganhando. No entanto, considerando a composição familiar dos moradores da Maré, esse valor é insuficiente para cobrir um mês de consumo de uma pessoa, quem dirá de uma família”.
Nas ruas da cidade do Rio, vemos o aumento de pessoas em situação de rua. Às vezes, famílias inteiras dividem uma marquise pois não têm onde morar. Vemos cada vez mais pessoas catando comidas no lixo, crianças pedindo dinheiro em transporte público e mães que aceitam qualquer tipo de serviço para conseguirem levar o sustento para dentro de suas casas, reflexos da desigualdade profunda da nossa sociedade. O Estado deveria ter um olhar cuidadoso para as pessoas que estão em situação de insegurança alimentar—dentre outros problemas sociais.
Juliana Pinho é moradora da Nova Holanda, no Conjunto de Favelas da Maré, graduanda em Ciências Sociais (UFRJ) e Jornalismo (UCAM). Comunicadora popular e mobilizadora territorial, Juliana é co-fundadora da Frente de Mobilização da Maré, integrante da Agência Palafitas, e responsável pela gestão e planejamento do projeto Pra Elas. Atualmente, atua também na área de gestão de portfólio da Luta pela Paz.