O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos lançou em setembro o relatório Cooperação com as Nações Unidas, Seus Representantes e Mecanismos no Campo dos Direitos Humanos. Nele, o Brasil é apontado entre 42 países, dentre os 193 estados membros da ONU, denunciados como Estados que intimidam e perseguem cidadãos que tentam cooperar com o sistema ONU.
Ao longo do relatório foram documentados, durante suas tentativas de cooperar com a ONU, casos de agentes públicos realizando assédios, ameaças, abusos de autoridade, prisões ilegais e arbitrárias, aplicações desproporcionais da força, restrição de movimentos e liberdade de expressão, de jornalistas, lideranças comunitárias, indígenas, negras, defensores de direitos humanos e ativistas climáticos. Nos 42 países citados, é sistemática a discriminação com base em idade, orientação de gênero e sexual, origem territorial, grupo étnico, classe social, religião ou ideologia político-partidária.
“Os riscos que afetam as mulheres vítimas, assim como as defensoras de direitos humanos e mulheres que trabalham com peacebuilding, que compartilham testemunhos e cooperam com a ONU, continuam assustadores. Nós continuaremos a trabalhar para assegurar que todos possam interagir de forma segura com a ONU [um direito de todos os cidadãos dos 193 países membros]”, declarou Ilze Brands Kehris ao apresentar os resultados do relatório ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, Suíça, segundo Inter Press Service News Agency.
Na parte em que o relatório trata especificamente do Brasil, denuncia-se o caso de Alessandra Korap Munduruku, ativista climática, defensora de direitos humanos e coordenadora da Associação Indígena Pariri na região do Tapajós, cidade de Itaituba. Uma jovem líder indígena do povo Munduruku, do estado do Pará, Alessandra foi atacada na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças do Clima (COP26), em Glasgow, Reino Unido, e em seguida depois de participar do evento, ao voltar para sua comunidade, sofrendo ameaças à sua família e ataques à sua casa. Alessandra e seus parentes tiveram que se mudar de cidade e foram incluídos no Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos do Estado do Pará.
No entanto, é importante entender o significado de estar neste relatório, para além do caso individual de Alessandra Munduruku. Neste relatório, junto com o Brasil, estão países que ativamente atentam contra as liberdades e direitos de suas populações e que enfrentam uma acelerada deterioração de suas instituições democráticas, caso tenham, com governos autoritários, como Venezuela, Myanmar, Bielorússia, Rússia e Arábia Saudita. Estamos no mesmo grupo de países como Síria e Iêmen, com governos ditatoriais que, há anos, estão em guerra civil. Resguardamos similaridades com países da lista que enfrentam situações extremas, como Israel e Palestina ou como Sudão e Sudão do Sul, onde há ocupação territorial de caráter colonial, com intenso uso do aparato policial e militar contra pessoas de minorias étnicas e religiosas ou lidas como dissidentes do regime, inclusive jornalistas e ativistas, com limpeza étnica, remoções forçadas e a escalada de conflitos armados com a participação grupos radicais e paramilitares.
É triste observar que essas são tendências também em aceleração no Brasil. Intensificada nos últimos anos, essa sequência de ataques oficiais contra minorias, ativistas, profissionais da mídia e contra o próprio Estado de Direito tem que ser combatida, sobretudo nas vielas, becos e ruas e nas urnas. Agravando o problema, jornalistas de favela e comunicadores comunitários estão com medo de reportar, o que a ONU também considera bastante problemático levando em conta que a liberdade de expressão deveria ser assegurada a todos.