Na manhã de 17 de maio, cerca de 100 estudantes, pesquisadores e estudiosos se reuniram no Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da UERJ, em Botafogo, para discutir as UPPs, a juventude e a sociabilidade nas favelas do Rio de Janeiro. O seminário PRONEX-Juventude foi um produto do Núcleo de Excelência para o Estudo da Juventude da UERJ, que estuda a multi dimensionalidade da juventude e a desigualdade social, particularmente em relação ao Estado e a cidadania inclusiva. Para este seminário, o coordenador Adalberto Cardoso reuniu 12 palestrantes brasileiros e internacionais associados a várias universidades públicas em todo o Rio de Janeiro, incluindo a UERJ, UFF, UFRJ, e ENSP-FIOCRUZ.
O professor do IESP-UERJ, Luiz Antonio Machado da Silva, e a professora e pesquisadora do PPCIS-UERJ, Márcia Leite, deram início à conversa sobre as perspectivas dos jovens de favelas sobre a pacificação e sua influência na vida na favela. Eles apresentaram os vários projetos que o PRONEX iniciou, como a distribuição de laptops para jovens com o intuito de compilar histórias informais das interações diárias entre UPP e jovens fora de um ambiente formal de entrevista.
Márcia explicou que um dos principais pontos que os pesquisadores do PRONEX se depararam nas entrevistas com os jovens foi que, enquanto a redução do número de homicídios pode ser atribuída à pacificação e deve ser comemorada, a crítica dos métodos da UPP e a invasão dos direitos e sociabilidade deve continuar a ser questionada. Moradores de favela identificaram a verificação arbitrária e indiscriminada de seus documentos de identidade como um exemplo de abuso de poder da UPP, e muitos passaram a aceitar isso como uma ocorrência regular. Mas Márcia questionou: “Porque o morador da favela tem que sair de casa com identidade para botar o lixo fora enquanto os do bairro não?” Ela contou que um morador da favela entende o chefe da UPP como o novo “dono do morro porque define a hora de chegar em casa e isso repete o abuso dos traficantes.” Ela fechou com a pergunta: “Isso vai durar? E quanto tempo vai durar?”
Para compartilhar um exemplo atual de pesquisa realizada neste campo, a estudante de mestrado da ENSP-FIOCRUZ, Juliana Corrêa, apresentou a sua pesquisa sobre a perspectiva dos jovens na “implantação” da UPP no Complexo do Alemão. Ela entrevistou 13 jovens da comunidade, com idades entre 18 e 24, que ou eram estudantes associados a uma ONG local ou previamente associados ao tráfico. A maioria dos moradores que Juliana entrevistou citou a redução de tiroteios e a redução da presença ostensiva de armas como os únicos efeitos positivos da presença da UPP. Um rapaz de 18 anos foi citado dizendo: “A única coisa positiva que aconteceu foi isso, o restante está tudo pior”. De acordo com os jovens entrevistados, o “resto” consiste em buscas arbitrárias, indiscriminadas e ocasionalmente hostis e verificações de identidade, bem como interferência no lazer e na vida social. Carlos de 18 anos de idade foi citado dizendo: “A gente passa a boa parte do tempo aqui no beco. Os policias botam arma na sua cara. Aí, vai a entrevista sempre que querem nos tirar do beco”. Mas como o beco é muitas vezes o único espaço público perto de casa, isto é, essencialmente, prisão domiciliar.
Juliana citou um jovem que explicou: “Acho que a dona da minha vida é a liberdade. Mesmo com o tráfico a gente tinha uma certa liberdade. A gente tem medo do tráfico como tem o mesmo medo da polícia. Mas com o tráfico não tinha ninguém me parando e falando, ‘deixa-me ver sua bolsa’. Eu acho que perdi minha liberdade com a pacificaҫão”.
Um adolescente que estava previamente associado ao tráfico, no entanto, foi citado como tendo uma perspectiva muito mais positiva sobre a ocupação da UPP. Ele compartilhou: “Agora o Complexo é um lugar que está dando oportunidades para as pessoas de crescer, de viver, de trabalhar, a gente não tinha muito isso não. No meu ponto de vista não tinha isso não. Porque o que estava na moda era o tráfico então todo mundo vestiu dessa camisa. Agora que mudou, tudo é para melhorar, todo mundo chegando às questões boas. Tá mudando”.
Juliana citou outro rapaz que corrigiu, “O que está na moda? Trabalho, curso, aprendizagem, tudo isso está acontecendo, mudanças e as pessoas tentando melhorar. Começaram agora, depois das implementações. Não pela UPP, mas pelo trabalho social que está chegando devagarzinho. Devagarzinho. Não é como, ‘Ah, Complexo do Alemão: chegou UPP, tem trabalho social’. Não tem não; eu acho pouquinhos. É pouca coisa, mas já está ajudando bastante gente”. Uma jovem compartilhou com Juliana sua crítica das perspectivas externas impostas aos jovens das favelas. “Para quem está de fora, é muito fácil falar, ‘ah, preferem o tráfico’. Não prefiro tráfico, mas não quero trocar um pelo outro. Eu quero ter sossego, mas não ter polícia batendo na minha porta arrombando”.
No seminário da tarde, o foco mudou dos jovens da favela e UPP para mobilidade e desigualdade social. Márcia Pinheiro, professora da Universidade Estadual do Norte Fluminense, apresentou o seu projeto que ajudou a juventude na região serrana criar associações artísticas e acadêmicas para abastecer sua vontade e sucesso. Lícia Valladares, professora da Universidade de Lille, levantou a seguinte questão: “Será que os estudantes universitários das favelas serão os novos atores sociais na esfera popular do Rio de Janeiro?” Através de suas entrevistas com os alunos ela concluiu que há grande mobilidade social entre os estudantes universitários da favela. Enquanto os pais dos alunos entrevistados eram pintores, caminhoneiros, trabalhadores domésticos, porteiros, prostitutas e manicures, entre outras coisas, seus filhos são estudantes universitários de sucesso.
Outros temas abordados no seminário da tarde incluiram o conceito da inquietante da juventude “NEM-NEM”, que nem trabalha nem estuda, bem como o efeito do novo sistema de ação afirmativa garantindo vagas nas universidades para as populações minoritárias. Para encerrar o último painel, os professores Doriam Borges e Lia de Mattos Rocha da UERJ apresentaram uma análise exploratória do impacto da UPP. Através de seu estudo, Borges e Rocha analisaram micro-dados sobre o crime no Rio e concluíram que, desde a pacificação, as 13 favelas incluídas no estudo tiveram uma queda significativa no número de assaltos relatados, tiroteios e homicídios. Eles também coletaram dados qualitativos das entrevistas com moradores e constataram que, apesar da diminuição de crimes violentos relatados, os moradores relataram sentir mais medo em relação a sua segurança pessoal. Moradores de várias favelas incluídas no estudo relataram que não estavam dispostos a recorrer a polícia para obter ajuda após uma incidência de violência, porque eles estavam com medo de serem vistos conversando com a polícia, e eles não acham que a polícia oferece qualquer sensação de segurança.