5º Grande Encontro da Rede Favela Sustentável: Reencontros, Conexões, Definições e Ancestralidade no Morro do Salgueiro [VÍDEO]

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Em 27 de novembro de 2022, durante todo o domingo, na quadra do Bloco Carnavalesco Raízes da Tijuca, no Morro do Salgueiro, na Zona Norte do Rio de Janeiro, a Rede Favela Sustentável (RFS)* teve o seu primeiro Grande Encontro anual presencial desde 2019. Devido às medidas preventivas contra o coronavírus, como o isolamento social, nos anos mais críticos da pandemia, em 2020 e 2021, a RFS e todas as suas atividades permaneceram online, inclusive seu tradicional Grande Encontro Anual, para resguardar a saúde de seus integrantes.

O 5º Grande Encontro da RFS contou com a presença de 153 participantes e proporcionou uma rica troca de conhecimento e fortalecimento das qualidades sustentáveis das favelas e quilombos do Rio de Janeiro, principalmente por seus mobilizadores comunitários que compartilharam experiências sobre seus projetos e sua relação com o tema do ano: justiça climática. Também foi crucial a participação da própria comunidade do Salgueiro, que abriu sua casa para acolher a Rede com imenso afeto, aliados técnicos da RFS, e a equipe da Comunidades Catalisadoras (ComCat)*.

O Dia Começa Com Uma Caminhada Pelo Salgueiro

O dia começou com uma caminhada pelo Morro do Salgueiro, repetida no início da tarde, guiada pela cria da comunidade Denise Francisca de Oliveira, do Projeto Atitude Social. O passeio contou com paradas em mirantes e lugares históricos do território, como a extinta laje das lavadeiras, a igreja local, a horta comunitária e a Biblioteca Comunitária Jurema Gomes Batista, nome dado em homenagem a uma professora que lutou pela educação das crianças e jovens do Salgueiro. Também foi feita, na caminhada matinal, uma análise das possibilidades por plantio e teto verde no morro, em parceria com Luis Cassiano, do Teto Verde Favela.

Caminhada pelas ruas do Salgueiro levou os participantes do Grande Encontro da RFS para a Horta Comunitária do território. Foto: Alexandre Cerqueira
Caminhada pelas ruas do Salgueiro levou os participantes do Grande Encontro da RFS para uma das hortas comunitária do território. Foto: Alexandre Cerqueira

Denise também é uma das lideranças responsáveis pela Biblioteca Comunitária Jurema Gomes Batista, e ao chegar no local falou com muito carinho de sua antiga professora Jurema e da importância desse espaço de educação para as crianças da comunidade. Além dos livros, a biblioteca oferece aulas de reforço, auxilia os alunos na leitura e está começando um projeto de conscientização sobre história local e os personagens históricos da comunidade. Denise contou que um dia viu uma criança dizer que não sabia da importância que tinha seu avô, Jair Corina, um dos primeiros comunicadores do Salgueiro. A partir dessa experiência, de educar uma criança sobre a sua própria história familiar, Denise pensou no projeto de levar a toda a comunidade o conhecimento sobre sua própria história através da Biblioteca Jurema Gomes Batista.

Biblioteca Comunitária Jurema Gomes Batista, no Morro do Salgueiro. Foto: Alexandre Cerqueira
Biblioteca Comunitária Jurema Gomes Batista, no Morro do Salgueiro. Foto: Alexandre Cerqueira

Durante o percurso, Denise pôde contar bastante da história do morro. Um exemplo foi sobre uma tragédia ocorrida em uma igreja local, a Capelinha de São Sebastião, construída em cima de um poço d’água, onde, há décadas, uma criança da comunidade caiu e morreu. Contou também histórias de escadarias e becos cujos nomes relembram moradores, seus hábitos ou feitos, a história das lavadeiras e da poluição e aterramento dos rios, do esgoto a céu aberto e de outros problemas fruto da negligência do Estado. Durante o passeio, Denise também falou sobre a herança e a riqueza cultural do Caxambu do Salgueiro e do samba, que deixou sua pequena favela—segundo ela com 8.000 moradores—internacionalmente famosa.

Denise Francisca de Oliveira, moradora do Salgueiro e responsável pelo tour no Morro. Foto: Alexandre Cerqueira
Denise Francisca de Oliveira, moradora do Salgueiro conta a história do morro. Foto: Alexandre Cerqueira

Relembrando as Atividades do “Projetão” de Justiça Climática em 2022

Ao longo do dia, houveram momentos para explorar e discutir os objetivos e conquistas do “Projetão de Justiça Climática” que a Rede Favela Sustentável realizou ao longo de 2022 e que continuará em 2023. O ponto de partida foi o lançamento do vídeo retrospectivo das atividades de 2022 da RFS, resumindo as ações, como: o Curso de Mobilização Socioambiental do Alfazendo da Cidade de Deus para mobilizadores da RFS; a construção e lançamento do biossistema de tratamento de esgoto e do sistema de energia solar da comunidade do Vale Encantado; intercâmbios de conhecimento da RFS como na Terra Prometida, realizado pelo Centro de Integração da Serra da Misericórdia (CEM), e Vila Cruzeiro, realizado pela Cooperativa Transvida; um curso de teto verde levando o conhecimento do projeto Teto Verde Favela a ser aplicado no Centro Comunitário Irmãos Kennedy (CCIK), na Vila Kennedy; e o curso “Pesquisando e Monitorando a Justiça Hídrica e Energética nas Favelas“, que capacitou 45 pessoas, sendo 15 lideranças e 30 jovens de 15 comunidades do Grande Rio. 

Assista Ao Vídeo Retrospectivo de 2022 da RFS Aqui:

Este curso gerou um relatório que apresenta dados inéditos sobre qualidade, acesso e eficiência dos serviços de fornecimento de água e luz nas favelas, e que foi lançado em formato impresso no Grande Encontro.

5º Grande Encontro da Rede Favela Sustentável, no Morro do Salgueiro, em 2022, marca a distribuição do relatório impresso do curso "Pesquisando e Monitorando a Justiça Hídrica e Energética nas Favelas" para os membros da Rede Favela Sustentável e aliados. Foto: Alexandre Cerqueira
5º Grande Encontro da Rede Favela Sustentável, no Morro do Salgueiro, em 2022, marca a distribuição do relatório impresso do curso “Pesquisando e Monitorando a Justiça Hídrica e Energética nas Favelas” para os mobilizadores e aliados integrantes da Rede Favela Sustentável. Foto: Alexandre Cerqueira

Ainda no Grande Encontro, logo após a retrospectiva, o grupo de Erveiras e Erveiros do Salgueiro comandou uma animada roda de conversa sobre medicina popular e farmacologia ancestral, herança cultural negra e indígena das favelas e periferias. Depois das falas das erveiras e erveiros, houve a participação de pessoas de diversas gerações, localidades e vivências, compartilhando suas experiências e receitas medicinais com folhas, ervas e raízes endêmicas, que crescem em seus territórios—rituais médicos ancestrais atravessados pelo saber coletivo. Memória coletiva que nutre a conexão entre as pessoas, a natureza e a cura.

Cantinho das Erveiras e Erveiros do Morro do Salgueiro, no Grande Encontro da RFS. Foto: Alexandre Cerqueira
Cantinho das Erveiras e Erveiros do Morro do Salgueiro, no Grande Encontro da RFS. Foto: Alexandre Cerqueira

Em um almoço com culinária ancestral e afetiva da Padaria Caliel, feito pelas mãos de Marcelo da Paz, todos puderam curtir a vista panorâmica da cidade e confraternizar. Marcelo abriu sua casa e laje para o almoço do Grande Encontro da RFS.

Mural de grafite em homenagem às personalidades: Joaquim Casemiro; Anescarzinho; Bala; Geraldo Babão; Almir Guineto; Abelardo; Djalma Sabiá; Noel Rosa e outros. Foto: Alexandre Cerqueira
Mural de grafite na Padaria Caliel em homenagem às personalidades: Joaquim Casemiro; Anescarzinho; Bala; Geraldo Babão; Almir Guineto; Abelardo; Djalma Sabiá; Noel Rosa e outros. Foto: Alexandre Cerqueira

Na parte da tarde, houve uma imersão que apresentou o Termo Territorial Coletivo (TTC)* aos membros da Rede. Contando com falas de mobilizadores comunitários que lutam pelo direito à moradia, divulgou-se esse modelo de propriedade coletiva da terra e individual das casas como alternativa ao desafio de moradia acessível e pela garantia de direito à permanência das favelas do Rio de Janeiro.

Colagem feita pelos participantes sobre o Direito à Moradia - atividade do Termo Territorial Coletivo. Foto: Alexandre Cerqueira
Colagem feita pelos participantes sobre o direito à moradia: atividade do Termo Territorial Coletivo. Foto: Alexandre Cerqueira

Para encerrar as atividades deste dia especial, a Rede Favela Sustentável teve um momento para avaliar, refletir, sugerir e planejar as ações futuras que pretende realizar em 2023. A RFS continuará a pleno vapor implementando o Projetão de Justiça Climática, porém com ainda mais trocas entre os territórios, de forma temática e intergeracional. Ficaram definidos os focos para 2023 de promover intercâmbios rotativos e diversos, envolvendo a juventude, formação continuada, e atuando no campo da incidência política.

Rodas de debate sobre futuro da RFS no 5º Grande Encontro da Rede Favela Sustentável, Morro do Salgueiro, 2022. Foto: Alexandre Cerqueira
Rodas de debate sobre futuro da RFS no 5º Grande Encontro da Rede Favela Sustentável, Morro do Salgueiro, 2022. Foto: Alexandre Cerqueira
5º Grande Encontro da Rede Favela Sustentável, no Morro do Salgueiro, 2022. Foto: Alexandre Cerqueira
5º Grande Encontro da Rede Favela Sustentável, no Morro do Salgueiro, 2022. Foto: Alexandre Cerqueira

Após um dia de riquíssimos reencontros, abraços trocados e planos traçados, a RFS encerrou mais um ano especial de atividades com uma grande roda de Caxambu comandada pelo grupo de Caxambu do Salgueiro. Essa é uma dança típica da cultura afro-brasileira, popular do Sudeste. As letras e a dança são vinculadas fortemente com a história do Morro do Salgueiro, de suas personagens, da escravidão, do quilombo e da favela. É uma dança sobre a história do negro no Brasil.

Durante a roda de Caxambu, os participantes da RFS puderam colocar seus pés no chão em forma de conexão coletiva com a terra e suas ancestralidades. As saias rodadas e coloridas de chita, as batidas de tambor e das palmas, tudo foi embalado pelos cantos e coros que os participantes iam repetindo. Nesta roda, participaram as matriarcas da comunidade, que puxavam as canções, os jogos de palavras, que transmitem e eternizam histórias vividas ali ou em outras favelas e quilombos, compartilhando com a nova geração essa resistência da cultura local. 

Entre as umbigadas e o machado, todos que participaram do Grande Encontro tiveram a oportunidade de entrar na roda e fortalecer as conexões entre tantas favelas ali representadas. Foi o encerramento perfeito para olharmos para trás e para frente ao mesmo tempo, celebrando o que foi realizado em 2022 e o que virá em 2023, no território do Salgueiro, abraçados pela natureza e coletividade.

Não perca o álbum abaixo, ou clique aqui para ver no Flickr:

Grande Encontro Anual da Rede Favela Sustentável 2022 no Salgueiro, 27 de novembro de 2022
*A Rede Favela Sustentável (RFS), Termo Territorial Coletivo (TTC) e o RioOnWatch são projetos da Comunidades Catalisadoras (ComCat).


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