Permissividade aos Autointitulados ‘Patriotas’. Tiro, Porrada e Bomba Para as Favelas. #OQueDizemAsRedes Sobre os Ataques em Brasília

Manifestantes invadem Congresso, STF e Palácio do Planalto. Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil
Manifestantes invadem Congresso, STF e Palácio do Planalto. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

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Matéria da série #OQueDizemAsRedes que traz pontos de vista publicados nas redes sociais, de moradores e ativistas de favela sobre eventos e temas que surgem na sociedade.

Ataques criminosos em Brasília causam indignação nas redes sociais por tornar visível, numa tarde de domingo no sofá de casa, a tradição das polícias brasileiras de atirar primeiro e perguntar depois. Mas só nas favelas e periferias.

“A aparente omissão da PM, no entanto, não condiz com sua ação em manifestações pacíficas. Confira 20 vezes em que a polícia atacou e prendeu manifestantes por nada”, destaca a Associação de Jornalismo Digital (Ajor), em post publicado no Twitter.

Publicado algumas horas após uma série de ataques golpistas ocorridos em Brasília, no último domingo 8 de janeiro, o post chama atenção para a “mansidão” do tratamento dado pelas forças de segurança do Estado às ações de brasileiros apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL)—majoritariamente brancos e de extrema direita. Tradicionalmente, no entanto, moradores de favelas contam com tratamento muito diferente quando reivindicam qualquer direito.

Vidraças danificadas no Palácio do Planalto. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Vidraças danificadas no Palácio do Planalto. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

“É inadmissível isso. Sou nascido e criado em favela e o que já vi a PM fazendo durante uma operação policial é doloroso e traumático. Porém, em Brasília, o que estamos vendo é um convite pra tomar um chá e fazer cafuné”, protestou Laerte Bruno, morador do Conjunto de Favelas da Maré, e criador da UniFavela. Em outro post no Twitter, Laerte completou:


O levantamento citado acima pela Ajor foi realizado pela Ponte Jornalismo e publicado em 13 de dezembro do ano passado. Essa foi a data em que apoiadores radicalizados do ex-presidente, revoltados com a diplomação do Presidente Lula (PT) pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), atearam fogo em carros e ônibus, tentaram derrubar um coletivo em chamas de um viaduto, depredaram estabelecimentos comerciais, aterrorizaram crianças e espalharam botijões de gás pelas ruas.

Tudo isso foi devidamente registrado e transmitido pelos próprios bolsonaristas, que se intitulam “patriotas” nas redes sociais, exatamente como aconteceu nas ações criminosas de 8 de janeiro, classificadas como terrorismo doméstico por parte da mídia.

Móveis e janelas danificadas no Senado Federal. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Móveis e janelas danificadas no Senado Federal. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Eles não aceitam o resultado da eleição de 2022 e o início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, presidente eleito que tomou posse do cargo em 1 de janeiro em cerimônia transmitida por canais de TV e prestigiada por 73 delegações estrangeiras e 11 chefes de Estado, além de representantes dos Três Poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.

Os “extremistas” e “radicais” insistem em contestar o resultado do processo eleitoral já referendado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sem qualquer prova, mesmo Lula tendo vencido as eleições com 50,90% dos votos, 2.139.645 votos à frente do ex-presidente Jair Bolsonaro (que recebeu 49,10% dos votos). Em um tweet, o ativista do Complexo do Alemão, Rene Silva comenta:

Empunhando bandeiras do Brasil, smartphones e vestidos com a camisa da seleção brasileira, milhares de manifestantes invadiram e depredaram na tarde de domingo, à luz do dia, o Palácio do Planalto, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional: os três prédios públicos mais simbólicos da democracia brasileira.

“Tacaram fogo em ônibus, tentam explodir o aeroporto, invadem e quebram o Planalto, Congresso e o STF, mas é na favela que confundem guarda-chuva com fuzil”, criticou Preta Ferreira, cantora e artivista da luta pela moradia no Movimento Sem Teto do Centro (MSTC). Ela foi criminalizada pela Polícia de São Paulo, chegando a permanecer 109 dias presa.

Manifestantes invadem Congresso, STF e Palácio do Planalto.  Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil
Manifestantes invadem Congresso, STF e Palácio do Planalto. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O episódio de ataque à República foi classificado pelo Ministro da Justiça Flávio Dino—e também por  mídias internacionais, como por exemplo o The Guardian—como “Capitólio Brasileiro”. “Nós vivemos ontem o Capitólio Brasileiro, mas com duas diferenças. A primeira é que não houve óbitos e a segunda é que tem mais presos aqui do que lá”, afirmou Dino, referindo-se à invasão do Capitólio dos Estados Unidos, em 6 de janeiro de 2021.

Em decorrência da negligência da polícia e do governo do Distrito Federal, após os ataques, como informa o jornal Nexo, o presidente Lula decretou intervenção federal na segurança pública do Distrito Federal. No início da madrugada de 9 de janeiro, o Ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou o afastamento do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), do cargo por 90 dias. Em sua decisão, o ministro diz que houve “omissão e conivência de diversas autoridades da área de segurança e inteligência“, referindo-se à rápida escalada de violência dos atos antidemocráticos.

Ambas as decisões foram resposta a uma possível “mansidão”, falta de resposta da polícia e do governador do DF à chegada de dezenas de ônibus com golpistas que, conforme foi amplamente divulgado em redes sociais, não apenas organizaram os atos antidemocráticos, mas também incitaram a invasão das sedes dos Três Poderes em Brasília.

Os supostos “manifestantes” chegaram a caminhar escoltados pela Polícia Militar pela Esplanada dos Ministérios sem qualquer resistência das forças de segurança. Um pequeno contingente de agentes tentou impedir o grupo com spray de pimenta, mas a barreira foi facilmente rompida, e a Praça dos Três Poderes tomada.

Em vídeos que circulam na internet, há registros de policiais filmando a invasão de forma calma, posando para fotos dentro da sede do Senado com os invasores, mostrando-lhes aonde ir e até mesmo conversando calmamente.

Este comportamento pela polícia contrasta com o uso excessivo de força da mesma em manifestações por reivindicação de direitos de professores, estudantes e movimentos sociais. Sobretudo, em protestos feitos por moradores de favelas e periferias no Rio de Janeiro, e diariamente em operações policiais.

“Para a favela: Forças Armadas, Exército, PM, Polícia Civil, CORE, BOPE e até Polícia Rodoviária Federal. Para os terroristas: Um aperto de mão, uma selfie e todo espaço que quiserem para destruir um patrimônio histórico e público do povo brasileiro que ELES NÃO FAZEM PARTE”, protesta Kananda Ferreira, moradora e fotógrafa da Maré.

Raull Santiago, do Coletivo Papo Reto, do Complexo do Alemão, também usou as redes sociais para ressaltar como os ataques antidemocráticos em Brasília explicitam o racismo institucional da polícia:

Jonas Di Andrade, do jornal Voz das Comunidades, lembrou que não só a favela é reprimida com força excessiva, mas também protestos de professores.

Chefes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário publicaram na segunda, 9 de janeiro, uma nota conjunta em defesa da democracia. No documento, os líderes repudiaram e classificaram as ações como “atos terroristas, de vandalismo, criminosos e golpistas”, que tomaram Brasília.

Respostas aos Ataques

Numa cena histórica, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva caminhou ao lado da Ministra Rosa Weber, do STF, e de 27 governadores pela Praça dos Três Poderes até o prédio depredado da Corte. “Eles querem é golpe, e golpe não vai ter. Eles têm que aprender que democracia é a coisa mais complicada para a gente fazer, porque exige a gente suportar os outros, exige conviver com quem a gente não gosta”, afirmou Lula na reunião com chefes dos poderes e governadores estaduais.

Cumprindo ordem do ministro do STF, uma operação conjunta da Polícia Federal e do Exército desmontou o acampamento de bolsonaristas, montado há mais de dois meses em frente ao QG do Exército no Distrito Federal. Ações semelhantes ocorreram em pelo menos 23 estados brasileiros, incluindo, o Rio de Janeiro.

Já o Ministro da Justiça e da Segurança Pública, Flávio Dino, informou que mais de 1.500 pessoas foram presas em flagrante ou detidas em decorrência dos crimes ocorridos em 8 de janeiro. Levadas para a Academia da Polícia Federal, elas tiveram as impressões digitais colhidas e devem ser indiciadas por crimes como terrorismo e atentado contra a democracia.

Enquanto isso, o povo foi às ruas em atos em defesa da democracia em diversas capitais brasileiras. O maior de todos aconteceu em São Paulo, que ocupou seis quarteirões da Avenida Paulista.

No Rio de Janeiro, mesmo com o tempo chuvoso, a Praça da Cinelândia, em frente a Câmara dos Vereadores, foi ocupada por centenas de manifestantes. Muitos usavam o boné do CPX, sigla usada para nomear Complexo de Favelas, no Rio de Janeiro, especialmente do Complexo do Alemão.

“Sem Anistia”: O Que Isso Significa?

O termo “sem anistia” se popularizou quando foi entoado pela multidão que acompanhava a cerimônia de posse do presidente Lula. A anistia é um perdão concedido de forma oficial e que apaga a pena de alguém e suas consequências. É concedida pelo Congresso Nacional por meio de uma lei federal.

Com a perda do foro privilegiado ao deixar a Presidência, o ex-presidente Jair Bolsonaro—pela primeira vez sem mandato parlamentar em 31 anos—pode enfrentar uma série de processos na justiça.

Ato em defesa da democracia na Cinelândia, Rio de Janeiro. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Ato em defesa da democracia na Cinelândia, Rio de Janeiro. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Sobre a autora: Tatiana Lima é jornalista e comunicadora popular de coração. Feminista negra, integrante do Grupo de Pesquisa Pesquisadores Em Movimento do Complexo do Alemão, atua como repórter especial no RioOnWatch. Cria de favela, negra de pele clara, mora no asfalto periférico do subúrbio do Rio e é doutoranda em comunicação pela UFF


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