A Falta de Moradia Acessível nos EUA Coloca a Saúde das Pessoas em Risco, ‘Vivendo em Desespero e Desesperança’

Louana Joseph com seu filho, M.J. e sua filha, Marlie, do lado de fora do seu antigo complexo de apartamentos, no sudoeste de Atlanta. Foto: Andy Miller/KHN
Louana Joseph com seu filho, M.J. e sua filha, Marlie, do lado de fora do seu antigo complexo de apartamentos, no sudoeste de Atlanta. Foto: Andy Miller/KHN

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Leia a matéria original por Renuka Rayasam e Fred Clasen-Kelly, em inglês, no site CNN, produzida pela Kaiser Health News (KHN), aqui. O RioOnWatch traduz matérias do inglês para que brasileiros possam ter acesso e acompanhar temas ou análises cobertos fora do país que nem sempre são cobertos no Brasil.

Quando o filho de Louana Joseph teve uma convulsão por causa de uma infecção do trato respiratório superior, em julho, ela abandonou o apartamento que sua família chamava de lar há quase três anos.

Ela suspeitava que as manchas cinzas e marrons que se espalhavam pelo apartamento fossem mofo e que isso houvesse causado a doença de seu filho. O mofo pode desencadear e exacerbar doenças pulmonares, como asma, e tem sido associado a enfermidades no trato respiratório superior.

Mas deixar seu apartamento de dois quartos em Atlanta significava desistir de uma casa alugada por menos de US$1.000 por mês, um preço cada vez mais difícil de se encontrar, mesmo nos bairros mais pobres do país. 

“Estou procurando em todos os lugares”, disse Louana, que tem 33 anos. “No momento, não posso pagar.”

Desde então, Louana, seu filho de três anos e sua filha pequena estão à beira de se tornarem pessoas em situação de rua. Eles oscilaram entre dormir em um motel de estadia prolongada e ficar com parentes, com uma série de incertezas sobre quando vão encontrar um lugar permanente para morar.

Uma crise nacional [nos EUA] de acesso a moradias populares causou estragos na vida de famílias de baixa renda, como a de Louana, que estão à beira do abismo. Sua luta para não ficar em situação de rua é muitas vezes invisível.

Louana Joseph e sua filha, Marlie. A família toda teve que mudar de seu apartamento porque ela suspeitava que as manchas cinzas e marrons que estavam se espalhando pela unidade fossem mofo. Foto: Andy Miller/KHN
Louana Joseph e sua filha, Marlie. A família toda teve que mudar de seu apartamento porque ela suspeitava que as manchas cinzas e marrons que estavam se espalhando pela unidade fossem mofo. Foto: Andy Miller/KHN

Os aluguéis dispararam durante a pandemia, exacerbando a já grave escassez de moradias financeiramente acessíveis na maioria das cidades dos Estados Unidos. O resultado será um número crescente de pessoas presas em moradias precárias, muitas vezes com riscos ambientais que as colocam em maior risco de asma, envenenamento por chumbo e outras condições médicas, de acordo com pesquisadores acadêmicos e defensores de pessoas de baixa renda. Os níveis de estresse desses moradores são intensificados pelas dificuldades que enfrentam para pagar o aluguel.

“As pessoas estão vivendo em desespero e em desesperança”, disse Ma’ta Crawford, membro da Comissão de Relações Humanas do Condado de Greenville, Carolina do Sul, que trabalha com famílias que vivem em motéis de estadia longa.

A insegurança habitacional—como ter problemas para pagar o aluguel, morar em condições de superlotação ou se mudar com frequência—pode ter consequências negativas para a saúde, de acordo com o Escritório Federal de Prevenção de Doenças e Promoção da Saúde.

Além de potencialmente enfrentarem riscos ambientais, as pessoas que lutam com a insegurança habitacional adiam consultas médicas, não podem pagar por comida e têm problemas para lidar com doenças crônicas.

Perder uma casa também pode desencadear uma crise de saúde mental. A taxa de suicídio dobrou de 2005 a 2010, quando as execuções hipotecárias, incluindo as de aluguel, foram historicamente altas, de acordo com uma análise de 2014, publicada no American Journal of Public Health, que analisou 16 estados.

Os aluguéis aumentaram 18% em todo o país desde os primeiros três meses de 2021 até o início de 2022. E não há nenhuma localidade no país onde um trabalhador com salário mínimo possa pagar uma casa alugada de dois quartos, de acordo com um relatório de agosto da Coalizão Nacional de Habitação de Baixa Renda. Em todo o país, apenas 36 unidades habitacionais financeiramente acessíveis estão disponíveis para cada 100 pessoas necessitadas, forçando muitas famílias a recorrer a abrigos temporários.

“É um ciclo vicioso”, disse Crawford. “Todo motel aqui tem um ponto de ônibus escolar.”

No Sudeste, os despejos são mais comuns do que em qualquer outro lugar do país, diz uma análise publicada este ano na revista Proceedings of the National Academy of Sciences.

A Geórgia tem 19 despejos para cada 100 famílias de inquilino, de acordo com dados do Laboratório da Remoção da Universidade de Princeton. Há 23 despejos para cada 100 famílias de locatários na Carolina do Sul, e a Virgínia tem 15 despejos para cada 100 famílias de inquilinos. A taxa nacional é de cerca de oito despejos por 100.

Apesar das promessas do presidente Joe Biden de resolver a escassez de moradias populares, pesquisadores e ativistas dizem que a inflação—e os acordos feitos pelos democratas—estão apenas piorando a ameaça à saúde [dos estadunidenses]. 

No ano passado, o governo Biden incluiu bilhões de dólares no projeto de lei “Build Back Better” (“Reconstruir Melhor”) para aumentar o número de vouchers de Housing Choice” (uma espécie de aluguel social, em português, algo como “Escolha Imobiliária”)—um benefício difícil de obter que pretende ajudar pessoas de baixa renda a pagar o aluguel. Neste programa de vouchers, também conhecido como Seção 8, os destinatários colocam 30% de sua renda no aluguel e o governo federal paga o restante. Atualmente, apenas uma em cada quatro pessoas qualificadas recebe os vouchers, devido ao financiamento limitado.

Ainda assim, os legisladores retiraram a cláusula que aumentava o número de vouchers, um acordo [feito pelos democratas] para aprovar o projeto de lei que ficou conhecido como Lei de Redução da Inflação.

Cerca de 2,3 milhões de famílias contam com o programa que ajuda a pagar o aluguel. Louana se inscreveu anos atrás, mas ainda não recebeu nenhum benefício.

Um dia antes de seu filho nascer, em setembro de 2019, Louana se mudou para um complexo de apartamentos no sudoeste de Atlanta, uma das áreas mais pobres da cidade. Um ano depois, ela fez um upgrade para uma unidade de dois quartos no mesmo complexo que custava US$861 por mês, muito menos do que um apartamento típico na região metropolitana de Atlanta.

Recentemente, Louana voltou ao apartamento de dois quartos para mostrar à reportagem do KHN (Kaiser Health News) as condições do imóvel. O que parecia ser mofo surgiu depois que um cano estourou e o ar condicionado quebrou, no entanto os proprietários do complexo pouco fizeram para consertar os problemas, disse Louana.

As manchas cinzas e marrons estavam em seu colchão, sofá e outros pertences embrulhados em plástico. Eles cobriam caixas de fraldas empilhadas em cômodas, um boneco Elmo deitado de bruços, um tênis infantil e macacões cor-de-rosa.

Depois que um cano estourou e o ar condicionado quebrou no apartamento de Louana Joseph, manchas cinzas e pretas cobriram uma grade de ventilação. Foto: Andy Miller/KHN
Depois que um cano estourou e o ar condicionado quebrou no apartamento de Louana Joseph, manchas cinzas e pretas cobriram uma grade de ventilação. Foto: Andy Miller/KHN

Um administrador da propriedade do Seven Courts Apartments, onde Louana morava, se recusou a comentar quando contatado por telefone. A empresa de administração não respondeu aos repetidos pedidos de comentários.

Poucos meses depois de deixar o apartamento, Louana e seus dois filhos foram morar com a irmã dela em Orlando, Flórida, com seus pertences restantes—um carro e algumas roupas.

A falta de moradia financeiramente acessível pode forçar as famílias de baixa renda, como a de Louana, a enfrentar riscos à saúde, como mofo, vermes e vazamentos de água, disse Alex Schwartz, especialista em habitação da New School, na cidade de Nova York. E o trauma causado pelas remoções, despejos por execuções hipotecárias e por estar em situação de rua pode prejudicar o bem-estar físico e mental das pessoas, disse Alex.

Por cinco anos, Nancy Painter morou em um apartamento em Greenville, Carolina do Sul, que tinha mofo e rachaduras nas paredes, no teto e no chão. Às vezes, disse Nancy, ela carregava uma lata de inseticida nas duas mãos para afastar as baratas.

Uma doença autoimune a torna extremamente suscetível a resfriados e outras doenças respiratórias e a artrite causa dores incapacitantes. No entanto, ela ficou no apartamento até o ano passado porque o aluguel era de US$325 por mês. Nancy mudou-se somente depois que o proprietário fez planos para reformar a unidade e aumentar o aluguel.

Nancy, 64, agora vive com cerca de US$1.100 em benefícios de invalidez do Seguro Social. Sua saúde debilitada a impediu de continuar trabalhando em uma rede de fast food. Ela paga mais de 70% de sua renda por um quarto em uma casa que divide com outros adultos que não conseguem encontrar moradia acessível.

Esses locatários não devem destinar mais de 30% de sua renda para a habitação, de modo que tenham sobra suficiente para outras necessidades básicas, de acordo com as fórmulas do governo federal. “Minhas opções são tão escassas”, disse Nancy. “Tudo que eu quero é um lugar pequeno onde eu possa ter um jardim”.

Em agosto, o filho de Louana Joseph, M.J., desenvolveu uma infecção respiratória superior que sua mãe suspeita ter sido causada por mofo que estava se espalhando em seu apartamento. Foto: Andy Miller/KHN
Em agosto, o filho de Louana Joseph, M.J., desenvolveu uma infecção respiratória superior que sua mãe suspeita ter sido causada por mofo que estava se espalhando em seu apartamento. Foto: Andy Miller/KHN

Os problemas são especialmente agudos entre negros e outros grupos raciais para os quais foram negados bons empregos, hipotecas e oportunidades, muito além da Era Jim Crow, disse o Dr. Steven Woolf, professor de saúde populacional e equidade em saúde na Universidade Virginia Commonwealth. A expectativa de vida pode variar de 15 a 20 anos entre diferentes bairros da mesma cidade, disse ele.

Os legisladores federais rotineiramente falham em priorizar o programa de vouchers de moradia, que tem quase 50 anos de idade, disse Kirk McClure, professor emérito de planejamento urbano da Universidade do Kansas. Os EUA oferecem menos ajuda para a área de moradia do que outros países ricos, como o Reino Unido e a Austrália, onde os programas de vouchers permitem que todos que atendem aos requisitos de renda obtenham ajuda, disse o professor.

“Na sociedade mais rica do mundo, poderíamos dar um voucher a cada pobre”, disse McClure. “Isso não requer nada mágico”.

Funcionários do Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano dos EUA, que supervisionam o programa de vouchers, não responderam quando perguntados se o governo planejava pressionar por mais vouchers de moradia.

As perspectivas de Louana de encontrar outra casa permanecem sombrias, pois os aluguéis aumentaram consideravelmente.

O preço médio do mercado de aluguel—que é determinado anualmente pelo governo federal com base no tamanho, tipo e localização de uma casa alugada—para uma casa de dois quartos nos EUA atingiu US$1.194 por mês, em média, em 2019, de acordo com um relatório de 2020 da Coalizão Nacional de Habitação de Baixa Renda. Enquanto isso, uma família de quatro pessoas vivendo na linha da pobreza só consegue pagar até US$644 por mês, disse o relatório. Na cidade de Atlanta, o aluguel médio de apartamentos de todos os tamanhos é de US$2.200, um aumento de quase 30% desde janeiro de 2021, de acordo com o site imobiliário Zillow.

Além disso, a falta de creche impediu Louana de buscar empregos de tempo integral. Mesmo assim, ela não se enquadra no programa estadual de assistência e creche, pois ela não tem um emprego em tempo integral. Um outro programa estadual que ela procurou não terá vagas até o próximo ano.

Ela processou o proprietário do Seven Courts Apartments em um tribunal de pequenas causas em junho e está pedindo US$5.219 como indenização por seus pertences arruinados e pelo aluguel já pago. Um acordo poderia permitir que ela se mudasse para uma nova casa.

“Estou presa porque não tenho nenhum outro lugar para onde ir”, disse Louana.

Sobre a fonte: KHN (Kaiser Health News) é um portal de notícias nacional (estadunidense), que produz jornalismo aprofundado sobre saúde. Juntamente com a Análise de Políticas e Pesquisas, o KHN é um dos três principais programas operacionais da KFF (Kaiser Family Foundation). KFF é uma organização sem fins lucrativos reconhecida por fornecer informações sobre questões de saúde para os Estados Unidos.


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