Gestores de Dez Lonas Culturais, Centros de Arte e Museus do Rio Criam Projetos sobre o Clima Usando Cultura, Arte e Sustentabilidade

Projeto “Coleta Maré”, do Espaço de Leitura Jorge Amado, promoveu conscientização ambiental com leitura, grafite e poesia em frente à Lona Cultural Herbert Vianna, no Complexo do Maré, em 2022. Foto: Gabriel Loiola
Projeto ‘Coleta Maré’, do Espaço de Leitura Jorge Amado, promoveu conscientização ambiental com leitura, grafite e poesia em frente à Lona Cultural Herbert Vianna, no Complexo do Maré, em 2022. Foto: Gabriel Loiola

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“A conscientização é um processo contínuo, que devemos colocar em nosso cotidiano. Dessa forma, a partir de um empurrão, vamos pensar nos direitos socioambientais a partir do espaço de cultura que a gente está inserido.” — Lidiane Malanquini

Museus, lonas culturais e centros de arte cariocas, diante dos aumentos de eventos climáticos extremos, têm realizado cada vez mais projetos voltados para o clima, ligando cultura, arte e sustentabilidade. São espaços com grande poder de educação, mobilização e integração, em favelas e no asfalto, como a Biblioteca Popular Jorge Amado, no Complexo da MaréBiblioteca Annita Porto Martins, no Rio Comprido; Lona Cultural Municipal Terra, em Guadalupe; Museu da História e da Cultura Afro-brasileira (MUHCAB), na Gamboa; Centro Municipal de Artes Hélio Oiticica, no Centro; Museu Histórico da Cidade do Rio de Janeiro (MHC), na Gávea; Espaço Cultural Sérgio Porto, no Humaitá; Centro Cultural Professora Dyla de Sá, na Praça Seca; e Arena Carioca Jovelina Pérola Negra, na Pavuna.

Lidiane Malanquini, gestora do Espaço de Leitura Jorge Amado, no Complexo da Maré, afirma que não é possível pensar cultura sem pensar o território, suas questões socioambientais e a perspectiva de diálogo com os moradores. O uso de ferramentas educacionais para ensinar as pessoas sobre as causas e consequências da crise climática e sobre como elas podem fazer a sua parte são cada vez mais objetivos dos espaços culturais cariocas, que constroem consciência local sobre desafios, como a justiça climática, e passam a apoiar moradores a tomar medidas para mudar suas próprias vidas e a sociedade.

Projeto “Coleta Maré”, do Espaço de Leitura Jorge Amado, promoveu conscientização ambiental com leitura, grafite e poesia em frente à Lona Cultural Herbert Vianna, no Complexo do Maré, em 2022. Foto: Gabriel Loiola
Projeto ‘Coleta Maré’, do Espaço de Leitura Jorge Amado, promoveu conscientização ambiental com leitura, grafite e poesia em frente à Lona Cultural Herbert Vianna, no Complexo do Maré, em 2022. Foto: Gabriel Loiola

Os espaços culturais na luta contra a crise climática têm como ponto de partida experiências de incentivo à comunidade, através da arte e da educação. Ações de cunho local contra o racismo ambiental, a caminho da justiça climática, precisam ser fortalecidas e não só pela mobilização do povo. Políticas públicas que visem educar ambientalmente a população através da cultura e da arte são urgentes. Tornar as favelas climaticamente resilientes é urgente. 

Lançamento do programa Ciclista Paga Meia, iniciativa do projeto ‘BicicletaRio’ no Espaço Cultural Sérgio Porto, bairro Humaitá, em 2022. Foto: Gabriel Loiola

Diego Dantas, diretor artístico do Centro Coreográfico da Cidade do Rio de Janeiro, fala um pouco sobre sua experiência como gestor cultural engajado pelo clima. Na busca pela recuperação do principal rio de seu bairro, ele cita o projeto ‘Rio Maracanã Vivo em Dança e Música‘. Os principais resultados foram construir laços com a comunidade do entorno do rio, com o oferecimento de projetos educativos, ambientais e artísticos para as crianças e jovens do Maracanã e entornos.

“Pensamos em ações de impacto a partir do Rio Maracanã, através da arte, dança, música e resíduos que não descartamos corretamente. O cortejo, uma das atividades desse projeto, teve a água como elemento principal. Não estamos trabalhando com a água limpa, mas com a água suja e seus resíduos.” — Diego Dantas

O Projeto "Rio Maracanã Vivo em Dança e Música" promoveu a sustentabilidade do bairro usando música, arte e dança, no Rio Comprido, em 2022. Foto: Gabriel Loiola
O projeto ‘Rio Maracanã Vivo em Dança e Música’ promoveu a sustentabilidade do bairro usando música, arte e dança, no Rio Comprido, em 2022. Foto: Gabriel Loiola

Ainda na Zona Norte da cidade, a Biblioteca Annita Porto Martins, no Rio Comprido, conectou artistas e educadores locais para criar intervenções culturais a partir de ações sustentáveis com alunos pequenos da Escola Municipal Azevedo Sodré. A parceria com escolas públicas é uma das estratégias para tornar o bairro mais consciente sobre o meio ambiente. A atividade de estêncil e um painel de grafite foram o pontapé inicial do projeto Por um Rio Comprido Mais Verde e Cultural’.

Para estimular essa consciência ambiental, a preservação do meio ambiente e oferecer informações sobre práticas sustentáveis, o projeto Terra Consciente’ feito na Lona Cultural Municipal Terra, em Guadalupe, mobilizou crianças e jovens em torno do tema. “Se a gente pensar em aplicar conhecimentos e boas ações para as crianças agora, lá na frente, a gente pode ter uma sociedade melhor. É nisso que acreditamos”, afirma Alberto de Avyz, ator e gestor cultural da lona.

Na Gamboa, área central da cidade, região da Pequena África, Leandro Santanna, diretor do Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira (MUHCAB) tem se dedicado ao projeto ‘Horta Ancestral’. A epistemologia e a ancestralidade africana e afro-brasileira se coadunam muito bem com a justiça climática. As mudanças no clima são causadas pelo modelo econômico predatório implementado pelas culturas europeias no último meio milênio. O MUHCAB clama esse patrimônio cultural afro-diaspórico em suas ações pelo clima.

“É uma tradição muito comum aos povos afro-diaspóricos, a relação com as plantas sagradas e plantas de cura, banhos de bons fluidos. Já inserimos em nosso planejamento uma campanha de doações de mudas, para ir espalhando o verde na casa e fazendo com que ela tenha ainda mais espaço de relação com o meio ambiente.” — Leandro Santanna

Na mesma zona da cidade que o MUHCAB, a Horta Cultural e Comunitária do Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, beneficia frequentadores do espaço e a população do entorno, que, nos últimos anos, têm sofrido especialmente com a insegurança alimentar. Segundo Carolina Kezen, produtora cultural do Hélio Oiticica, além da alimentação, assim como o MUHCAB, o objetivo é que esse seja um pontapé para estimular os saberes ancestrais e promover a educação ambiental nos visitantes. A horta pretende se tornar um ponto cultural para atividades vinculadas ao centro de arte.

Já na Gávea, com a retomada das atividades do Museu Histórico da Cidade do Rio de Janeiro (MHC), em 2021, sua programação cultural passou a incluir o projeto ‘Primavera na Cidade’, pensado para conscientizar a população sobre a fauna e a flora do Parque da Cidade, espaço com plantas nativas e pássaros raros. Diversas caminhadas foram realizadas, com cerca de 40 participantes por encontro, o começo de uma integração local e educação ambiental em meio à natureza.

Ainda na Zona Sul, o projeto ‘Ciclista Paga Meia’ foi inaugurado no Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto, no Humaitá, para continuar a construção de uma rede sustentável por meio de eventos culturais, intervenções artísticas, exposições e discussões para a população. Essa participação local é garantida por preços acessíveis a quem visita o museu de bicicleta. “Trazer a voz da galera é incentivar os arredores e fazer parte reverberar na estrutura da cidade,” diz Luiza Rangel, gestora do espaço.

Já na Zona Oeste da cidade, no bairro Praça Seca, uma das impactadas pelo projeto ‘Conecta Clima’ do Centro Cultural Professora Dyla de Sá foi Elis MC, rapper de onze anos. Em seu rap consciente, ela usa rimas para reforçar o papel e a responsabilidade que todas as pessoas, crianças e adultos, devem ter com relação ao meio ambiente, e cobra que cada um faça a sua parte para amenizar os problemas climáticos e sociais do Rio de Janeiro.

O Projeto “Conecta Clima” mobilizou crianças de escolas públicas, artistas locais e moradores, em ações de educação ambiental, na Praça Seca, em 2022. Foto: Gabriel Loiola
O projeto ‘Conecta Clima’ mobilizou crianças de escolas públicas, artistas locais e moradores, em ações de educação ambiental, na Praça Seca, em 2022. Foto: Gabriel Loiola

Mina Afrofuturista

Tô procurando a tua infância
Onde foi que tu perdeu
É para se ligar na natureza parceiro
Vamos ver se entendeu

Pra rimar pego a caneta
E tô aqui tipo capitão planeta
E pela única desses poderes
A missão é com vocês
O meu futuro é seu também

Água terra e ar
E as matas pra gente cuidar
Viver na cultura ancestral

Protagonista
Tipo afrofuturista
Que faz de tudo para ficar cheio de paz
Vai lá criança chegou a tua vez
O poder é de vocês

— Elis MC

Além da participação nas atividades feitas no jardim do centro cultural, como a aula de biodiversidade e crise climática, Elis MC também pôde cultivar a horta e grafitar com outros artistas locais. O ‘Conecta Clima’ mobilizou crianças de escolas públicas, artistas locais e moradores em ações de educação ambiental e biodiversidade, práticas de cultivo e grafite. As atividades gratuitas facilitaram a participação e o compartilhamento das ações pelo clima no bairro.

A Arena Carioca Jovelina Pérola Negra, na Pavuna, inaugurou a ‘Horta Comunitária da Arena Jovelinacom diversas atividades que beneficiaram mais de 100 alunos de escolas públicas do território. Para os gestores culturais da lona, transformar o meio ambiente só será feito com o envolvimento das crianças. É por isso que as ações pelo clima da lona focam nos pequenos moradores da Pavuna.

Todas essas iniciativas misturam educação ambiental, participação comunitária, atividades artísticas e de integração com a cultura local em prol de um único objetivo: pautar a sustentabilidade, a importância do meio ambiente. Quando a cultura é usada como ferramenta de luta por justiça climática, isso mostra, na prática, o papel de cada morador neste movimento, e que soluções são possíveis, coletivas e podem ser bastante acessíveis. Seja através de encontros coletivos, aulas de teatro, rodas de conversa, grafite, artes visuais e dança, exposição de artesanato, mobilização local para limpeza de ruas e rios, criação de horta comunitária, entre outros, esses projetos impactam todas as zonas da cidade.

Consciência Local, Impacto Global

Cidadãos, movimentos, organizações de favela e de outros territórios vulnerabilizados e governos de países em desenvolvimento levantam esse tema ao nível global todos os anos na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-27), mas nem sempre vemos ações práticas dos governos, como essas feitas pela própria população. Enquanto no Egito o discurso era global, no Centro do Rio de Janeiro, o clima teve seu recorte local em foco. O evento ‘O Clima É de Mudança, que, assim como a COP-27, também ocorreu no dia 6 de novembro de 2022, no Circo Voador, um dos principais polos da cultura carioca há décadas, teve como intuito promover a justiça climática na cidade e incidir politicamente a partir do setor cultural e das favelas e periferias.

No Brasil, a consciência sobre o tema das mudanças climáticas está crescendo. Segundo o estudo Mudanças Climáticas na Percepção dos Brasileiros, produzido pelo Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS), 90% dos brasileiros estão tão preocupados com as mudanças climáticas que começaram a tomar atitudes favoráveis ​​ao clima e querem que o governo implemente políticas mais verdes. Logo, este movimento dos polos de cultura pelo clima já influencia positivamente a cidade ao fomentar atividades que promovem justiça climática, educação ambiental e soberania alimentar, sempre calcados na cultura.

Sobre a autora: A jornalista Thaís Cavalcante nasceu e foi criada na Nova Holanda, uma das favelas da Maré. Ao atuar como comunicadora comunitária, decidiu cursar jornalismo na universidade e acredita no poder da informação para mudar para melhor sua realidade.


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