Primeira Comissão Especial de Combate ao Racismo É Inaugurada pela Câmara dos Vereadores do Rio

Se o racismo é estrutural, a comissão tem de ser permanente!

Da esquerda para a direita, Yalorixá Wanda Araújo (convidada especial), Vereadora Mônica Cunha (presidente da comissão), Vereadora Thais Ferreira (relatora), Ana Flávia Magalhães, Lucas Batal e Daniele Silva (também convidados especiais). Foto: Amanda Baroni
Da esquerda para a direita, Yalorixá Wanda Araújo, Vereadora Mônica Cunha (presidente da comissão), Vereadora Thais Ferreira (relatora), Ana Flávia Magalhães, Lucas Batal e Daniele Silva. Foto: Amanda Baroni

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No último dia 5 de maio, foi realizado o lançamento da Comissão Especial de Combate ao Racismo da Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro no Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira (MUHCAB). Este grupo de trabalho parlamentar é constituído por três vereadores negros: a Presidente Mônica Cunha, a Relatora Thais Ferreira e o Membro Efetivo Edson Santos.

O evento foi iniciado com uma apresentação da cantora Layza Griot e contou com a presença de aproximadamente 250 pessoas. Os convidados especiais incluiram a defensora pública Danielle da Silva, o ativista do Movimento Negro Unificado (MNU) Lucas Batal, a candomblecista Yalorixá Wanda de Araújo do terreiro Ylê Asé Egi Omim, e a diretora-geral do Arquivo Nacional, Ana Flavia Magalhães. Além deles, estiveram presentes lideranças, ativistas, membros de movimentos sociais e religiosos, e representantes de instituições do estado e sociedade civil, como o Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública do Rio, Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), Secretaria Executiva do Ministério da Saúde (SE), Coordenadoria de Promoção da Igualdade Racial, Secretaria Municipal de Cultura, Fiocruz, OAB-RJ, Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Município do Rio de Janeiro, Movimento Unido dos Camelôs (MUCA) e Conselho Estadual dos Direitos da População LGBTQIAP+.

“Pesquisamos… e vimos que não existe [nem nunca existiu] uma comissão de combate ao racismo. Sabemos que existem outras iniciativas e instituições que usam outros mecanismos e que já lutam há alguns anos. Não estamos inventando a roda, mas queremos dizer que vamos para o combate, que não aceitamos menos. Queremos o fim do racismo. A gente vai mostrar pelo menos a metade do que esse racismo fez e continua fazendo no nosso povo, no nosso corpo e nas nossas vidas.” — Mônica Cunha

A Vereadora Thais Ferreira, relatora, em discurso na Comissão Especial de Combate ao Racismo. Foto: Amanda Baroni
Vereadora Thais Ferreira, relatora, em discurso na Comissão Especial de Combate ao Racismo. Foto: Amanda Baroni

Em suas falas, a relatora Thais Ferreira contou sobre a criação da comissão e desabafou sobre como, mesmo diante das estatísticas preocupantes dessa população, o projeto teve ainda de vencer barreiras burocráticas: “É incrível como a nossa caneta ainda é frágil”. Segundo o relatório de pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil, de 2022, cargos gerenciais ainda são ocupados por 69% de pessoas brancas, enquanto 29,5% são por pretos e pardos.

“É um momento de falar sobre nós. Precisamos agregar ainda mais pessoas que defendem a existência desse projeto.” — Ana Flávia Magalhães, diretora do Arquivo Nacional

Mônica Cunha lê as diretrizes de trabalho da Comissão Especial de Combate ao Racismo. Foto: Amanda Baroni
Mônica Cunha lê as diretrizes de trabalho da Comissão Especial de Combate ao Racismo. Foto: Amanda Baroni

A reunião apresentou os objetivos principais do trabalho da comissão, que serão:

  • Analisar as políticas públicas e sua efetividade com a população negra nas esferas de saúde, cultura e educação; 
  • Promover e incentivar a participação popular através de audiências e debates públicos e fiscalizar os equipamentos públicos;
  • Prestar apoio às vítimas de crimes raciais através de um WhatsApp próprio. 

O canal de atendimento atuará em conjunto com a Defensoria Pública, a Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado do Rio e a Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (CIDH). O trabalho terá a duração de um ano e, como conclusão, será publicado um relatório trazendo informações sobre os efeitos do racismo, com sugestões da equipe para aplicação de melhores políticas públicas antirracistas no município do Rio.

“A gente só tem um ano e vai ser muito, muito trabalho mas a gente vai mexer com esse Rio de Janeiro. Há 17 anos levaram meu Rafael e não tive tempo de sentir dor. O Estado não dá tempo para a gente sentir e eu decidi que não vou parar de lutar.” — Mônica Cunha

Fotos de filhos vítimas do Estado, da violência policial. Foto: Amanda Baroni
Fotos de filhos vítimas do Estado, da violência policial. Foto: Amanda Baroni

Ainda segundo o relatório Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil do IBGE, a taxa de comparecimento ao Enem, em 2021, de acordo com a cor dos entrevistados mostra que pretos e pardos compareceram 60,2% e 62,9%, respectivamente, ao passo que 72,1% dos brancos apareceram no local de prova no dia do exame. Ao mesmo tempo, o estudo apresenta taxas de homicídios com relação à cor, e pretos e pardos são assassinados o dobro ou mais do que brancos: 21,9%, para pretos, 34% pardos e 11,5% para brancos. Negros estão subrepresentados nas universidades, parlamentos e empresas e sobrerrepresentados nos necrotérios, como vítimas de homicídios, da violência urbana e policial.

Baseado no conhecimento dessas e de outras diferenças raciais, por sentir na pele, enquanto homem negro, o Deputado Estadual Professor Josemar, logo em seguida à fala da Presidente Monica Cunha, reforçou a importância da continuidade, por tempo indefinido, dos trabalhos do grupo parlamentar. O que ele e muitos outros presentes se perguntaram foi: se o Rio de Janeiro foi o maior porto escravista da história, se houve no Brasil 388 anos de escravidão negra, se a abolição formal acompanhada de racismo estrutural, criminalização da pobreza, seletividade penal, estigma contra favelas e negação de direitos já dura 135 anos, por que essa comissão inédita e necessária duraria somente um ano?

“Se o racismo é estrutural, a comissão tem de ser permanente!” — Deputado Estadual Professor Josemar

A Defensora Pública Daniele da Silva contou como é estar na área jurídica sendo uma das poucas pessoas negras que atuam na defesa racial. Segundo ela: “A revolta é importante na guerra. Como diz Mano Brown, nos impulsiona. Mas o que queremos é escrever uma história de qualidade de vida, de forma pacífica”.

“Esse é um espaço sagrado e de luta. Hoje, vejo outros colegas que, assim como eu, lutaram por um espaço para abrigar nossas dores, choro e cura. É um ganho muito grande termos um espaço escurecido… O projeto antirracista pertence à comunidade preta. Temos que falar onde nosso calo dói.” — Iyalorixá Wanda de Araújo

A reunião também teve como destaque a participação do coletivo Mães de Manguinhos, formado por mães que perderam os filhos em operações policiais. Situação da qual Mônica compartilha a mesma dor, pois, há 17 anos, seu filho Rafael da Silva Cunha foi morto por policiais no bairro do Riachuelo. Visando acolher mães e outras pessoas vítimas da violência do Estado, Mônica fundou o Movimento Moleque. “Queremos o fim do racismo. E eu vou fazer o mundo inteiro saber disso até o último dia da minha vida”, relata Mônica, emocionada.

Ana Paula, mãe integrante do coletivo Mães de Manguinhos. Foto: Amanda Baroni
Ana Paula, mãe integrante do coletivo Mães de Manguinhos. Foto: Amanda Baroni

Para Ana Paula Oliveira, que perdeu o filho Jonathan Oliveira, em 2014, assassinado por policiais da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) de Manguinhos, a criação da comissão é um instrumento de luta, sobretudo, pelo direito de ser mãe, sem temer.

“Queremos poder ser enterradas por nossos filhos e não o contrário.” — Ana Paula Oliveira

A relatora Thais Ferreira, gestante de seu terceiro menino, afirmou que, para ela, a maternidade para mulheres pretas é um ato de resistência. A vereadora reforçou o papel das ações articuladas entre diferentes órgãos públicos e da sociedade civil na construção de políticas públicas antirracistas e de reparação para o povo negro. O evento foi encerrado com a apresentação da Companhia de Aruanda, formada por jovens moradores de comunidades da Zona Norte e da Baixada Fluminense.

Companhia de Aruanda, formada por jovens moradores de comunidades do subúrbio carioca e da Baixada Fluminense, com experiências em diversas áreas, como: Dança Contemporânea, Dança Afro, Danças Populares, Teatro e Música. Foto: Amanda Baroni
Companhia de Aruanda, formada por jovens moradores de comunidades do subúrbio carioca e da Baixada Fluminense, com experiências em diversas áreas, como dança contemporânea, dança afro, danças populares, teatro e música. Foto: Amanda Baroni

Sobre a autora: Amanda Baroni Lopes é estudante de jornalismo na Unicarioca e foi aluna do 1° Laboratório de Jornalismo do Maré de Notícias. Tem dois blogs: AhManda Notícias, onde aborda todo tipo de conteúdo, e Hip Hop Docs, voltado ao público do Breaking no Brasil. É autora do Guia Antiassédio no Breaking, um manual que explica ao público do Hip Hop sobre o que é ou não assédio e orienta sobre o que fazer nessas situações. Amanda é cria do Morro do Timbau e atualmente mora na Vila do João, ambos no Complexo da Maré.


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