Truculência da Polícia Militar Marca a Remoção de Moradias e Comércios na Favela do Rato Molhado, em Sampaio, Zona Norte

Demolição de comércios na favela do Rato Molhado. Foto: Bárbara Dias
Demolição de comércios na Favela do Rato Molhado. Foto: Bárbara Dias

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Na última quarta-feira, 24 de maio, uma operação de choque de ordem da Secretaria Municipal de Ordem Pública (SEOP) da Prefeitura do Rio de Janeiro, removeu 25 barracos de madeira e alvenaria destinados à moradia, um depósito de uma loja de material de construção e três comércios na Favela do Rato Molhado, no bairro do Sampaio, Zona Norte da cidade. Em uma das entradas da favela, na Rua Paim Pamplona, embaixo do Viaduto Armando Coelho de Freitas, que dá acesso ao Túnel Noel Rosa, a operação foi acompanhada pela Guarda Municipal (GM) e pela Polícia Militar (PMERJ). Os moradores, indignados, tentaram fazer um protesto contra a remoção. No entanto, foram reprimidos com brutalidade pela PMERJ. Esses moradores, agora sem casa, tiveram seu direito à liberdade de expressão, à livre manifestação e à moradia violados a socos, rasteiras e tiros de munição letal.

Policial Militar aponta fuzil para moradores, durante protesto contra remoção na Favela do Rato Molhado. Foto: Bárbara Dias
Policial Militar aponta fuzil para moradora, durante protesto contra remoção na Favela do Rato Molhado. Foto: Bárbara Dias

A Favela do Rato Molhado, ou Comunidade Dois de Maio, possui uma história de ocupações e remoções que data do seu surgimento no ano de 1950. Nas décadas de 1960 e 1970 ocorreram muitas remoções. Apenas em 1980, a comunidade conseguiu uma relativa segurança, quando os moradores se organizaram e criaram uma associaçao. O Rato Molhado fica próximo a outras favelas, como o Jacaré, Jacarezinho e Céu Azul, no Engenho Novo, uma área que sofre constantemente com a negação de direitos. Em 2014, houve uma ocupação e o surgimento da Favela da Telerj, que também foi alvo de uma desocupação violenta da prefeitura, na época também sob a gestão do Prefeito Eduardo Paes.

Moradores da favela do Rato Molhado observam a operação de remoção na comunidade. Foto: Bárbara Dias
Moradores da Favela do Rato Molhado observam a operação de remoção na comunidade. Foto: Bárbara Dias

No site da Secretaria Municipal de Ordem Pública, a informação veiculada sobre a operação é que a “Seop remove(u) cerca de 30 estruturas irregulares no bairro de Sampaio, Zona Norte do Rio”, versão distante do que ocorreu, segundo moradores. As estruturas dos barracos de madeira foram queimadas até o final, sem a presença do corpo de bombeiros para contenção das chamas. Alguns relataram que o fogo foi ateado por moradores da ocupação que agora, removidos, estão em situação de rua. Que, revoltados com a remoção forçada, com a truculência e com a perda de suas moradias, tacaram fogo em suas próprias casas, em protesto. No entanto, outros moradores relatam que foram os policiais que incendiaram as estruturas.

Ao chegar no local, encontramos os barracos completamente queimados, mas ainda em tempo de acompanhar a operação da retroescavadeira, que estava demolindo uma borracharia e um lava jato, embaixo do viaduto. Um impactado não quis dar entrevista, nem se identificar, pois estava muito abalado. Uma senhora que acompanhava a operação, bastante emocionada, aceitou falar, em anonimato.

Ao final da operação, os comércios de moradores locais foram completamente destruídos. Foto: Bárbara Dias
Ao final da operação, os comércios de moradores foram completamente destruídos. Foto: Bárbara Dias

“Meu relato é de indignação. As pessoas são humildes! Esse rapaz construiu com muito suor a borracharia dele, tem filho, as crianças tão aqui. É o sustento dele. Eu não sei de quem veio essa ordem, mas tem que haver humanidade, tem que haver respeito. Era o trabalho dele, o ganha pão dele, ele estava aqui trabalhando para sustentar os filhos. Consertando carros, um borracheiro… Não adianta falar porque a gente não é ouvido. É sempre assim. É revoltante.” — Moradora do Rato Molhado, que não quis se identificar 

Após a demolição de comércios na favela do Rato Molhado, uma moradora entra em desespero. Foto: Bárbara Dias
Após a demolição de comércios na Favela do Rato Molhado, uma moradora entra em desespero. Foto: Bárbara Dias

Segundo moradores, a prefeitura havia notificado os comércios locais para que se regularizassem. Porém não conseguiram, pois não tiveram tempo hábil. Os moradores disseram que esses comércios já estavam em funcionamento há mais de sete anos. No entanto, numa apuração por imagens, utilizando o Google Maps, é possível ver que as construções dos comércios estão lá há mais de dez anos, com registros do ano de 2011.

O caveirão chegou a ser visto nas proximidades de onde aconteceu o protesto contra a remoção, porém não entrou em ação. Foto: Bárbara Dias
O caveirão chegou a ser visto nas proximidades de onde aconteceu o protesto contra a remoção, porém não entrou em ação. Foto: Bárbara Dias

Com o início da demolição dos comércios, construções feitas em alvenaria, os moradores se manifestaram e resistiram à ação da SEOP, chegando a jogar pedras e a soltar fogos de artifício. Foi quando os policiais correram em direção à entrada da favela. Empunhando fuzis e pistolas, dispararam tiros de arma letal, numa demonstração de violência desproporcional e intimidação dos moradores. O caveirão chegou a se posicionar nas imediações da área onde acontecia a operação, mas não chegou a entrar em ação. A escalada da truculência continuou, com policiais apontando armas para pessoas desarmadas e agredindo fisicamente—com tapas, socos e rasteiras—as moradoras e moradores do Rato Molhado.

Há imagens da agressão completamente desproporcional a uma moradora praticada por um policial militar. O agressor desfere socos e a joga no chão, enquanto a comunidade grita pedindo para que ele pare. Além da surra que levou da polícia, a mulher, que não quis se identificar, foi conduzida à delegacia sob denúncia de desacato. Não temos informações se ela já foi liberada.

Com o fim da operação, o aparato do Estado deixou para trás um rastro de destruição, com barracos incendiados e comércios de moradores da favela demolidos. A truculência com que a Polícia Militar agiu contra os moradores foi desproporcional e revoltante. Usaram armas de fogo contra uma população desarmada, obviamente indignada com as remoções. Além do uso de armas letais, as agressões físicas e as prisões arbitrárias marcaram a ação da polícia nessa operação. 

No dia seguinte, 25, voltamos ao local. Alguns barracos de madeira já estavam novamente começando a ser erguidos. Os escombros da demolição e do incêndio também ainda estavam lá, em brasas.

Sobre a autora e fotógrafa: Bárbara Dias, cria de Bangu, possui licenciatura em Ciências Biológicas, mestrado em Educação Ambiental e atua como professora da rede pública desde 2006. É fotojornalista e trabalha também com fotografia documental. É comunicadora popular formada pelo Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) e co-fundadora do Coletivo Fotoguerrilha.


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