Na noite de quinta-feira, dia 25 de junho, em meio ao clima de protestos contínuos por toda a cidade do Rio, onde foram documentadas atuações violentas da polícia e atos de vandalismo, o rumor que se espalhava entre os moradores de bairros da elite da Zona Sul era que “a Rocinha ia descer”.
O policiamento foi redobrado em frente ao Hotel Sheraton e em frente ao apartamento do governador Sérgio Cabral, no Leblon, antes da manifestação organizada por moradores da Rocinha e Vidigal. No entanto, o protesto que contou com a presença de cerca de 2000 pessoas permaneceu pacífico e com clima festivo durante todo o seu trajeto, sem ocorrências de vandalismo ou de repressão policial. “Eu acho que foi histórico!”, disse Leandro Lima, fundador do blog FavelaDaRocinha.com. “Não houve uma manifestação tão calma quanto essa… começou bem e terminou melhor ainda!”
Reivindicando saneamento básico, saúde e educação, manifestantes começaram na Rocinha, circularam por São Conrado e por fim percorreram a Avenida Niemeyer, onde moradores do Vidigal se juntaram ao movimento em um momento simbólico de união entre as duas comunidades. Leandro Lima descreveu como “emocionante” o momento em que as duas comunidades se uniram: “Nunca presenciei isso em minha vida, e acho que nem meus pais”.
Ele explicou que as favelas vizinhas vivenciam diferentes padrões de investimento – e falta de investimento – que estão interligados, e que já compartilharam momentos trágicos de violência durante a guerra entre facções do tráfico de drogas. Logo, o protesto em conjunto representou a união das duas comunidades. Leandro finalizou: “Rocinha e Vidigal estão juntas para o bem comum, buscando melhorias em ambos territórios e aproveitando esse momento de manifestação”.
A multidão, cheia de energia composta de jovens e senhores, atravessou a Avenida Niemeyer até a residência do governador no Leblon, levantando cartazes contra a presença de UPPs militarizadas nas comunidades (“Paz sem voz é medo”) e contra os investimentos associados à Copa do Mundo no contexto da educação que segue em falta (“Quantas escolas valem um Maracanã?”). Antonio Golgenstein, morador do Vidigal e um dos organizadores da FavelArt&Foto, disse, “Hoje a gente vê pessoas passando fome nas comunidades e tantos bilhões de reais revertidos para a Copa! (…) E onde estão os hospitais? Não tem nem gás nos hospitais!”
Leandro Lima disse que a manifestação foi importante para mostrar que “a favela também tem o poder de mudar o cenário político atual”, tanto quanto os protestos de estudantes no centro da cidade. Ele disse ainda: “foi importante mostrar que o povo da Rocinha e do Vidigal tem o mesmo valor que as pessoas do asfalto, e a mesma força também”.
Anderson Castro, residente do Vidigal que carregou, nos ombros o filho de 6 anos, Arthur, explicou que moradores de favelas estão finalmente se expressando através do protesto, depois de anos amedrontados. Ele disse, “Os moradores que não vão aos protestos ainda não se acostumaram com a presença de policiais.”
Nesse contexto de união entre as favelas e de soma de forças no protesto, um pedido foi articulado bem alto e claramente: “Saneamento básico, SIM! Teleférico, NÃO!”. O projeto de implementação do teleférico, anunciado pela Presidente Dilma Rousseff há poucas semanas na Rocinha, faz parte do PAC, Programa Federal de Aceleração do Crescimento, e está previsto para iniciar no final deste ano. Como disse Flávio Carvalho, “estamos lutando para que se privilegie o saneamento básico”. Para os moradores, a proposta do teleférico prioriza a experiência de viagem de turistas antes das suas necessidades básicas. Para Diogo Barbosa, o teleférico fará da Rocinha um “lugar exótico” para turistas aproveitarem o lindo panorama da comunidade lá de cima.
Moradores indagaram sobre os próximos investimentos do PAC na Rocinha, visto experiências passadas que acabaram por priorizar projetos de alta apelação visual, como por exemplo: o Complexo Esportivo da Rocinha, a ponte para pedestres concebida por Niemeyer e a fachada “maquiada” de casas pintadas na entrada da comunidade. Isso, ao invés de serviços públicos básicos e melhorias no sistema de tratamento de esgoto e coleta de lixo. Algumas obras muito esperadas da primeira fase do PAC – como uma nova creche e um mercado popular – foram abandonadas sem devida conclusão e nada indica que serão retomadas.
Manifestantes reiteraram que as despesas exorbitantes do teleférico poderiam ser gastas da melhor forma lidando com melhorias prioritárias. O custo da obra do teleférico, que contará com seis estações, está estimado em R$600-700 milhões, um valor que chega quase à metade do R$1.6 bilhão que será investido pelo PAC 2 ao longo dos próximos três anos. Além disso, o PAC orgulha-se em promover a construção de 500 novas residências na Rocinha sem menção às 2000 famílias que serão removidas para a obra.
O caso do teleférico no Complexo do Alemão ilustra uma contradição de planejamento na instalação dessa estrutura numa comunidade cujo sistema de esgoto ainda é ao ar livre. Muitos moradores optam por formas alternativas de transporte, pegando ônibus, van ou moto-táxi ao invés do teleférico, pois é preciso enfrentar uma íngreme caminhada para, enfim, chegar às estações. Desde a sua inauguração em 2011, o teleférico do Alemão tem tráfego de 11000 pessoas por dia (incluindo turistas), número bem abaixo da sua capacidade de 30000 passageiros.
Infelizmente, existem laços muito fortes entre as esferas municipal, estadual e do Governo federal, e a gestão centralizada do PAC resulta numa participação zero dos moradores nesses processos. “Não há diálogo com os moradores da Rocinha sobre o que está sendo feito ou sobre o que precisamos,” desabafa um morador que preferiu não se identificar. “É muito provável que o Sérgio Cabral atropele o que o povo quer”.
No dia seguinte à manifestação, o morador do Vidigal, fotógrafo e ativista de longa data Felipe Paiva escreveu, “As favelas desceram, fizeram barulho e deixaram a sua mensagem de forma pacífica e ordeira. Quem disse que favelado é bagunceiro não tem idéia da beleza que foi ontem. Meus parabéns aos moradores do Vidigal e da Rocinha”.
Fotos de Flavio Carvalho e Felipe Paiva.