No sábado, 24 de junho, Dia de São João, data que em muitos cariocas se reúnem para comemorar festejos juninos, em Acari, Zona Norte do Rio, jovens moradores do território e adjacências se reuniram no final de tarde no Espaço Mães de Acari, para participar e promover o segundo encontro CineSarau Nzinga de Angola. Organizado por Slam Magia Acari, Coletivo Fala Akari, Centro Cultural Faveleira e Grupo Negrícia Poesia e Arte de Crioulo, o evento trouxe debates sobre educação popular, cultura afro-brasileira, exibição audiovisual e sobre a linguagem dos slams.
O CineSarau Nzinga de Angola e a Educação Popular
O evento foi produzido por Vanderley da Cunha, conhecido como Deley de Acari e por sua trajetória histórica de defesa dos direitos sociais, culturais e políticos das favelas. O CineSarau foi composto também por integrantes do Slam Magia Acari, convidados do Slam Granito. O CineSarau não é o primeiro que ocorre na favela de Acari, mas sua nova concepção busca reforçar a luta pela educação popular, de modo transversal à sala de aula e aos conteúdos curriculares tradicionais dos manuais educativos de formação para o vestibular.
“CineSarau Nzinga [de Angola] surgiu para celebrar os 360 anos da morte da Rainha Nzinga Mbandi de Angola, ocorrida em 1663. É costume nas sociedades negro-africanas celebrar a morte como uma passagem da vida terrena para a ancestralidade, por isso é motivo de alegria. Paralelo a isso, é uma oportunidade para implementar a Lei 10.639/2003, que este ano [completa] 20 anos, mas que nunca foi efetivamente realizada nas escolas públicas, [nem] pré-escola, [ou na] universidade. O formato do CineSarau Nzinga de Angola comporta exibição audiovisual, de documentários, de fotografia, [apresentação de] poesia negra escrita e falada e mostra de desenhos e artes gráficas visuais. A periodicidade é mensal.” — Deley de Acari
O CineSarau foi dividido em três partes. Na primeira, o poeta Deley de Acari explicou a importância da atividade que estava sendo realizada. Falou da sua concepção ao unir o Pré-Vestibular Popular (NIDES/UFRJ) em Acari que contou com cerca de 90 inscritos, no início de 2023, e funciona com a atuação de professores e alunos do território.
Para Deley, é importante colocar em diálogo as atividades do pré-vestibular popular com a literatura negra e ressalta a urgência de pôr em prática a Lei nº 10.639/2003 sobre o ensino de História da África e da Cultura Afro-Brasileira em todas as escolas do Brasil.
Em seguida, foi exibido o vídeo do slammer Walietcha Neto, que participa das rodas de slam de Angola, com um breve debate acerca do vídeo.
No evento, os participantes puderam recitar suas poesias, a maioria sobre temáticas étnico-raciais. O poeta Jair Dias Augusto Júnior, considerado pelos slammers presentes como um mentor, fez uma breve fala explicando para o público as regras de uma batalha de slam. Após, iniciou-se a competição poética, que versou sobre amor, dor, solidão, territórios e que tinha, como grito de guerra:
“Podemos cair, mas não deixamos de sorrir, slam magia!”
Em resposta, o público gritava:
“Acari!”
20 Anos da Lei 10.639/2003: Barreiras e Perspectivas
Fruto da trajetória de luta e mobilização dos movimentos negros, a Lei 10.639/2003 é uma política pública educacional implementada no primeiro mandato do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003. Ela inclui a história e cultura africana e afro-brasileira nos manuais de ensino, instruindo aos educadores que incluam, de forma transversal, o tema na formação da identidade brasileira.
Para Deley, não há uma real efetivação da lei nos espaços tradicionais de educação. Ele tece críticas à forma como a legislação foi implementada no Brasil e questiona: por que, após duas décadas, a lei é lembrada apenas no dia 20 de novembro, no Dia da Consciência Negra? E conclui: “[isso é] retrato das ausências e lacunas na sua implementação“.
O poeta ainda pontuou a importância do resgate e reconhecimento de personagens negros, recorrentemente apagados da História. Figuras centrais na História do Brasil e de África, como: Nzinga de Angola, Luísa Mahin, Salgado Maranhão, Conceição Evaristo, entre outros.
Deley aguarda um retorno da diretoria regional da Secretaria Estadual de Educação (Seeduc) para que ele possa incluir as atividades do CineSarau em escolas do território, focando no resgate de memória e cultura afro-brasileira. O organizador pretende também realizar mais uma sessão do slam no espaço Mães de Acari, em memória aos 33 anos da Chacina de Acari, que marcou a história da favela. O CineSarau Nzinga de Angola deve acontecer em escolas com o curso de Educação de Jovens e Adultos (EJA), a partir de agosto.
Slam Magia Acari e Slam Granito
Entre o final da tarde e o início da noite, o evento contou com um público muito diversificado. Daniella Elizabeth, 17, conhecida como Beth, a slammaster (mestre de cerimônia, quem produz e conduz) do Slam Magia Acari, conta que o projeto pretende ir às escolas com o intuito de aproximar os alunos da cultura slam.
“Levamos até a escola para ensinar as pessoas a lidarem… com os seus traumas e seus sentimentos, através da poesia.” — Daniella Elizabeth
Beth ainda diz que:
“Minhas poesias são baseadas nas histórias que ouço a partir das palestras socioemocionais que ministro nas escolas da rede pública, através de um projeto que faço em escolas.”
O Poeta Matheus Augusto, 19, mais conhecido como Efêmero, integrante do Slam Granito, é estudante de psicologia e conta que iniciou seu contato com a escrita literária a partir de uma oficina de poesia, que foi realizada por um dos seus mentores, ainda no período escolar. Efêmero descreve que o slam:
“É uma batalha de poesia falada, onde os poetas podem batalhar com poesias autorais… as pessoas recitam uma poesia e recebem uma nota de zero a dez. A maior e menor nota são cortadas… Cada um tem uma temática, os jurados sempre mudam, a leitura da poesia também pode mudar.”
Em continuidade à fala do poeta, os slams também contam com performances artísticas em que as pessoas podem cantar, dançar e recitar poesias. Letícia Vitória, 17, jovem moradora e estudante do Pré-Vestibular Popular de Acari, traz em sua fala que através do slam ela pôde ver “o mundo se abrindo.”
“[Vejo] o mundo se abrindo, porque tive a oportunidade de conhecer outras perspectivas que ainda não conhecia. Passei a me conhecer de forma mais agradável e tenho tido a oportunidade de conhecer pessoas incríveis… o slam é um espaço acolhedor que proporciona novas visões de vida, que proporciona conhecer novas pessoas. A intenção de expandir o slam é fazer com que mais pessoas possam somar e ter a oportunidade de sentir essa experiência.” — Letícia Vitória
Agatha Luize, 16, também moradora de Acari, resume a importância dos slams.
“O slam é importante porque é cultura. O slam junta muita coisa, junta sentimentos, junta pautas… Acho que é importante que nossa favela e nossas crianças tenham acesso a essa cultura, pois muitas pessoas periféricas são privadas de atividades culturais. E acho muito importante trazer o slam, pois ele abre muitas portas e, assim, as pessoas e os jovens podem descobrir muitas coisas.” — Agatha Luize
Sobre a autora: Ingra Maciel, 31, moradora de Acari, atua no Museu da Vida como educadora, e é pós-graduada em ensino de História da África, pelo Colégio Pedro II, e em Direitos Humanos, Raça e Racismo pela ENSP/FIOCRUZ. Na graduação, desenvolveu sua pesquisa acerca da criminalização do funk carioca e o seu processo de resistência. Atualmente, vem estudando o funk carioca a partir da perspectiva pedagógica.