Associação Folclórica Bumba-meu-boi Brilho de Lucas Mantém Vivo o Folclore Maranhense em Parada de Lucas

Integrantes e brincantes do grupo folclórico Brilho de Lucas. Nas bandeiras, os membros do grupo que já morreram. Foto: AF Rodrigues
Integrantes e brincantes do grupo folclórico Brilho de Lucas. Nas bandeiras, os membros do grupo que já morreram. Foto: AF Rodrigues

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No mês em que se comemora o Dia do Folclore, conheça um pouco mais sobre como moradores de Parada de Lucas, Zona Norte do Rio de Janeiro, mantém vivo o bumba meu boi, manifestação folclórica nordestina, negra e indígena, fortemente ligada aos santos juninos.

“A matraca e o pandeiro que faz tremer o chão… Esta herança foi deixada por nossos avós. Hoje, cultivada por nós.”

Os versos dessa toada—cantigas e harmonias—remontam às tradições ancestrais do bumba meu boi, cultura típica do Maranhão, estado do Nordeste do Brasil. Contudo, mesmo bem longe de terras maranhenses, também ressoam na periferia carioca as toadas de boi, revividas e entoadas por gerações de migrantes nordestinos. Em Parada de Lucas, na Zona Norte do Rio de Janeiro, a Associação Folclórica Bumba-meu-boi Brilho de Lucas revive as memórias de Viana, município do interior do Maranhão. O grupo folclórico foi fundado na década de 1980 pela família Silva Costa e, hoje, conta com o apoio da família Rosa Castro, além de amigos. Juntos, trabalham para manter essa manifestação do folclore negro, indígena e nordestino viva na cidade maravilhosa.

Personagem principal da festa do Bumba meu boi. Foto: AF Rodrigues
Personagem principal da festa do bumba meu boi. Foto: AF Rodrigues

A Lenda do Bumba Meu Boi

Indígenas e cazumbá, personagens que compõem a narrativa do bumba meu boi. Foto: AF Rodrigues
Indígenas e cazumbá, personagens que compõem a narrativa do bumba meu boi. Foto: AF Rodrigues

A manifestação do boi é composta por uma narrativa que remonta à história do período escravocrata brasileiro. Segundo a lenda mais propagada no Maranhão, Mãe Catirina, quando estava grávida, tinha o desejo de comer a língua do boi mais bonito da fazenda. Para atender a vontade da sua esposa, Pai Francisco leva o boi para o mato e arranca a sua língua e oferece a ela.

Mas, logo em seguida, o Pai Francisco é descoberto pelo capataz da fazenda. Então ele é levado à presença do amo, que o ameaça de morte, caso o escravizado não consiga dar vida ao boi novamente. Para sair dessa, o Pai Francisco decide pedir ajuda aos cazumbás, indígenas e feiticeiros, que fazem um ritual em volta do animal, conseguindo assim ressuscitá-lo.

Para algumas tradições, o povo da mata ressuscita o boi. Já para outras, o filho da Mãe Catirina e Pai Francisco nasce com a língua do animal e pede aos pais para irem em direção ao boi e o sopra, fazendo com que ele reviva. A festa é realizada para celebrar a sua ressurreição.

Os festejos do bumba meu boi no Maranhão duram quase o ano inteiro. Começam na Páscoa, no Sábado de Aleluia, quando os grupos fazem os primeiros ensaios, que vão se estender até a primeira quinzena do mês de junho, quando ocorrem os ensaios redondos. No dia 23 de junho, na véspera do Dia de São João, acontecem os batismos dos bois, quando os grupos pedem licença do santo protetor dos bumbas para as brincadas. A partir desse ritual católico, começam as apresentações nos arraiáis, o ápice das festas juninas para os grupos folclóricos do Maranhão. E, por fim, de julho a dezembro, acontecem os rituais de morte dos bois, marco do encerramento do ciclo festivo do bumba meu boi.

Toada Carioca: Associação Folclórica Bumba-meu-boi Brilho de Lucas

As toadas de boi chegaram aos arraiáis de Parada de Lucas com a vinda dos migrantes maranhenses para o Rio de Janeiro. A história do Brilho de Lucas, por exemplo, começou em 1982, quando a família Silva Costa e amigos conterrâneos decidiram se juntar em um quintal para matar a saudade das terras maranhenses. Sem pretensão de se tornar um grupo grande, montaram um boizinho de aproximadamente 30cm, feito à mão. Fizeram uma batucada, cantaram as toadas e, assim, iniciaram a brincadeira.

“Era uma coisa mais pra reunir os amigos e parentes nos finais de semana, com um boizinho pequenininho, para batucar em latas, baldes, garrafas, tomar cerveja e comer as comidas típicas. Esse foi o motivo inicial. Aí, em 1987, decidimos fazer um boi adulto e levar para rua, onde a festa acontece até os dias atuais.” — Orlando Silva, presidente da Brilho de Lucas

O grupo é composto por membros da família Silva Costa, Rosa Castro e amigos. Eles começam a organizar a festa ainda em abril, para que as peças sejam montadas para os festejos do Dia do São João. A associação não possui uma sede para guardar seus materiais, que ficam espalhados pelas casas dos componentes e brincantes.

“Nesse período, a gente vê como estão as fantasias e tenta resgatar algumas peças. Muitas são bem antigas, algumas são doadas, outras compradas e outras feitas pela minha tia Helena e minha prima Lívia.” — Filipe Costa, artista plástico e integrante do Brilho de Lucas

A festa em homenagem a São João acontece anualmente na Rua Joaquim Rodrigues, em Parada de Lucas, e conta com uma vasta programação a fim de promover a valorização da cultura popular brasileira. Desde 2012, o evento promovido pelo Brilho de Lucas entrou para o calendário oficial de festas da cidade do Rio de Janeiro. As apresentações duram em torno de uma hora e meia e recebem cerca de 400 pessoas todos os anos.

Montagem do altar em Parada de Lucas para a festa de São João de 2023. Foto: AF Rodrigues
Montagem do altar em Parada de Lucas para a festa de São João de 2023. Foto: AF Rodrigues

Em 2023, o festejo contou com as apresentações dos grupos: Boi Daqui, oriundo do Recife; Império Carioca; Aturiá Carimbó, de Belém do Pará; Encanto Carioca; Boi Orquestra; e o Coletivo As Três Marias, que toca Tambor de Crioula, outra manifestação cultural de origem maranhense. O grupo folclórico Brilho de Lucas foi o responsável pelo encerramento do evento.

Ornamentação feita pelo grupo folclórico Brilho de Lucas no Dia de São João de 2023. Foto: AF Rodrigues
Ornamentação feita pelo grupo folclórico Brilho de Lucas no Dia de São João de 2023. Foto: AF Rodrigues

Para Filipe Costa, a festa do bumba meu boi é uma forma não só de popularizar o folclore nordestino no sudeste do país, mas, sobretudo, significa trazer o Maranhão para perto dos maranhenses que moram no Rio e que sentem falta de sua terra natal.

“A pessoa parece que desbloqueia uma memória… sair de um lugar onde nasceu e cresceu e ir para um lugar totalmente diferente, tentar a vida, como minha família fez quando veio de lá do Maranhão [é pesado]… então, [com o bumba meu boi] você se sente em casa, mata um pouco da saudade.” — Filipe Costa

A Musicalidade, o Sotaque e a Dança do Grupo Brilho de Lucas

Matracas (instrumento de madeira e pedaço de ferro), tambores, marcação, tarol (instrumento musical parecido com as caixas das baterias de escola de samba, orquestras de frevo e de maracatu) e apito são alguns dos instrumentos que compõem a musicalidade do grupo folclórico Brilho de Lucas. Por serem de Viana, município da Baixada Maranhense, o sotaque do boi do Brilho de Lucas é o sotaque da Baixada, também conhecido como pandeirão. Tal arranjo dá o ritmo para que os integrantes possam brincar e dançar ao som das toadas.

Orlando Silva frisa que, além do sotaque da Baixada, existem outros quatro tipos de sotaque no Estado do Maranhão: sotaque de orquestra, sotaque de zabumba, boi da ilha ou sotaque de matraca e sotaque de costa de mão. Segundo ele, “cada sotaque tem as toadas cantadas, que são tocadas de forma característica”. Dessa maneira, o conjunto de sotaque, vestimentas e instrumentos dos brincantes torna cada grupo único.

No que tange à dança e à corporeidade, no grupo folclórico Brilho de Lucas, a coreografia é realizada em sentido anti-horário. Essa configuração tem relação com a ancestralidade indígena, que ajudou a construir o bumba meu boi.

“A circularidade é uma forma de saudar o nosso sagrado. Antigamente, os indígenas dançavam em círculos para agradecer pela colheita. É uma forma de retornar ao passado. Na narrativa do boi, os espíritos da natureza são cultuados.” — Alice Costa, integrante da companhia

Pandeirão e bateria do grupo folclórico Brilho de Lucas. Foto: AF Rodrigues
Pandeirão e bateria do grupo folclórico Brilho de Lucas. Foto: AF Rodrigues

Sobre as autoras:

Carol Marinho é cria do Complexo do Alemão, mestra em relações Étnico-Raciais, educadora e jornalista.

Luana de Moraes é formada em jornalismo pela UFRRJ e possui especialização em gestão pública pela UEPG. Atua como jornalista freelance, redatora e revisora de textos para web.


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