Esta videorreportagem resgata memórias sobre o comunicador comunitário José Mendes da Silva, o eterno Zé do Caroço, que dá nome a um dos sambas mais famosos da história, de Leci Brandão, a partir de quatro entrevistados: Edmilson Alves da Silva, filho de Zé do Caroço, Luiz Carlos de Lima Junior, conhecido no morro como Bombeirinho, o Cantor Xande de Pilares e Vitor Bernardo, do coletivo Macacos Vive. Entre eles, é consenso que José Mendes da Silva “plantou uma semente de uma árvore que só ia dar sombra muitos anos depois, mas ele tinha certeza de que, no futuro, alguém ia desfrutar [dela]”.
“Está nascendo um novo líder (popular!)
no Morro do Pau da Bandeira.”Leci Brandão
Já avisava a cantora e compositora Leci Brandão. O trecho é de um samba lançado em 1985 sobre o comunicador comunitário José Mendes da Silva, o eterno Zé do Caroço, que dá nome à obra. A videorreportagem busca resgatar não somente memórias de quem conheceu o pernambucano em vida, como também quem o conheceu em legado. Ambientada no Complexo do Morro dos Macacos, onde fica o Pau da Bandeira, na Vila Isabel, Zona Norte do Rio de Janeiro, 20 anos após a morte de Zé do Caroço, a produção registra, em suas imagens, o pertencimento local e as vivências faveladas no território em que ele atuou a maior parte de sua vida.
Trajando uma camisa do Flamengo e um pingente de Nossa Senhora Aparecida pendurado no pescoço, Edmilson Alves da Silva fala da memória viva de seu pai. Aos 58 anos, ele demonstra sensibilidade, admiração e orgulho por ser filho de um dos pioneiros da comunicação de favela no Rio de Janeiro, além de ser protagonista de um dos sambas mais marcantes da história da música brasileira.
“Ele botou aquela boca de autofalante lá [em cima do morro] e uma mesa. Chegavam as correspondências, ele falava na rádio comunitária o nome das pessoas e as pessoas vinham pegar suas correspondências na tendinha. Era um serviço social de informação mesmo.” — Edmilson Alves da Silva
Essa mobilização criativa de José Mendes em seu território está eternizada na música de Leci Brandão:
“Num serviço de auto-falante
No morro do Pau da Bandeira
Quem avisa é o Zé do Caroço
Amanhã vai fazer alvoroço
Alertando a favela inteira!”Leci Brandão
Outro entrevistado foi Luiz Carlos de Lima Junior, mais conhecido como Bombeirinho, 59, morador do Morro dos Macacos. Ele analisa a potencialidade do legado de Zé do Caroço. Luiz faz questão de remarcar que José Mendes era muito popular e respeitado em Vila Isabel e que foi um dos pioneiros da comunicação de favela, ainda em meio à ditadura militar.
“Era uma pessoa de iniciativa coletiva muito boa. Era de um tempo onde as coisas eram censuradas e ele já falava, ele já quebrava essa coisa da censura… Existia aquela coisa do horário da novela. Era aí que o Zé do Caroço atacava: na conscientização sobre o preço dos mercados, da feira.” — Luiz Carlos de Lima Junior, Bombeirinho
Esse perfil engajado de José Mendes, relatado por Bombeirinho, também está marcado no imaginário social brasileiro graças ao sucesso de Leci Brandão:
“E o Zé do Caroço trabalha,
E o Zé do Caroço batalha,
E que malha o preço da feira.
E na hora que a televisão brasileira
Destrói toda a gente com a sua novela
É que o Zé põe a boca no mundo
Ele faz um discurso profundo
Ele quer ver o bem da favela!”Leci Brandão
O senhor de boina e camisa polo vermelha recorre a uma analogia sobre o plantio de uma árvore ao lembrar de Zé do Caroço: “Ele plantou uma semente de uma árvore que só ia dar sombra muitos anos depois, mas ele tinha certeza de que, no futuro, alguém ia desfrutar [dela]”. Para Bombeirinho, é evidente que o trabalho de José Mendes permanece vivo. Principalmente através de iniciativas comunitárias, como Macacos Vive, um coletivo de comunicação independente.
Vitor Bernardo, 30, fundador do coletivo Macacos Vive, nunca teve contato com Zé do Caroço. Mas, décadas depois, no mesmo território, o coletivo também surge como uma mídia comunitária independente, compartilhando o mesmo propósito que José Mendes tinha: informar a favela. Como advogado e cria do Morro dos Macacos, Vitor entende que as mídias comunitárias ajudam na disseminação de informações sobre os direitos dos moradores.
“[Zé do Caroço] tinha natureza de líder… ele conseguia fazer coisas que, em muitas comunidades, não se fazia. Pioneiro da rádio comunitária… A gente está falando disso décadas e décadas atrás, quando não existia nem celular. E ele, de certa forma, conseguia disseminar informações para dentro da comunidade, que a comunidade não tinha acesso. Ele não tinha Instagram, ele não tinha Facebook: ele tinha um autofalante no alto da favela, gritando para todo mundo o que a comunidade precisava ouvir… Zé do Caroço estava à frente de seu tempo.” — Vitor Bernardo
Também presente na videorreportagem, o ex-integrante do Grupo Revelação, o cantor Xande de Pilares, 53, cria do Morro da Chacrinha, no Complexo do Turano, na Tijuca, conta sobre a noite em que conheceu José Mendes. Além disso, ele relembra que cantava Zé do Caroço nas rodas de samba quando a música ainda nem tinha sido gravada por Leci Brandão.
“A gente fez uma regravação com a participação da Leci e a presença do Zé do Caroço, em uma casa de show chamada Olimpo, na Vila da Penha… o Zé do Caroço foi um cara [muito] considerado, tanto pelos moradores, quanto pelos compositores que frequentavam sua tendinha.” — Xande de Pilares
Assista à Videorreportagem Aqui.
Sobre a autora e produtora: Thayná de Souza, 27, é cria do Morro do Providência, Zona Portuária do Rio de Janeiro. Estudante de Jornalismo pela UFRJ, ama falar sobre música, cultura e direito à cidade, unindo sua vivência aos estudos da Comunicação. Atualmente, é jornalista do Voz das Comunidades e educadora no coletivo Mulheres Independentes da Providência (MIP – Casa Amarela).
Sobre a diretora: Amanda Botelho, 26, é jornalista e pós-graduada em Mídias Sociais. Cria do Morro da Formiga, na Tijuca, Zona Norte do Rio, começou na comunicação comunitária como repórter do Voz das Comunidades. Atualmente trabalha como repórter de vídeos no Estadão.
Sobre o editor: William Santos, 36, é formado em Cinema pela UFF e atua como cinegrafista desde os 14 anos. Nascido e criado em Irajá, Zona Norte do Rio, atuou no projeto Fala Serrinha e na ONG Voz das Comunidades. Atualmente realiza trabalhos independentes de captação de imagem e edição.
Sobre o videomaker: Brunno Paschoal, 30, é videomaker e produtor audiovisual. O morador do Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio, é dono-empreendedor da Storm Videos Criativos, que atua com produções audiovisual dentro e fora da favela, além de videomaker do Voz das Comunidades e editor de pós no programa de TV Bom dia Favela, na Band.