Nos EUA, ‘Termos Territoriais Coletivos’ Se Expandem de Nova Iorque à Califórnia, Gerando Mais Pessoas com Casa Própria

Shekinah Samaya-Thomas and Chris Samaya-Thomas compraram sua casa em East Oakland, California, através de um Termo Territorial Coletivo. Foto: Jim Wilson/The New York Times
Shekinah Samaya-Thomas and Chris Samaya-Thomas compraram sua casa em East Oakland, California, através de um Termo Territorial Coletivo. Foto: Jim Wilson/The New York Times

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Leia a matéria original por Claire Fahy, em inglês, no The New York Times aqui. O RioOnWatch traduz matérias do inglês para que brasileiros possam ter acesso e acompanhar temas ou análises cobertos fora do país que nem sempre são cobertos no Brasil.

No final do primeiro encontro de Shekinah Samaya-Thomas com seu agora marido Chris, ela deixou duas coisas muito claras: ela iria se casar—não necessariamente com ele—e ela teria uma casa própria.

Para duas pessoas que procuram estabelecer uma vida juntos na área da Baía de São Francisco, casar foi a parte fácil. Comprar uma casa foi outra história, no entanto. Ambos haviam passado pela situação de estar sem-teto e Chris não tinha crédito quando os dois se conheceram. Além disso, os preços de moradia em East Bay continuaram a subir.

Quando o casal finalmente encontrou uma corretora que trabalharia com eles, ela perguntou se eles já tinham ouvido falar do Termo Territorial Coletivo (TTC) de Oakland (Oakland Community Land Trust), uma organização local que compra e vende casas abaixo do preço de mercado, garantindo preços acessíveis para moradias no longo prazo.

Com a ajuda do TTC, há cerca de uma década, eles compraram sua casa em East Oakland—avaliada em US$166.000 (R$823.000)—por US$132.000 (R$655.000). O casal deu uma entrada de US$10.000 (R$50.000) e, além disso, recebeu um abatimento de US$20.000 (R$100.000) na hipoteca.

“Nas primeiras semanas, talvez até no primeiro mês em que estávamos na nossa casa, ele andava pela casa literalmente abraçando as paredes”, disse a professora Shekinah sobre seu marido, que trabalha na FedEx. “Ele abraçava as paredes e dizia: ‘Minha casa. Minha casa”.

Casa de Shekinah Samaya-Thomas e Chris Samaya-Thomas em East Oakland, Califórnia. A casa atualmente está avaliada em U$545.000, contudo, o TTC manteria este preço abaixo do de mercado, vendendo a casa por US$182.299. Foto: Jim Wilson/The New York Times
Casa de Shekinah Samaya-Thomas e Chris Samaya-Thomas em East Oakland, Califórnia. A casa atualmente está avaliada em U$545.000 (R$2.705.000), contudo, o TTC manteria este preço abaixo do de mercado, vendendo a casa por US$182.299 (R$908.000). Foto: Jim Wilson/The New York Times

Com base na política de revenda do TTC de Oakland, hoje, o casal poderia vender sua casa de volta ao TTC por cerca de US$182.299 (R$908.000) e esperar embolsar cerca de US$91.000 (R$452.000). O site imobiliário Redfin atualmente avalia a casa em US$545.000 (R$2.705.000).

Fundados durante a luta [dos 1960s] pelos direitos civis, os TTCs [norte-americanos] compram o terreno onde fica a casa e, normalmente, concedem um arrendamento de 99 anos aos proprietários das casas, garantindo um preço mais baixo porque os compradores estão tecnicamente comprando apenas a casa, não o terreno, de acordo com a Grounded Solutions Network. Quando os proprietários estão prontos para seguir em frente, eles vendem a casa de volta ao Termo Territorial Coletivo por um preço restrito e ainda podem ganhar patrimônio nessa operação, com base na política de revenda específica de cada TTC.

Nos últimos anos, os TTCs têm se expandido por todo o país—nem de longe em um ritmo rápido o bastante para combater a crise imobiliária nos Estados Unidos, mas o suficiente para que as pessoas os percebam. Existem 315 Termos Territoriais Coletivos em todo o país, enquanto, em 2018, havia 225, de acordo com estimativas do Centro para a Inovação de TTCs (Center for Community Land Trust Innovation), com sede em Madison, Wisconsin. Em 2006, haviam 162 TTCs, de acordo com John Davis, co-fundador de um Termo Territorial Coletivo em Vermont.

O Desafio É o Financiamento

Os Termos Territoriais Coletivos nos Estados Unidos podem receber financiamento por meio de vários métodos, incluindo subsídios do governo federal americano (através do Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano), programas governamentais estaduais e locais, investimentos privados e doações. O Senador Bernie Sanders, que, como prefeito de Burlington, no estado de Vermont, foi pioneiro na criação do maior TTC urbano, disse que US$500 milhões (R$2.483 milhões) em fundos especificamente destinados para os TTCs haviam sido incluídos no acordo fracassado Build Back Better, do Presidente Biden, e disse que está comprometido em aumentar o financiamento federal para os Termos Territoriais Coletivos.


O Que É Preciso Saber Sobre Habitação Acessível em Nova York?

O que saber sobre habitação acessível em Nova York? Parte 1

Uma crise em agravamento. A cidade de Nova York está passando por uma crise imobiliária terrível, a pior em mais de 50 anos, o que tornou a vida na cidade ainda mais cara e, cada vez mais, fora do alcance de muitas pessoas. Saiba mais a seguir:

O que saber sobre habitação acessível em Nova York? Parte 2

Um déficit habitacional de longa data. Embora a cidade pareça estar sempre crescendo e se expandindo, especialistas afirmam que isso não acontece rápido o suficiente para atender à demanda. As restrições de zoneamento e o custo de construção estão entre as barreiras para o aumento do parque habitacional. A união de apartamentos e a conversão de antigos prédios de múltiplas unidades em casas unifamiliares ajudaram a exacerbar o déficit habitacional.

O que saber sobre habitação acessível em Nova York? Parte 3

Um impasse político. Em 2023, parecia que os legisladores em Albany (capital do estado de Nova York) estavam próximos de fazer algo grande para ajudar a resolver a crise habitacional. No entanto, foram para casa sem fazer muito. Lideranças do estado de Nova York vão tentar novamente durante o ano legislativo de 2024, contudo, entrevistas com autoridades do estado ou da cidade, especialistas em habitação e ativistas sugerem que as chances de um grande acordo em favor do direito à moradia são difusas.

O que saber sobre habitação acessível em Nova York? Parte 4

Desafios para os inquilinos. A cidade de Nova York regula os aluguéis de muitos apartamentos. No entanto, mais de um terço dos locatários da cidade ainda são severamente impactados pelos preços dos aluguéis, o que significa que eles gastam mais de 50% de sua renda com aluguel. Da mesma maneira, o pagamento de sinais, depósitos ou calções e taxas de reserva estão em seus maiores níveis em anos.

O que saber sobre habitação acessível em Nova York? Parte 5

Habitação pública. Milhares de pessoas estão em listas de espera para habitação pública em edifícios supervisionados pela Autoridade de Habitação da Cidade de New York. Mas já se passaram anos desde que o sistema habitacional público da cidade recebeu fundos suficientes para lidar com os muitos problemas que o tornaram um símbolo de negligência. A queda nos pagamentos de aluguel dos moradores ameaça piorar as coisas.

O que saber sobre habitação acessível em Nova York? Parte 6

Em busca de soluções. O prefeito nova-iorquino Eric Adams apresentou um plano para lidar com a crise habitacional que poderia ter alguns efeitos significativos ao redor da cidade de Nova York. O plano possibilitaria a construção de 100.000 casas adicionais nos próximos 15 anos, sobretudo através de mudanças no código de zoneamento da cidade.


“Se eu tiver algo a dizer sobre isso, o governo federal fará um grande investimento não apenas em TTCs, um modelo importante, mas em moradias populares em geral”, disse o Senador Sanders. “Agora é a hora de resolver isso”.

A Câmara dos Vereadores da cidade de Nova York está considerando três projetos de lei que aumentariam os recursos para organizações habitacionais sem fins lucrativos—dentre eles especificamente os Termos Territoriais Coletivos. “No nível local, de quarteirão a quarteirão, tudo está sendo comprado e vendido para alguma empresa de fora do bairro, para corporações distantes”, disse Sandy Nurse, vereadora que representa o Distrito 37, no Brooklyn, e que apoiou o pacote. Seu distrito inclui Bushwick, Brownsville e East New York. “Há destruição acontecendo no nível do bairro e, de modo geral, tenho visto esses TTCs serem algo que as pessoas estão realmente otimistas e esperançosas como uma solução de longo prazo”.

O conceito do Termo Territorial Coletivo foi criado em 1969, com a fundação do TTC New Communities, em Lee County, no estado da Geórgia, um coletivo criado por fazendeiros negros que estavam sendo despejados de fazendas de brancos por terem participado do Movimento dos Direitos Civis. Fazendas onde, até então, viviam e trabalhavam.

Ao centro, Charles Sherrod com Julian Bond e Cleveland Sellers, todos membros do Comitê de Coordenação Não-Violenta do Estudante. Fazendeiros negros que participaram dos Movimentos dos Direitos Civis foram ameaçados de despejo. Fotos: Charles Kelly/AP
Ao centro, Charles Sherrod com Julian Bond e Cleveland Sellers, todos membros do Comitê de Coordenação Não-Violenta do Estudante. Fazendeiros negros que participaram dos Movimentos dos Direitos Civis foram ameaçados de despejo. Fotos: Charles Kelly/AP

Charles e Shirley Sherrod, mobilizadores do Comitê de Coordenação Não-Violenta do Estudante [uma organização histórica de referência do Movimento Negro norte-americano], estabeleceram a ideia de terras de propriedade cooperativa como uma solução para o problema dos fazendeiros negros. No verão de 1968, Charles viajou para Israel com uma equipe de oito pessoas, incluindo Slater King e Bob Swann, para ver em primeira mão como as pessoas haviam se reassentado lá, disse Charles, em uma entrevista recente. A delegação dele optou pelo modelo cooperativo dos Moshavim, que apresentava a propriedade individual das casas combinada com a propriedade comunitária da terra, disse John Davis, especialista em TTCs.

Slater King, que era corretor de imóveis, encontrou 5.735 acres de terras agrícolas disponíveis para venda no condado de Lee. Segundo Shirley, o grupo reuniu o valor de um ano de financiamento, incluindo uma concessão de planejamento do Escritório de Oportunidades Econômicas dos Estados Unidos, e comprou o que passou a ser a maior área de terra sob propriedade de negros nos Estados Unidos àquela época. Shirley disse que Charles, que morreu em outubro de 2022, tinha um ditado: “Todo o poder está na terra e a terra pertence a Deus”.

Depois de anos de assédio e de ataques politicamente motivados, que forçaram a execução hipotecária do TTC New Communities, Shirley disse que, em 1999, o TTC ganhou a maior indenização do processo Pigford vs. Glickman, que julgou o caso de racismo do governo federal estadunidense na alocação de fundos e linhas de crédito agrícolas com relação a fazendeiros negros nas décadas de 1980 e 1990. Isso lhes permitiu comprar 1.600 acres de antigas fazendas cuja propriedade era do maior escravista da Geórgia. O TTC ainda existe naquela propriedade hoje.

Contudo, o que mais impactou foi o modelo. Shirley disse que não entendia a amplitude dos Termos Territoriais Coletivos até 2016, quando assistiu a uma exibição em Nova York de The Arc of Justice, um documentário sobre o TTC que fundou, New Communities.

“Você não consegue imaginar o que aquilo me fez sentir”, disse Sherrod, 75 anos. “Naquele momento [de assistir o filme], eu não fazia ideia de que tantos estavam usando nosso modelo, criado a partir da luta do movimento pelos direitos civis, para lidar com a questão da moradia aqui neste país.”

O modelo do Termo Territorial Coletivo foi amplamente utilizado em comunidades rurais até a década de 1980, quando Cincinnati se tornou a primeira cidade a ter um TTC em um bairro urbano. Em 1984, o Senador Bernie Sanders, então prefeito de Burlington, criou um Termo Territorial Coletivo para ajudar a resolver a crise imobiliária de sua cidade.

O Modelo Principal em Nova York Cria Unidades para Aluguel

Em 2020, o TTC East Harlem El Barrio comprou quatro prédios de apartamentos que estavam em ruínas e que pertenciam à cidade de Nova York por apenas US$1 cada. A reforma das 38 unidades do prédio em unidades habitacionais permanentemente acessíveis e administradas por inquilinos custou cerca de US$13 milhões (R$65 milhões), financiados por meio de empréstimos de um credor habitacional sem fins lucrativos e do Departamento de Habitação e Preservação da cidade.

O TTC é dono do terreno onde estão os prédios. Pouco menos da metade das unidades será reservada para famílias que ganham até 35% da renda média da área (que é de US$38.000, ou R$189.000, por ano para uma família de três pessoas) e outras quatro unidades reservadas para aqueles que estão saindo do sistema de abrigos da cidade de Nova York. As unidades custarão entre US$770 (R$3.823) e US$2.600 (R$12.912) por mês para um apartamento de dois quartos e todos os apartamentos têm aluguel estabilizado, ou seja, regulamentado por leis da cidade voltadas a combater aumentos abusivos. Embora os quatro prédios sejam uma benção para o TTC e para o bairro, Athena Bernkopf, diretora de projetos do East Harlem, comparou esse processo a construir um barco enquanto está na água.

Ao redor dos EUA, ativistas também usaram TTCs de maneiras não tradicionais. No bairro de Leimert Park, em Los Angeles, os proprietários de negócios e estabelecimentos do bairro estavam sendo expulsos à medida que empresas maiores começaram a se instalar, então, Akil West, uma liderança comunitária, criou o TTC Propriedade e Controle Pretos (Black Owned and Operated Community Land Trust), focado na compra de um prédio comercial no Degnan Boulevard, uma via principal do bairro. Akil disse que as unidades comerciais do prédio serão alugadas para empresas locais por um preço de 10% a 20% abaixo do de mercado.

Steve King, diretor executivo do TTC de Oakland, disse que a Califórnia viu seu número de Termos Territoriais Coletivos dobrar nos últimos anos. A maioria deles, segundo Steve, foi fundada por pessoas negras em bairros urbanos que passaram por declínios na população e na taxa de casas próprias. Quase 45% das famílias negras são donas de suas casas, enquanto, entre famílias brancas, essa taxa é de mais de 74%.

Chris, que até a época de seu primeiro encontro com Shekinah nunca tinha tido um cartão de crédito, passou três anos aumentando sua pontuação de crédito para estar em posição de comprar uma casa em um TTC. Shekinah se certificou de que ela e seu marido permanecessem na linha para que, quando uma propriedade estivesse disponível, eles conseguissem atender a todos os critérios necessários para se candidatar a compra dela. Eles finalmente compraram sua casa em East Oakland em junho de 2012.

Shekinah, agora membro do conselho administrativo do TTC de Oakland, disse que as casas em seu bairro estão sendo vendidas atualmente por preços que variam entre US$275.000 (R$1.366.000) e US$375.000 (R$1.836.000)—quantia que, segundo ela, o casal não conseguiria pagar hoje, nem mesmo com a ajuda de um TTC.

Quando Jonathan e Grisel Lapham começaram a procurar uma casa em abril de 2022, eles ficaram intimidados com a competitividade do mercado na área de Logan Square, em Chicago, antes de se depararem com uma casa no Zillow, uma espécie de imobiliária online.

Grisel, 35, começou a estudar o conceito de TTC e descobriu que aquela casa havia sido vendida diretamente para o TTC Aqui para Ficar (Here to Stay Community Land Trust) por um morador de Logan Square. Joseph Lopez, membro do conselho administrativo do TTC Aqui para Ficar, disse que poucos proprietários ficam motivados a vender suas casas com desconto, mas algumas pessoas apoiaram a ideia quando perceberam o benefício que sua casa poderia ter para o bairro ao oferecer moradia a preços acessíveis para antigos moradores da região.

Jonathan, 38, dá treinamento em uma fábrica de biscoitos próxima, enquanto Grisel, cujo pai emigrou do México para Logan Square, dá aulas na terceira série. O casal comprou a casa em junho de 2022 por US$271.000 (R$1.347.000), 37% abaixo do valor de mercado de US$433.000 (R$2.151.000), disse Joseph.

“Queremos que esse modelo seja replicado não apenas em bairros de Chicago, mas em todos os Estados Unidos”, disse Grisel. “Não há razão para que as pessoas na faixa dos 30 anos não possam pagar uma casa para morar”.

Em Point Reyes, Califórnia, uma comunidade rural ao norte de São Francisco, Bobbi Loeb vendeu sua casa de US$1 milhão (R$1,97 milhões) para o TTC local por US$500.000 (R$2.484.000). A idade média em Point Reyes é de 68 anos, de acordo com o censo, e, assim, o TTC de West Marin começou a oferecer propriedades vitalícias para permitir que os residentes vendessem suas casas e continuassem morando nelas até morrerem.

Uma professora de pré-escola aposentada e sem vencimentos, Bobbi, 82, sobreviveu recebendo o Seguro Social do governo estadunidense e alugando as duas unidades sobressalentes em sua propriedade. Quando ela começou a lutar com o custo de manutenção da propriedade, ela pensou em vendê-la. Contudo, Bobbi não estava confiante de que poderia pagar outra casa em outro lugar na área da Baía de São Francisco e ela não queria deixar sua comunidade. Então, ela decidiu estabelecer um acordo de patrimônio vitalício com o TTC de West Marin.

“Até eu morrer, eu ficarei aqui”, ela disse alegremente. “É um bom negócio [pra mim], mas eles também fizeram um ótimo negócio, porque compraram meu imóvel pela metade do valor”.

Uma correção foi feita em 21 de julho de 2023: Em uma versão anterior deste artigo, afirmava-se erroneamente que Charles Sherrod, Shirley Sherrod e outros viajaram para Israel, em 1968, para ver como as pessoas se reassentaram por lá. Charles Sherrod, de fato, fez a viagem, no entanto, Shirley Sherrod não.

Sobre a autora: Claire Fahy é uma assistente editorial que mora em Nova York e cobre furos de reportagem, além de matérias em geral.

Kirsten Noyes contribuiu com a pesquisa.


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