Veja a matéria original por Sarah Goodyear em inglês no The Atlantic Cities aqui.
A morte a tiros de Trayvon Martin causou uma epidemia de ‘busca por explicações’ nos Estados Unidos. Desde que George Zimmerman puxou o gatilho naquele condomínio da Flórida, parece que toda a nação está ocupada tentando entender o que aconteceu e por quê. Queremos desesperadamente encontrar algum tipo de lição. Talvez estejamos buscando por redenção.
Pessoas que se preocupam com a forma como as nossas cidades e bairros são construídos e organizados não foram exceção. Em um post no Better! Cities and Towns Robert Steuteville afirmou que “um ambiente construído de forma excludente e mal planejada” foi um fator na morte de Martin.
O condomínio Retreat at Twin Lakes, onde Martin morreu, é o tipo de lugar que as pessoas escolhem para viver quando elas querem segurança–contra o crime, contra pessoas de fora, contra a incerteza econômica. É claro que isso nem sempre funciona assim. Segundo alguns argumentos, ao fomentar a suspeita e as divisões sociais, condomínios fechados, paradoxalmente, podem comprometer a segurança ao invés de aumentá-la. E, segundo Edward Blakely, autor de Fortress America, porque os condomínios, de alguma forma, desligam os moradores de sua comunidade exterior, eles podem “diminuir a noção de engajamento cívico e permitir que os moradores se abstenham de sua responsabilidade cívica”.
A prevalência de condomínios fechados tem aumentado constantemente nos Estados Unidos e no mundo desde 1960. Números oficiais são difíceis de obter, mas Blakely cita números do censo que mostram que entre 6 e 9 milhões de americanos vivem atrás dos muros destes condomínios.
Rico Benjamin, autor de Searching for Whitopia, escreveu no The New York Times:
Condomínios fechados criam um ciclo vicioso porque atraem moradores com um mesmo perfil que procuram abrigo do mundo exterior e cujo isolamento físico, então, piora a paranoia coletiva contra estranhos.
Eu conversei com Richard Schneider, professor de planejamento urbano e regional da Universidade da Flórida e especialista em prevenção ao crime de base local, para descobrir o que ele achava da discussão em torno da morte de Martin.
De acordo com Schneider, a resposta é que não existem respostas fáceis. “É difícil fazer uma generalização”, ele diz, ressaltando que existem muitos tipos diferentes de condomínios fechados que servem todo espectro econômico e social. Alguns deles são tranquilos, alguns não são. Alguns são racialmente misto (como é o Retreat at Twin Lakes), e alguns não são. Alguns são relativamente acessíveis–você pode encontrar condomínios para caravans e motorhomes–e alguns estão cheios de ‘McMansões’. Muitos deles são indistinguíveis de qualquer outro bairro suburbano. Será que o ambiente construído desempenhou um papel na morte de Martin? Adicione-o à lista de coisas que nunca poderemos realmente saber com certeza sobre este caso terrível.
Quanto a se definir se os condomínios fechados cumprem uma de suas principais promessas de venda–proteção contra crime–Schneider diz que as pesquisas até o momento têm sido inconclusivas. “Não é uma panacéia”, diz ele sobre erguer muros. “Você tem a mesma probabilidade de ser assaltado por seu vizinho, especialmente se há adolescentes na casa”. Os criminosos de fora também são rápidos para descobrir como entrar: “Eles aprendem o código através do entregador de pizza”, diz Schneider. “Os efeitos benéficos dos ‘muros’ se deterioram com o tempo”.
Condomínios fechados explodiram em popularidade nos Estados Unidos durante o final do século 20, mas Schneider aponta que eles são um fenômeno antigo: “Nós costumávamos chamá-los de castelos”, diz ele.
Hoje, nos locais onde a população urbana está crescendo mais rápido, como na Índia, os condomínios fechados estão cada vez mais na moda pelas mesmas razões que aqui nos Estados Unidos: segurança, prestígio, privacidade, exclusividade. Se os piores temores dos urbanistas sobre condomínios fechados são verdadeiros, a dimensão do que está acontecendo na Índia, China, Brasil, e muitos outros países em desenvolvimento em todo o mundo, é assustadora.
Tomemos o caso de Gurgaon, um bairro emergente de Nova Delhi, que surgiu nos últimos 20 anos a partir praticamente do nada. Agora, dezenas de empresas multinacionais se mudaram para lá, e mais de 1,5 milhões de pessoas vivem neste bairro. Para a classe média, os condomínios fechados são a escolha mais óbvia, a única forma de viver o sonho de riqueza no meio de um município disfuncional e caótico, sem qualquer planejamento.
Em um fascinante documentário de 2009 sobre Gurgaon, alguns de seus moradores mais privilegiados explicam o que eles buscam quando se mudam para um dos seus condomínios fechados.
“Eu queria segurança acima de tudo”, diz Shilpa Sonal, uma consultora de marketing que vive em um condomínio apropriadamente chamado Nirvana. “Somos sensíveis, temos pessoas que pensam como a gente no Nirvana…Então, nós nos entendemos. Essa é uma das melhores coisas que o Nirvana oferece”.
Os moradores destes complexos residenciais utilizam energia de geradores quando o sistema municipal falha (como frequentemente acontece), e estão protegidos contra o esgoto que corre pelas ruas fora dos muros. Em seus locais de trabalho, em seus clubes recreativos, em seus shoppings, eles estão constantemente encapsulados por infra-estrutura privada. “O futuro é esse tipo de espaço, onde se pode controlar as atividades públicas”, diz o sociólogo Sanjay Srivastava. “Estes espaços permitem interação entre pessoas que são semelhantes”.
Os moradores de luxuosos condomínios de Gurgaon não precisam pensar sobre os moradores de assentamentos precários que vivem a poucos metros de distância, e muitos deles, provavelmente, o fazem apenas raramente. Uma das mulheres no filme aparece dando a seus filhos quatro notas de 10 rúpias quando eles partiam para o clube de natação em seu carro 4×4. “Temos que encontrar quatro mendigos hoje”, ela anuncia alegre, explicando o quão útil 10 rúpias (cerca de 20 centavos de dólar) é para um membro da classe baixa da cidade.
Shilpa Sonal é diferente. Ela participa de um programa que ajuda a treinar as mulheres nas favelas de Gurgaon para costurar ou fazer artesanatos simples que podem dar-lhes uma renda extra. Ela reconhece perceptivamente a injustiça representada pelos portões que separam os condomínios fechados dos bairros pobres: “Eles olham para nós, mas não estão perto de nós”, ela diz sobre as pessoas que vivem em barracos a menos de um quilômetro de apartamentos que valem meio milhão de dólares ou mais. “O crime está crescendo. A cultura do shopping a que estão expostos é algo que é tão irreal, que eles nunca se sentirão parte dela. Quanto mais eles vêem, mais aumenta seu nível de frustração.”
Suas palavras ecoam os resultados apresentados em um relatório da ONU-Habitat em que Richard Schneider contribuiu:
Impactos significativos de condomínios fechados são percebidos na fragmentação espacial e social, real e potencial, das cidades, levando à redução da utilização e disponibilidade dos espaços públicos e aumento da polarização socioeconômica. Neste contexto, condomínios fechados têm sido caracterizados como tendo impactos contra-intuitivos, muitas vezes aumentando o crime e o medo do crime, na medida em que a classe média abandona as vias públicas para os pobres vulneráveis, as crianças e famílias de rua, e os criminosos que se aproveitam deles. Tais resultados também tendem a ampliar as lacunas entre as classes sociais de tal maneira que os cidadãos mais ricos que vivem em enclaves urbanos relativamente homogêneos, protegidos pelas forças de segurança privadas, têm menos necessidade ou oportunidade de interagir com outros cidadãos, estes mais pobres.
Sonal gosta da casa que ela construiu para sua família por trás dos portões de seu condomínio, mas ela reconhece que, talvez, os muros proporcionam uma falsa sensação de segurança: “É tão irreal que é como uma bolha que vai estourar”, diz ela. “Por quanto tempo você pode manter as coisas separadas?”
Se o caso de Trayvon Martin mostrou-nos alguma coisa, é que os problemas de uma sociedade–a desigualdade, racismo e medo entre eles–não têm nenhuma dificuldade em atravessar os portões.