Para a comunidade de Varginha no Complexo de Manguinhos, a visita iminente do Papa Francisco é uma grande honra. Luiz Soares, 40, que mora em Varginha desde 1995, diz: “Uma pessoa famosa e respeitada por todo o mundo irá pisar no mesmo chão que a gente vive e mora”, comparando-o com a grande honra da visita de Madre Teresa na comunidade em 1972.
Luiz, coordenador da Biblioteca Parque Manguinhos e estudante de Serviço Social, também fala sobre como a comunidade está sendo preparada para a visita, descrevendo as autoridades realizando uma rápida limpeza da área ao redor da capela de São Jerônimo, onde o Papa fará a missa. Ele comenta: “Agora a gente vê uns serviços que a gente não vê com tanta freqüência. Estão preparando a comunidade, asfaltando, pintando, fazendo calçada onde sempre foi terra batida, podando árvores para reduzir os insetos. A equipe de dengue está vindo”.
Enquanto os serviços rápidos de limpeza, como nos conta Luiz, podem não ser uma ocorrência regular na comunidade, há muitos sinais visíveis de intervenções recentes do governo em Manguinhos. Desde que o PAC foi lançado na comunidade pelo então presidente Lula em março de 2008, Manguinhos recebeu como parte do PAC um centro cívico, projetos habitacionais, biblioteca, centro de mulheres, e uma renovação da estação de trem e arredores. Na semana passada, na terça-feira 26 de julho, o Governador Sérgio Cabral inaugurou o mais novo projeto: Casa do Trabalhador para oferecer 30 cursos de formação profissional nas áreas de bar tender, eventos, cuidador/a, e maquiagem.
Todos estes desenvolvimentos e mais foram listados como promessas do PAC pelo então Presidente Lula em seu discurso no lançamento do programa, em Manguinhos, em 2008. Antes da menção de parques, ciclovias, parques de skate, centro de esportes, quiosques e um anfiteatro, em meio a uma lista de outras melhorias de infra-estrutura por vir, Lula fez uma promessa chave para resolver o problema mais urgente da favela: o saneamento básico. No entanto, cinco anos depois, os moradores dizem que a mais urgente das necessidades continua a ser negligenciada, com moradores em muitos casos se encontrando em piores condições após as obras do PAC na comunidade.
Construído sobre uma área de mangue às margens da Baía de Guanabara, Manguinhos vem sofrendo por muito tempo com problemas de saneamento. Vários canais percorrem a favela e frequentemente há inundações durante as fortes chuvas, um problema que tem sido agravado pelo entulho despejado nos projetos de construção. Junto com o vizinho Complexo do Alemão, o esgoto da região é precariamente canalizado para o Rio Faria-Timbó, que descarrega na Baía de Guanabara. A necessidade e o projeto para o canal de drenagem, e a instalação de um tubo de coleta de esgoto para o transporte com segurança do esgoto para um centro de tratamento, não poluindo a Baía, já existe desde a década de 80, e fez parte do mal gerido Programa de Despoluição da Baía de Guanabara de 1990. Promessas para instalação dos tubos de coleta de esgoto, em breve, foram renovadas com o PAC, em especial na segunda fase do programa, o PAC 2.
Em outubro de 2010, o governo do Estado do Rio anunciou que R$800 milhões seriam gastos em obras de saneamento no Rio e que o tubo de coleta de esgoto do Rio Faria-Timbó seria lançado nos meses seguintes. Em julho de 2011, o gerente executivo do Programa de Saneamento Ambiental dos Municípios do Entorno da Baia de Guanabara (Psam), Gelson Serva, anunciou R$1 bilhão para os planos de saneamento no Rio até os Jogos Olímpicos de 2016, incluindo a construção de dois tubos de coleta de esgoto para o Rio Faria-Timbó e Manguinhos. Onze meses depois, em junho de 2012, o presidente da Caixa Econômica Federal ao lado do Governador Sérgio Cabral, e do presidente da Cedae Wagner Victor, anunciaram R$176 milhões para o financiamento da instalação do tubo de coleta de esgoto Faria-Timbó para servir aos moradores de Manguinhos, do Complexo do Alemão e da Maré, com 6,1 km de tubos para o transporte de 1,9 litros de esgoto por segundo. Quatro meses depois, em outubro de 2012, o presidente da Cedae anunciou o mesmo projeto, desta vez com um orçamento de R$250 milhões, para a construção de uma rede de coleta de esgoto para o Rio Faria-Timbó com a construção para começar dentro dos próximos três meses.
Os moradores já estão cansados após duas décadas de anúncios que não se traduzem em ação e resultados. Ao relatar o anúncio de outubro de 2012 o jornal comunitário Maré de Notícias escreveu: “Caso o investimento anunciado seja realmente feito, os problemas seriam minimizados”. A dúvida não é sem razão. No mais recente anúncio feito pelo presidente da Cedae em 4 de junho, em relação às promessas de saneamento Olímpicos, Victor apenas falou “em reduzir os despejos que vêm do Rio Faria-Timbó e que deságuam na Baia de Guanabara”. Não houve nenhuma menção do tubo de coleta de esgoto.
Protelar sem agir sobre uma questão tão essencial por tanto tempo, enquanto grandes somas públicas são anunciadas para a implementação de um projeto que não é implementado é, na melhor das hipóteses, negligência grave. Isto perpetua condições que têm graves impactos sobre a saúde de moradores e impede todos os esforços de desenvolvimento, bem o que o PAC visa explicitamente acelerar. Devido a esta negligência, apesar das intervenções visíveis na comunidade, recentemente a revista TIME descreveu Manguinhos resumindo-a como um “slum (favela precária) miserável”.
Uma pesquisa mostra que os gastos com saúde e saneamento são mais eficazes no combate à pobreza. O Instituto Trata Brasil, informa que a cada ano no Brasil 270 mil pessoas têm de se afastar do trabalho ou da escola devido a problemas de estômago causados pela falta de acesso a um sistema de esgoto adequado. Eles relatam que 11% das faltas no trabalho são devido a problemas relacionados com a falta de acesso a sistemas de saneamento e calculam que tais ausências custam R$238 milhões por ano. Além disso, a diferença entre o comparecimento escolar entre crianças que têm e que não têm acesso a sistemas de saneamento adequados é de 18%.
Depois de cinco anos do PAC em Manguinhos, as favelas ainda aguardam melhorias no saneamento. O Coordenador do Laboratório de Direitos Humanos e morador de Manguinhos há 15 anos, Fernando Soares explica: “A situação de saneamento não melhorou. Pelo contrário, piorou, foi agravada. E isso para o geral. Para quem está na área de remoção, piorou muito a ponto de estar em condições de calamidade”.
Desde 2009, diversas áreas de Manguinhos foram submetidas a um processo violento de remoção, particularmente nas áreas de Beira-Rio e Beira-Linha a algumas centenas de metros à frente da capela de São Jerônimo que o Papa Francisco irá visitar. As casas semi-demolidas desocupadas, adjacentes a casas ainda ocupadas situadas no meio dos escombros são claramente visíveis a partir da capela, e aqueles que ainda residem nesta área–muitos dos quais estão desesperados para sair, após terem assinado documentos e continuando aguardando a compensação ou uma habitação alternativa–convivem com fluxos de esgoto à céu aberto e com água estagnada nos becos. De acordo com Fernando, três moradores morreram este ano de problemas de saúde provocados pela situação de remoção.
Para Fernando, as remoções e as questões de saneamento são os maiores problemas enfrentados hoje em Manguinhos e são consequências diretas da falta de participação da comunidade no PAC. Ele diz: “Tudo isso está acontecendo devido a esse processo de urbanização que está sendo feito do alto, de cima para baixo. Houveram audiências públicas porque pela lei tem que acontecer, mas as denúncias feitas pela comunidade na época não foram levadas em consideração”.
As queixas de falta de participação remonta há vários anos. Após as fortes chuvas de 2010, o Fórum Social de Manguinhos lançou um comunicado dizendo que: “Infelizmente, os gestores do PAC-Manguinhos, Governo do Estado e Prefeitura não permitiram a participação efetiva das comunidades junto aos projetos e no atendimento as reivindicações dos moradores, o que poderia ter evitado os problemas ocorridos nos projetos e nas obras, questionados pelos moradores e por suas associações. No PAC as obras chegaram antes de um planejamento que poderia ter sido efetivamente participativo e formulador de políticas públicas integradas”.
Enquanto os projetos, sem glamour porém urgentemente necessários, de infraestrutura de saneamento permanecerem vagarosamente vindo, os moradores de Varginha, ao acolher o chefe da maior religião do Brasil, podem contar com a atenção do mundo para sua comunidade, e em antecipação receber serviços básicos que, de acordo com Luiz, nunca foram recebidos com tal velocidade e dedicação. Ele está muito feliz em ver isto, mas diz que é decepcionante que tenha sido necessária a requisição de um grande visitante internacional para a prestação dos serviços. “Seria mais prazeroso se ele viesse e ninguém precisasse fazer nenhuma operação extraordinária e encontrasse tudo no lugar”.
Os moradores estão atentos para usar a atenção sobre a sua comunidade, com a visita do Papa nesta manhã de quinta-feira, para dar visibilidade às violações dos direitos humanos e as pobres condições de saúde e saneamento em Manguinhos. Uma manifestação está planejada, incluindo um memorial para a moradora de Beira-Rio, Dejanira Nascimento, destacada neste artigo do RioOnWatch de março de 2013, que faleceu na semana passada. O evento será realizado a partir das 8:30h em Beira-Rio, próximo à estação de trem de Manguinhos, na Avenida Leopoldo Bulhões. Para mais informações, consulte a página do evento no Facebook.