Este é o refrão ouvido e clamado mais alto por manifestantes de favelas em toda a cidade nestas últimas semanas de protesto, mas ele ainda soa com um peso especial vindo da Associação de Moradores da Vila Autódromo, que obtêm reconhecimento internacional por sua luta criativa e dedicada contra a remoção: “Nós construímos a nossa comunidade. Temos o direito de estar aqui. Nós vamos ficar!”.
Os moradores da Vila Autódromo e aliados organizaram um ato começando na comunidade, caminhando pela área circundante, no sábado passado, 20 de julho, para expressar solidariedade pela luta da comunidade por suas terras e de todas as favelas que lutam pelo direito constitucional a moradia, bem como a desaprovação da militarização das favelas pelas forças policiais estaduais. Os organizadores planejaram a passeata para demonstrar que a oposição da comunidade à ameaça de remoção continua firme. Tendo em conta os fortes direitos legais da comunidade, o Prefeito tem repetidamente afirmado que a maioria dos moradores querem sair (70% de acordo com ele em um encontro recente) quando a Associação de Moradores e o Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria Pública do Estado registraram exatamente o contrário.
Os moradores da Vila Autódromo foram determinados ao protesto de sábado, devido aos conflitos ocorridos nas semanas anteriores, incluindo a chegada de representantes da Prefeitura tentando convencer os moradores a se inscreverem para as unidades do conjunto habitacional que está sendo construído a um quilômetro de distância. Esses contratados da Secretaria Municipal de Habitação (SMH), liderados por Marli Peçanha, tinham entrado na Vila Autódromo anteriormente em março, indo de porta em porta pressionando os moradores a se inscreverem para o reassentamento. Além dos moradores possuírem títulos individuais de terra, a comunidade como um todo tem uma concessão de uso de 99 anos, o que significa que a única forma da Prefeitura realizar a remoção, algo que tem sido a meta de vários políticos usando várias justificativas, desde 1992, é se os moradores concordarem, com o seu próprio livre arbítrio, de receber pagamentos indenizatórios ou unidades em um conjunto habitacional público. Segundo a legislação brasileira, deve ser dada uma compensação justa em caso de reassentamento. Folhetos coloridos e até mesmo um passeio de ônibus foram oferecidos para os moradores da Vila Autódromo, visando convencê-los da qualidade de vida no novo Parque Carioca, que está em fase de desenvolvimento. Mas muitos moradores estão descontentes com o pequeno tamanho das unidades individuais e o que é visto como um estilo de desenvolvimento que contradiz as necessidades dos moradores, e eles também são céticos em relação à qualidade dos edifícios devido a problemas como rachaduras e inundações em outros projetos habitacionais terminados pela Prefeitura nos últimos três anos.
Em 2012, moradores da Vila Autódromo trabalharam com alunos e professores de planejamento urbano da UFRJ e da UFF, para criarem um Plano Popular de urbanização com custos representando uma pequena fracção, inclusive com casas de melhor qualidade, do que o da proposta de realocação, e a maioria dos moradores da comunidade apóiam o plano. O plano foi entregue ao Prefeito Eduardo Paes em agosto de 2012, e o prefeito prometeu uma resposta em 40 dias. Até hoje nenhuma resposta foi dada. Em vez disso, a mais recente estratégia da Prefeitura tem sido a de aproximação aos moradores incertos ou aqueles que não compreendem plenamente os seus direitos para tentar convencê-los, e fazê-los sentir que o reassentamento é inevitável.
No mês passado, na semana de 24 de junho, representantes da Prefeitura tentaram uma tática adicional: cinco casas espalhadas pela comunidade foram marcadas para remoção. Remoções dispersas tornaram-se uma estratégia conhecida para enfraquecer a resistência ao longo dos últimos anos, em que a presença de entulho das casas demolidas atrai uma série de problemas, tornando a vida insuportável para aqueles que permanecem, enquanto ao mesmo tempo passa uma forte mensagem de que sua expulsão é iminente. Como tal, os líderes da Vila Autódromo contataram a Defensoria Pública de imediato, que em seguida, notificou a Prefeitura da concessão de uso dos moradores e uma ordem judicial proibindo a demolição de casas na comunidade.
Visitas da Prefeitura
Na manhã de 28 de junho, ao longo de várias horas, quatro pessoas diferentes tentaram entrar na Vila Autódromo alegando que estavam indo visitar amigos na comunidade. Por conta das ameaças da semana anterior, moradores suspeitaram que estas visitas eram tentativas disfarçadas por parte das autoridades para realizar remoções ou intimidar vizinhos para assinar acordos de reassentamento, e então criaram uma barreira humana na entrada da comunidade. Eles também pediram a esses visitantes não identificados para chamarem seus amigos da comunidade para encontrá-los ali na entrada. Como ninguém veio de dentro da comunidade, eles foram convidados a sair.
Ao meio-dia, dois dos visitantes voltaram com Marli Peçanha, outros três representantes da SMH, e quatro policiais militares, um dos quais carregava um fuzil bem visível.
Marli Peçanha empurrou-se em meio a multidão dizendo em voz alta que ela tinha vindo para conversar com os moradores. “Estamos todos aqui”, disse Altair Guimarães, presidente da Associação de Moradores da Vila Autódromo. “Todos nós podemos falar aqui, sem força. O que você gostaria de dizer?”.
Marli Peçanha e Altair Guimarães tiveram uma conversa intensa, de mais de meia hora, com os moradores, policiais, funcionários municipais e jornalistas que se reuniram ao redor. Mais de uma vez, Marli pediu para Altair falar com ela longe da multidão. Altair leu a notificação emitida pela Defensoria Pública, e as dezenas de moradores que estavam ali reunidos romperam em gritos de: “Fora, Prefeitura!”.
Altair disse a Marli e a seus colegas que não tinham o direito de entrar na comunidade com força e por meio de táticas enganosas, e se ela queria abordar os moradores, ela poderia fazê-lo na entrada da comunidade. Ele reconheceu que era a escolha individual de cada morador querer ou não ficar na Vila Autódromo, mas pela maioria dos moradores que querem ficar, ele não aceitaria intimidações.
Após 40 minutos, os funcionários da Prefeitura se comprometeram com uma reunião agendada com um pequeno grupo de representantes da Vila Autódromo fora da comunidade e foram embora com os dois carros de polícia seguindo-os. Os moradores aplaudiram.
Manifestação
Nas semanas seguintes, a reunião com as autoridades da Prefeitura foi adiada e depois cancelada, e Inalva Mendes Brito, membro da Associação de Moradores, participou de várias reuniões de diferentes movimentos sociais na cidade para falar o porquê da importância de ter um protesto na Vila Autódromo neste determinado momento. “Esta é uma batalha de décadas”, disse ela, “Vila Autódromo mobilizou suas redes e seus aliados para derrotar o último avanço da Prefeitura, e tem um papel simbólico nas conversas da cidade sobre remoções de favelas”.
Sábado à tarde, em torno de duas horas, mais de 500 pessoas reuniram-se na Vila Autódromo para ouvir as falas dos moradores. Eles, então, saíram pela Avenida Embaixador Abelardo Bueno com um carro de som e um número crescente de policiais à frente e atrás, passando pelas placas do futuro Parque Olímpico, agitando bandeiras representando o Movimento Nacional de Luta pela Moradia, a Pastoral das Favelas, o Favela Não Se Cala, e a comunidade do Horto. Inalva usava o chapéu vermelho do saci, o mascote da Copa das Remoções, um evento de resistência organizado pelo Comitê Popular Rio da Copa e Olimpíadas. O protesto de sábado foi transmitido ao vivo pela Mídia Ninja.
Naquela manhã, algumas das faixas mais poderosas foram as da Vila Autódromo, como o “Minha Casa, Minha Vida é a que construí aqui”, e mais um cartaz listando diferentes avanços da comunidade em sua jornada para permanecer ao longo dos anos.
Depois de mais de um quilômetro, a marcha deu a volta e passou novamente pela Vila Autódromo e então virou à direita um pouco para o norte indo para Curicica, quando anoiteceu. Quando o grupo passou pela Asa Branca, uma favela vizinha, à direita, e por várias outras à esquerda, Carlos Alberto Costa, conhecido como “Bezerra”, presidente da Associação de Moradores falou no microfone do carro de som em apoio à Vila Autódromo: “A ameaça de remoção é algo que pode acontecer a todos nós”, disse ele. Os moradores da Asa Branca saíram para fora de suas casas para assistir a passeata.
A próxima parada foi a Central Globo de Produção, onde os manifestantes desfraldaram suas bandeiras na frente dos guardas na entrada e iniciaram uma série de discursos sobre o papel dos meios de comunicação em apoio ao desejo do Estado de remover favelas e criminalizar seus moradores. “Os mesmos meios de comunicação que apoiaram a ditadura no Brasil estão suprimindo nossa narrativa agora”, Disse Altair Guimarães.
Evanilde Maria Jesus, 41 anos, moradora da Vila Autódromo participou do protesto com sua filha, que enfaticamente carregava um cartaz e discursou na frente da Globo. Evanilde disse que originalmente considerou a ideia de se mudar para o conjunto, mas quanto mais ela aprendeu sobre o assunto e entendia os esforços de unificação da comunidade, mais ela preferia ficar onde estava: “Estou determinada a continuar a viver na Vila Autódromo”.
A manifestação terminou em frente ao próprio projeto habitacional proposto: o Parque Carioca. “Nós não queremos isso”, gritavam os manifestantes e espalhavam seus cartazes na cerca da frente do canteiro de obras. Após aplausos, fotos do grupo, e os participantes adentrando a noite, um pequeno cartaz permaneceu colado num gigante cartaz de uma família sorridente promovendo o projeto habitacional: “Não a remoção. Queremos moradia, saúde e educação”.