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Esta é a segunda matéria de uma série de três sobre tradições carnavalescas de favelas e periferias, que trata, respectivamente sobre: Bate-Bolas, forte tradição nas zonas Norte, Oeste e na Baixada Fluminense; Agremiações da Série Prata e Bronze, em sua maioria, escolas de samba de favela; e Bloco Se Benze Que Dá (SBQD), do Conjunto de Favelas da Maré. Elas representam estes Rios desiguais, que insistem em (re)existir em forma de arte e purpurina.
Longe dos holofotes do Sambódromo, o carnaval das favelas e periferias revela a força do trabalho comunitário como agente de construção da folia. Neste cenário de contrastes, moradores de favelas e periferias da Região Metropolitana são os responsáveis por resguardar as tradições e a cultura popular do carnaval. Seja por amor, paixão ou ativismo, ninguém abre mão de colocar o carnaval na rua, mesmo com poucos recursos.
Séries Prata e Bronze 2024: Irreverência e Crítica Social de Volta a Intendente Magalhães
Os desfiles das escolas de samba do Rio não ficam restritos ao Sambódromo da Marquês de Sapucaí. As agremiações das séries Prata e Bronze do carnaval, por exemplo, tradicionalmente desfilam na Estrada Intendente Magalhães, onde volta a desfilar em 2024. Em 2023, devido à violência, houve o deslocamento dos desfiles deste palco popular do samba carioca para a Avenida Ernani Cardoso, apelidada, então, de Nova Intendente.
Em 2024, o carnaval da Intendente apresenta o “Supercarnaval de Sustentabilidade“, um projeto inovador que alia a alegria e folia à responsabilidade ambiental. Ecopontos serão instalados ao longo da Estrada Intendente Magalhães para garantir a gestão adequada dos resíduos e a diminuição das emissões de carbono. A meta ambiciosa é reciclar mais de 260 toneladas de materiais, demonstrando o compromisso do carnaval com a preservação do meio ambiente. Ao todo, 73 agremiações compõem a Superliga Carnavalesca, distribuídas entre Série Prata (32), Bronze (22) e do Grupo de Avaliação (16)—além das escolas associadas que não desfilam. Os desfiles de todas essas escolas acontecem entre os dias 11 e 17 de fevereiro.
G.R.E.S. Acadêmicos do Engenho da Rainha: Morro do Engenho Toma a Intendente
Na Série Prata, ao menos, 20 agremiações são oriundas de favelas da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, mais de 60% das escolas do grupo. Entre elas está o Grêmio Recreativo Escola de Samba Acadêmicos do Engenho da Rainha, cuja quadra está localizada aos pés do Morro do Engenho da Rainha, com cerca de 5.000 moradores na Zona Norte.
Neste ano, a vermelho e branco do Engenho da Rainha levará para a Intendente a mitologia tupi: Rudá, a criação do mundo em um conto de amor. A escola contará a lenda de Guaraci e Jaci, ou seja, a lenda do Sol e da Lua, que, “para ficarem juntos, tiveram que criar Rudá, o amor, pois o mesmo não conhecia luz ou escuridão, assim unindo o Sol e a Lua durante a alvorada”, explica o carnavalesco Alexandre Gonçalves.
Em 2024, assim como em 2023, o enredo da agremiação de Engenho da Rainha foi desenvolvido em parceria. Em 2023, o carnavalesco Alexandre Gonçalves desenvolveu o carnaval com Pauline Abreu, a primeira carnavalesca negra no carnaval carioca em décadas. Em 2024, a dobradinha é com Felipe Midass.
Apesar de ser uma festa negra, ainda existem poucas mulheres negras carnavalescas no Rio de Janeiro. Neste cenário, Pauline Abreu e Winnie Nicolau, carnavalesca da escola de samba mirim Pimpolhos da Grande Rio, destacam-se como referências.
“A gente é sempre confundida, né? Ainda mais nessa área do carnaval. Eu não sou passista! E não falo isso com nenhum sentido de desmerecimento. Ao contrário, faço as fantasias com todo amor e apreço. Todo mundo tem função essencial no mundo do carnaval… Porém, eu sou da linha de criação e pesquisa. Eu quero poder trabalhar e ser reconhecida nesse lugar. É cansativo esse olhar para a mulher negra no carnaval, sempre colocando ela como uma participante e não em um lugar de criatividade, de produção e de construção do carnaval.” — Pauline Abreu
Igual a outras escolas de favela da série Prata e Bronze, a vermelho e branco do Engenho da Rainha conta com poucos recursos, mas uma comunidade dedicada. São apenas onze pessoas para produzir todas as alegorias e fantasias, sendo quatro costureiras na quadra da escola e outros cinco trabalhadores no barracão, localizado no Centro.
“É muito amor à escola. Entrei para ajudar a agremiação a ter mais segurança, porque era tudo muito inseguro… E já estou aqui há mais de 50 anos. Eu e uma rapaziada construímos esse ‘terreiro’ aqui.” — Luís Fernando, o Tio Fuzaka
Morador do bairro do Engenho da Rainha, Luís Fernando cresceu nos arredores da quadra da escola, que era dentro do Morro do Engenho. Na década de 1970, a agremiação construiu, na base do mutirão, a nova quadra, toda ornada de vermelho e branco, inclusive com direito a altar para São Jorge.
Em 2024, a agremiação sonha com o primeiro lugar para subir para a Série Ouro e, enfim, poder desfilar na Sapucaí no Carnaval 2025. Em 2023, as grandes campeãs da Série Prata foram as escolas Sereno de Campo Grande, União de Maricá e União do Parque Acari. As agremiações da Série Prata vão se apresentar nos dias 13 e 16 de fevereiro, enquanto as da Série Bronze tomarão a Intendente nos dias 12 e 17 de fevereiro.
Esta é a segunda matéria de uma série de três sobre tradições carnavalescas de favelas e periferias.
Sobre a autora: Tatiana Lima é jornalista, comunicadora popular e coordenadora de jornalismo do jornal Fala Roça, Mestra em Mídia e Cotidiano pela UFF e doutoranda em Comunicação pela mesma instituição. Integrante do Grupo de Pesquisa Pesquisadores Em Movimento do Complexo do Alemão, ainda atua como professora de técnicas de reportagem no Curso de Comunicação Popular do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC). Feminista negra, cria da Favela do Quitungo e do Morro do Tuiuti, hoje é moradora do asfalto periférico do subúrbio do Rio.