Marielle Vive! Em Maricá, Projeto Corujinhas Oferece Rede de Apoio para Mães e Pais Solos no Período Noturno

Espaço do Projeto Corujinhas, que oferece rede de apoio, em Maricá, a mães e pais solo que estudam e trabalham à noite e não tenham com quem deixar seus filhos. Foto: Secretaria Municipal de Educação de Maricá
Espaço do Projeto Corujinhas, que oferece rede de apoio, em Maricá, a mães e pais solo que estudam e trabalham à noite e não tenham com quem deixar seus filhos. Foto: Secretaria Municipal de Educação de Maricá

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Neste Dia Internacional das Mulheres, aproximando-se do sexto aniversário do feminicídio político de Marielle Franco, esta matéria reivindica o legado parlamentar de Marielle, através de um projeto da Prefeitura de Maricá, que traz esperança, especialmente, para mulheres, mães solo da cidade do Leste Fluminense: o Projeto Corujinhas.

Em seu mandato, a Vereadora Marielle Franco criou, junto ao Vereador Tarcísio Motta, a Lei 6.419/2018, chamada de Lei do Espaço Coruja, para atender filhos de casais, mães e pais solos que queiram estudar ou trabalhar à noite, fora do horário da escola das crianças, e não tenham com quem deixar seus filhos em segurança. Para a grande maioria dos jovens e adultos, estudar não se resume apenas à dedicação aos livros. Da mesma forma, para as mulheres negras mães, trabalhar envolve muito mais do que conseguir um emprego. Elas precisam de incentivo familiar, de uma rede de apoio e de iniciativos do poder público para não evadir da sala de aula, pois a primeira preocupação é: com quem deixar as crianças? Essa pergunta é a causa da evasão escolar sobretudo de mulheres negras, que param de estudar ou trabalhar para maternar.

Espaço Coruja: um Legado de Marielle Franco para a Infância

Legado de Marielle Franco, Projeto Corujinhas, da Prefeitura de Maricá, oferece rede de apoio a mães e pais solo que estudam e trabalham à noite e não tenham com quem deixar seus filhos. Foto: Secretaria Municipal de Educação de Maricá
Legado de Marielle Franco, Projeto Corujinhas, da Prefeitura de Maricá, oferece rede de apoio a mães e pais solo que estudam e trabalham à noite e não tenham com quem deixar seus filhos. Foto: Secretaria Municipal de Educação de Maricá

A necessidade de conciliar estudos, trabalho e cuidado com os filhos é um desafio real para muitas pessoas, principalmente para mulheres, negras, mães, de favelas e periferias. A busca por um futuro melhor, como um emprego de melhor salário ou um diploma, esbarra na dificuldade de encontrar um local seguro e confiável para deixar as crianças enquanto se está no trabalho, na escola ou faculdade.

Foi pensando nestas mulheres, por conhecer essa realidade de perto, que Marielle, “preta e favelada”, mãe solo e cria do Complexo da Maré, na Zona Norte, pautou toda sua atuação parlamentar. Poder contar com o apoio familiar para poder fazer sua faculdade e trabalhar, podendo deixar sua filha, Luyara, em total segurança com sua mãe e/ou sua irmã, Anielle Franco, hoje, Ministra da Igualdade Racial, fez Marielle entender a importância da rede de apoio para mães solo, negras, de favelas e periferias.

Marielle Franco foi mãe estudante e sabia que ter alguém para esse cuidado da criança e da mulher era fundamental. Foto: Leon Diniz
Marielle Franco foi mãe estudante e sabia que ter alguém para esse cuidado da criança e da mulher era fundamental. Foto: Leon Diniz

Ao assumir o cargo de vereadora da cidade do Rio de Janeiro, em 2017, logo nos primeiros dias de seu mandato, ela protocolou o Projeto de Lei 017/2017, a Lei do Espaço Infantil Noturno de Atendimento à Primeira Infância. Esse processo foi narrado no livro Espaço Coruja: pelos direitos das crianças e das mulheres. Legisladora Marielle Franco, de autoria de Amanda Mendonça e Pâmella Passos. Porém, já se passaram quase seis anos da aprovação da lei na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro e a mesma ainda não saiu do papel. Tendo sido aprovada em 14 de novembro de 2018, a Lei do Espaço Coruja ainda depende de regulamentação e previsão orçamentária para aplicação na cidade do Rio de Janeiro.

No entanto, em Maricá, essa ideia de Marielle oferece oportunidade de inclusão no mercado de trabalho, nas escolas e universidades sobretudo ao maior grupo populacional do Brasil: as mulheres negras. 

Sonho de Marielle e das Famílias que Estudam e Trabalham à Noite Realizado

Enquanto a Lei do Espaço Coruja, idealizada pela Vereadora Marielle Franco, ainda não foi implementada na cidade do Rio de Janeiro, em Maricá, município da Região Metropolitana do Rio, essa realidade já é uma conquista desde 2023.

Para atender à solicitação de um grupo de mães de Maricá—feita em março de 2022—que estudavam à noite em uma universidade, onde foram impedidas de assistir às aulas com seus filhos, mesmo não tendo com quem deixá-los, o Vereador Danilo Santos criou o projeto de lei do Programa Corujinhas. Em novembro de 2022, ele foi aprovado e se tornou a Lei 3264/22, que instituiu o programa. No entanto, a legislação só foi implementada no ano seguinte, quando, em 24 de julho de 2023, a Secretaria de Educação de Maricá publicou a Resolução 11, e, mesmo assim, só em agosto de 2023 que, finalmente, o Projeto Corujinhas começou a funcionar. Segundo dados da Secretaria de Educação, o programa atende 120 famílias e existe a pretensão de aumentar o número de vagas.

“Abrimos esse programa para oferecer um espaço com atividades infantis, para que mães, pais e responsáveis possam exercer suas atividades profissionais ou acadêmicas. Às vezes, o pai ou a mãe quer iniciar um trabalho ou um curso no horário noturno e não tem com quem deixar seu filho. Com isso, o responsável vai poder estudar tranquilamente, porque seu filho estará sendo muito bem cuidado e amparado por nossas equipes multidisciplinares.” — Márcio Jardim, Secretário de Educação de Maricá

Projeto Corujinhas, da Prefeitura de Maricá, oferece rede de apoio a mães e pais solo que estudam e trabalham à noite e não tenham com quem deixar seus filhos. Foto: Silvia Freitas
Projeto Corujinhas, da Prefeitura de Maricá, oferece rede de apoio a mães e pais solo que estudam e trabalham à noite e não tenham com quem deixar seus filhos. Foto: Silvia Freitas

A Secretaria de Educação afirma que, para ter direito à vaga, o responsável deve ter seu filho(a) matriculado(a) em alguma unidade escolar de Maricá e comprovar que estuda ou trabalha à noite. O programa é destinado a crianças desde o primeiro ano de vida até 10 anos e tem inscrições online. Para receber estes alunos, a Secretaria disponibiliza espaços em duas unidades de ensino: Centro de Educação Infantil Municipal (CEIM) Professora Ondina de Oliveira Coelho e Escola Municipal Professora Romilda dos Santos, ambas com 60 vagas cada. As mesmas já possuem toda estrutura e profissionais qualificados para cuidar dos pequenos.

O CEIM Profª Ondina de Oliveira Coelho é localizado no bairro Flamengo, no Centro de Maricá. A unidade acolhe cerca de 60 crianças de três a cinco anos e, segundo a diretora adjunta, Angélica Machado, caso haja ampliação das vagas, tem total condição de receber mais crianças. Segunda ela, este espaço só acolhe crianças dessa faixa etária, devido a estrutura do local, que, durante o dia, funciona como escola de educação infantil.

Angélica lembrou do impacto que o Programa Corujinhas tem na vida, principalmente, das mulheres, pois elas são, muitas das vezes, as únicas responsáveis pelos cuidados dos filhos.

“Foi um impacto bastante profundo e importante, porque as mães passaram a ter alguém e ter um lugar em que possam confiar para deixar os filhos. Nós temos um aluno que é ‘PCD’ [Pessoa com Deficiência], ele é autista e a mãe não tinha alguém com quem deixar ele todos os dias. Cada dia ela deixava com um vizinho ou um parente. O projeto pra ela foi importante, porque ela pode saber que o filho está em segurança… até na questão do autismo mesmo. Ele tinha algumas crises e deixar com um vizinho, com alguém que não entenda, para ela deveria ser um pouco doloroso. Então, foi um impacto bastante importante e profundo para elas, de saber que os filhos estão num lugar seguro, com estrutura, que estão sendo cuidados.” — Angélica Machado

Já na Escola Municipal Romilda Santos, localizada no bairro Pedreiras, sua diretora adjunta, a Professora Silvia Teixeira, falou que o espaço da escola já estava preparado para receber o Programa Corujinhas. A escola recebe crianças de um ano e onze meses a dez anos de idade para a acolhida noturna do projeto. O local possui salas comuns, berçário e um pátio bastante amplo.

Espaço do Projeto Corujinhas, na Escola Municipal Romilda dos Santos, no bairro Pedreiras, em Maricá, cidade do Leste Fluminense, parte do Grande Rio. Foto: Secretaria Municipal de Educação de Maricá
Espaço do Projeto Corujinhas, na Escola Municipal Romilda dos Santos, no bairro Pedreiras, em Maricá, cidade do Leste Fluminense, parte do Grande Rio. Foto: Secretaria Municipal de Educação de Maricá

Por enquanto, ainda há poucas crianças matriculadas no Programa Corujinhas. As professoras crêem que isso se deve ao fato de ser um projeto novo, que muitas pessoas não têm o conhecimento da existência. Por isso, prefeitura de Maricá têm investido na divulgação do programa e já se planeja para a ampliação das vagas de 120 para até 300.

Silvia relatou que, quando foi convidada para trabalhar no projeto, ficou um pouco preocupada, imaginando que teria os mesmos problemas corriqueiros do horário diurno, como os atrasos de alguns pais para buscar os filhos e faltas. Mas quando viu o projeto na prática, ficou totalmente encantada. Só então ela percebeu o quanto Corujinhas é de fato uma política necessária para muita gente. 

“Sou professora há 16 anos aqui em Maricá, quando ouvi falar do Corujinhas, eu achava um absurdo porque, na escola regular, já tinham pais omissos, pais ausentes, pais que não tinham horário para pegar seus filhos, que não tinham responsabilidades básicas. Então, ouvir falar de Corujinhas era algo assim, meio assustador e distante. Mas, eu me deparei com a realidade completamente diferente, com pais cheios de alegria por ter um lugar que é responsável, um ambiente que tem uma alimentação saudável, isso é muito legal, porque eles têm a janta, a colação e, no finalzinho, ainda têm também a frutinha… As crianças brincam satisfeitas, felizes… num ambiente onde você tem a confiança no espaço e nos professores, é uma benção, né?” — Silvia Teixeira

Criança brinca na brinquedoteca do Projeto Corujinhas, em Maricá. Foto: Secretaria Municipal de Educação de Maricá
Criança brinca na brinquedoteca do Projeto Corujinhas, em Maricá. Foto: Secretaria Municipal de Educação de Maricá

No Programa Corujinhas, as crianças recebem cuidados especiais, para que se sintam acolhidas nas escolas, já que estão num horário diferente do habitual. A professora de Educação Física, Ranyelle Fernandes, contou sobre a interação das crianças que participam do Corujinhas. Mesmo sendo à noite e nesta Era da tecnologia, por incrível que pareça, os pequenos preferem as atividades lúdicas, brincar e correr, do que ficar fixados às telas. Ela diz que procura sempre apresentar para elas brincadeiras antigas como pular elástico, bola de gude e escravos de Jó. Segundo ela, as crianças reagem com muita animação, pois algumas não conheciam aquelas brincadeiras. A professora Ranyelle ainda nos conta que, além das brincadeiras, há outras atividades, como: dança, teatro e o Cine Corujinhas. Ela fez questão de afirmar que, em sua visão, o projeto não é só importante para as mães e os pais, mas para as crianças. Elas passam a ter um ambiente com profissionais especializados, saudável, estável, seguro, estimulante e adequado para a acolhida noturna. 

Esta visão das funcionárias é confirmada pelos responsáveis das crianças beneficiadas. Para Daniel Machado, pai de uma aluna do Projeto Corujinhas, e Alessandra Santos, mãe de uma outra aluna, o programa maricaense é de grande importância e facilita muito a vida deles. Ambos relataram que, sem o programa, não teriam como realizar suas atividades noturnas. Tanto Daniel quanto Alessandra souberam do Corujinhas através da escola dos filhos, que circulou um comunicado aos responsáveis sobre o novo projeto.

“O programa pra mim foi excelente! Eu trabalho à noite, tanto eu, quanto minha esposa. Poder deixar minha filha [no Corujinhas] foi ótimo. Antes, eu tinha que me privar do meu outro trabalho, porque tinha que ficar em casa com ela. Eu trabalho em dois locais e tinha que me privar, porque minha esposa trabalha de carteira assinada e não podia ficar. Aí, eu tinha que trabalhar em só um lugar [o que diminuía minha renda], devido a ter que voltar para casa pra ficar com ela a partir das 17h. Agora, posso ficar tranquilo e fazer minha renda extra à noite.” —Daniel Machado

Para Alessandra Santos, o Corujinhas é de suma importância e também faz total diferença. Ela e o marido fazem faculdade à noite, através de um outro programa da prefeitura, chamado Passaporte Universitário. Alessandra é mãe de dois filhos e, segundo ela, não tem uma rede de apoio. Sem o Corujinhas, estudar para ela seria impossível.

“Eu vi isso como uma oportunidade de eu voltar a estudar. Porque o meu marido já estava estudando, ele se formou agora, graças ao Passaporte Universitário. E eu tinha vontade de voltar a estudar, de fazer uma faculdade também, algo do tipo. Então, eu vi isso como uma oportunidade de deixar as crianças num local seguro, que é a escola, e voltar estudar… Corujinhas me forneceu essa rede de apoio pra eu voltar a estudar.” — Alessandra Santos

Contar com uma rede de apoio faz toda diferença na realização de sonhos, na busca por melhores oportunidades. E, se na cidade do Rio de Janeiro o projeto de lei de Marielle Franco ainda não saiu do papel, beneficiando quem precisa muito dessa iniciativa, a cidade de Maricá saiu na frente. O sucesso do Projeto Corujinhas só mostra o quanto políticas públicas voltadas sobretudo para mães solo podem mudar a vida de famílias inteiras e, no longo prazo, impactar até mesmo a economia da cidade.

Sobre a autora: Carla Regina Aguiar dos Santos é jornalista comunitária, cria do Morro do Turano, que sempre prioriza o cotidiano das favelas em seu trabalho, mostrando além do que se vê nas mídias tradicionais. Já contribuiu para a Agência de Notícias das Favelas (ANF), A Pública, portal Eu, Rio! e Terra. Recebeu os prêmios ANF de Jornalismo, na categoria cultura, e o Neuza Maria de Jornalismo.


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