O Termo Territorial Coletivo da Praça Cooper, em Nova York: Exemplo de Força do Planejamento, Posse e Poder Comunitário Desde 1961

Protesto de ativistas e moradores contra o plano de renovação do bairro de Praça Cooper, nos anos 1950. Foto: Termo Territorial Coletivo da Praça Cooper
Protesto de ativistas e moradores contra o plano de renovação do bairro de Praça Cooper, nos anos 1950. Foto: Termo Territorial Coletivo da Praça Cooper

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Essa é a mais recente de uma série de matérias sobre experiências de Termos Territoriais Coletivos (TTC) pelo mundo. Selecionamos alguns casos concretos a partir da sua importância para o contexto no qual estão inseridos e, também, pelo potencial de inspiração para grupos e pessoas em outros locais. Os casos mostram como são variados os TTCs, apesar de terem uma estrutura básica sempre igual: uma organização sem fins lucrativos, composta de moradores, é dona da terra de uma área, enquanto os moradores são donos ou alugam as moradias em si. Nosso objetivo é apresentar o aprendizado acumulado por experiências internacionais com o TTC, com o intuito de pensar, a partir das lições que elas nos fornecem, como alcançar o maior potencial do modelo no Brasil e superar desafios enfrentados em outros contextos. A experiência explorada é do Termo Territorial Coletivo da Praça Cooper, um TTC situado no Lower East Side de Manhattan, na cidade de Nova York, nos EUA. Caso queira aprender mais, junte-se a nós no dia 3 de julho de 2024 para uma palestra e troca com o diretor do TTC de Cooper Square, Tom Angotti, no Zoom, com tradução para o português: clique aqui para se inscrever.

Praça Cooper em 1957. Foto: Edward Meneeley
Praça Cooper em 1957. Foto: Edward Meneeley

A história da luta dos moradores da Praça Cooper remonta aos anos 1950, em um contexto de grandes transformações urbanas na cidade de Nova York, nos Estados Unidos. Na época, a cidade passou por diversos projetos de renovação urbana, em que áreas ocupadas por residentes de baixa renda, principalmente negros e porto-riquenhos, receberam investimentos maciços em infraestrutura após deslocar moradores existentes. Estes projetos visavam atender aos interesses de desenvolvedores imobiliários que se beneficiariam com a valorização do bairro. O resultado era quase sempre a retirada forçada da população originária, em sua maior parte, trabalhadores e imigrantes de baixa renda, e a substituição por um perfil socioeconômico mais elevado.

Assim, em 1959, foi apresentada, pelo poder público, uma proposta de renovação do bairro da Praça Cooper, que previa a demolição de onze quarteirões. O plano original, idealizado pelo planejador urbano Robert Moses, previa criar cooperativas para serem proprietárias e gerir as unidades construídas, mas a crítica que se fez na época foi que elas não seriam acessíveis economicamente a uma significativa parcela da população que habitava aquela região. Os moradores do local, em sua maioria inquilinos de baixa renda, perceberam que o plano não permitiria sua permanência no bairro. O aumento dos custos de vida, que viria acompanhado dos investimentos públicos, resultaria na especulação imobiliária e consequentemente, a expulsão dos moradores.

Em resposta a essa medida, um grupo de moradores, pequenos comerciantes, artistas e ativistas se mobilizaram sobre o nome Comitê da Praça Cooper (cuja sigla, em inglês, é CSC), uma iniciativa de base comunitária que se opunha ao plano da prefeitura. Logo de início, os atores envolvidos começaram a discutir e construir um plano próprio de renovação urbana para o bairro, que incluía a preservação das moradias existentes e a construção de novas moradias acessíveis economicamente para famílias de baixa renda. O Plano Comunitário da Praça Cooper, lançado em 1961, após centenas de reuniões comunitárias, foi a primeira iniciativa de um plano verdadeiramente popular em Nova York, rompendo uma lógica de planejamento urbano liderado pelo governo e seus técnicos, e trazendo os moradores para o centro do debate. Eles defendiam que a cidade não deve ser desenvolvida apenas a partir da ótica dos governantes e urbanistas. Pelo contrário: a população deve ter participação direta no tipo de cidade que se pretende construir.

Foto tirada da East 6th Street para East 5th Street e Avenue C em 1986. Foto: Marlis Momber
Foto tirada da East 6th Street para East 5th Street e Avenue C em 1986. Foto: Marlis Momber

O Plano Alternativo da Praça Cooper defendia a não-remoção, a permanência dos moradores originários, a redução das demolições previstas, a execução das demolições necessárias em etapas e a prioridade dos inquilinos locais na ocupação das novas unidades habitacionais que seriam construídas. A aceitação do novo plano pelo poder público, no entanto, não foi fácil. Os ativistas envolvidos no Comitê se dedicaram a mostrar os danos causados por projetos de renovação urbana dessa natureza, que acarretaram na remoção de milhares e aprofundaram a segregação urbana. Após dez anos de sua apresentação, em 1971, uma importante vitória: a prefeitura oficialmente aprovou o Plano Comunitário da Praça Cooper. Infelizmente, o atraso se repetiu na implementação: ele não foi implementado de imediato devido à redução dos gastos públicos para moradia acessível nos Estados Unidos.

O Termo Territorial Coletivo da Praça Cooper (cuja sigla, em inglês, é CSCLT) nasceu do processo de mobilização em torno do planejamento popular do bairro e resistência a um projeto urbano que não atendia aos moradores. Ele foi oficialmente estabelecido em 1994, recebendo a propriedade da terra sob os edifícios englobados pelo plano comunitário. Sua missão é preservar e desenvolver moradias economicamente acessíveis, espaços comunitários e culturais acessíveis, para que a área da Praça Cooper permaneça racial, econômica e culturalmente diversa. A criação do TTC aconteceu em conjunto com outra organização, a Associação Habitacional Mútua da Praça Cooper (MHA), uma cooperativa estabelecida para receber a propriedade dos edifícios em si—as construções—geridos coletivamente pela MHA.

Protesto do Comitê da Praça Cooper pelo direito à moradia em Nova York. Foto: coopersquare.org
Protesto do Comitê da Praça Cooper pelo direito à moradia em Nova York. Foto: coopersquare.org

Na época de sua criação, a MHA ficou responsável por gerenciar 303 unidades residenciais e 23 unidades comerciais em 19 edifícios. Os residentes adquiriram cotas da cooperativa a preços acessíveis, garantindo o seu acesso à moradia e a formação de um patrimônio. O TTC da Praça Cooper, por sua vez, ficou responsável por deter a propriedade da terra onde foram erguidos os edifícios, mantendo as moradias a preços acessíveis para seus moradores de baixa renda. O conselho gestor do TTC é composto por um terço de pessoas que moram nas unidades do TTC e dois terços de moradores do bairro ou ativistas profissionais. O modelo persiste até hoje: o terreno é de propriedade do TTC, enquanto moradores das unidades residenciais são acionistas da cooperativa MHA e compõem a maioria da diretoria da MHA (o TTC nomeia o outro terço da diretoria que governa a MHA).

Grupos comunitários, ativistas de moradia e eleitos pedem que Nova York tome medidas ousadas para enfrentar a crise habitacional, apoiando fundos comunitários de terras. Foto: New Economy Project
Grupos comunitários, ativistas de moradia e eleitos pedem que Nova York tome medidas ousadas para enfrentar a crise habitacional, apoiando fundos comunitários de terras. Foto: New Economy Project
Prédios, com lojas abaixo, tudo do TTC de Cooper Square
Prédios, com lojas abaixo, no TTC de Cooper Square, 2019. Foto: ComCat | RioOnWatch

Atualmente, a associação gerencia cerca de 400 apartamentos de interesse social em 23 edifícios. Mesmo em uma região altamente valorizada, o TTC obteve êxitos na preservação da acessibilidade econômica da moradia: 60% de todas as moradias na sua área de atuação possuem um valor bastante inferior ao mercado privado, enquanto os inquilinos das unidades no TTC ganham cerca de 50% do salário médio da região. O valor do aluguel é menor que o equivalente a 25% da renda mediana da área: ou seja, é feita uma média de renda da região, considera-se 25% desse valor e o preço de aluguel é igual ou menor ao valor obtido. Desde 1991, esse valor se manteve estável, com apenas um aumento de 3%, garantido a permanência dos moradores em suas residências e a acessibilidade da moradia por gerações.

Para além da garantia da moradia de baixo custo de forma perpétua, o Comitê da Praça Cooper atua em questões mais abrangentes do que a habitação em si. Há uma assessoria durante o processo de negociação entre moradores e proprietários no sentido de evitar cobranças excessivas de aluguéis, de promover melhorias, evitar despejos entre outros intermédios entre ambos. Ademais, como proposto pela missão do grupo, em paralelo a essa assessoria, são desenvolvidos projetos culturais e recreativos para a comunidade. Como exemplo, os moradores decidiram construir um centro comunitário com ginásio e piscina, investir na transformação de prédios para uso cultural e desenvolver projetos de paisagem urbana através das artes. Todos os comércios no nível térreo também são selecionados pela função social e pagam valores acessíveis.

O Termo Territorial Coletivo da Praça Cooper tem crescido com sucesso durante décadas, permanecendo durante um processo histórico de luta pelo direito à moradia e hoje garantem bem estar a centenas de famílias, aplicando os preceitos de segurança de posse e moradia economicamente acessível de forma permanente. Hoje, o TTC da Praça Cooper faz parte de uma rede que engloba toda a cidade, a Iniciativa de Terra Comunitária de Nova York, uma coalizão de grupos e indivíduos lutando a favor dos TTCs.

Caso queira aprender mais, junte-se a nós no dia 3 de julho de 2024 para uma palestra e troca com o diretor do TTC de Cooper Square, Tom Angotti, no Zoom, com tradução para o português: clique aqui para se inscrever.


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