A cada ano, no dia 21 de junho, cada vez mais pessoas pelo mundo comemoram o Dia Mundial da Localização. Em 2020, a ONG Futuros Locais (Local Futures) organizou o primeiro Dia Mundial da Localização. Inúmeros cidadãos, iniciativas e organizações estão envolvidos na localização, mesmo que não se enxergam desta forma. A localização, em termos simples, é concentrarmos o nosso foco perto de nós—construindo o bem-estar e a autossuficiência comunitária por meio de sistemas locais de alimentação, economia, moradia, conhecimento e muito mais. Não se trata de nacionalismo ou isolacionismo, mas sim de nos afastarmos da dependência de uma globalização hierárquica e focarmos em como podemos fortalecer o mundo, da base para o topo: fortalecendo as nossas comunidades e suas próprias formas de existência e sistemas de produção, enquanto os outros fazem o mesmo. Consequentemente, talvez não nos vejamos como um movimento, embora, como veremos a seguir, seja essencial que nos conectemos—a Terra está contando com isso. Em homenagem ao Dia Mundial da Localização de 2024, o RioOnWatch elaborou essa matéria sobre o movimento pela localização, entendendo que as favelas também são exemplos potentes do poder da localização.
O Que é Localização?
A localização entende que, ao reorientarmos as nossas vidas para o local, podemos fazer uma diferença nos sistemas globais de extração. Em vez de os lucros se acumularem nas mãos de poucos, enquanto muitos sentem pouca capacidade de ação, comunidades e regiões mantêm a sua singularidade com a localização. Ela fortalece aqueles que vivem no local, ao mesmo tempo que aprecia a ação de outras comunidades e regiões e reconhece que somos todos interdependentes, uns com os outros e com o planeta.
A Futuros Locais explica que a localização é um “multiplicador de soluções”, onde as ações locais têm potencial para mudanças sistêmicas. De acordo com Anja Lyngbaek, “a localização vai além de mudar o nosso comportamento pessoal: trata-se [também] de fazer mudanças estruturais na economia a um nível macro”. Ela cita Helena Norberg-Hodge, fundadora da Futuros Locais.
“Para embarcarmos num caminho sistêmico de localização, precisamos redirecionar nosso apoio econômico de forma a favorecer o local em detrimento do global, em vez de o contrário… Se conseguirmos provocar mudanças políticas, veremos cura, regeneração e transformação mais rapidamente do que a maioria de nós ousa imaginar.” — Helena Norberg-Hodge, fundadora da Futuros Locais
“É aí que reside o belo e poderoso paradoxo do movimento global pela localização”, conclui Lyngbaek.
A localização promove um retorno a um modo de vida mais suave e sustentável, que nos afasta da exploração em escala industrial. Existem inúmeras maneiras de se envolver localmente.
O movimento não é novo, mas vem crescendo, assim como a consciência da importância de nos conectarmos uns com os outros. Reconhecer e unir iniciativas diversas ao redor do mundo é essencial para dar a força e o reconhecimento necessários para acelerar o crescimento da sensibilização e do engajamento, localmente e além. Os benefícios da localização global incluem maior soberania, segurança, talento artístico e equilíbrio nos níveis individual e coletivo. E esses resultados se acumulam.
Na Índia, a Sociedade de Desenvolvimento de Deccan ajuda mulheres tribais a alcançarem a soberania alimentar, mantendo bancos de sementes que proporcionam uma alternativa aos agricultores locais. Na Tailândia, o Centro Pun-Pun para a Autossuficiência promove a agroecologia por meio de uma fazenda orgânica que regenera as comunidades e o meio ambiente.
As Origens do Dia Mundial da Localização
O Dia Mundial da Localização surgiu durante a pandemia da Covid-19. Esse período de interstício, quando a economia global desacelerou e o ar poluído se dissipou, foi enxergado por Helena Norberg-Hodge e sua equipe na Futuros Locais como um momento oportuno para avançar a sua causa. Durante o primeiro Dia Mundial da Localização, em 21 de junho de 2020, espectadores de mais de 174 países participaram do evento exclusivamente on-line. Quatro anos depois, o evento é realizado principalmente presencialmente, com algumas programações on-line, por organizações do mundo todo.
Eventos pelo Dia Mundial da Localização 2024
Há eventos oficiais ocorrendo durante todo o mês de junho pelo Dia Mundial da Localização 2024. Se você mora nas proximidades, pode participar de festivais de alimentos, aulas de culinária sustentável, mercados de produtores, mesas redondas, exibições de filmes e festivais, fóruns, oficinas e até mesmo uma feira de lã de ovelha no Reino Unido. Muitos eventos são voltados para a família. Organizações em Bangladesh, Brasil, Espanha, EUA, Índia, Japão, Nova Zelândia, Portugal, Suíça, e Reino Unido anunciaram eventos presenciais, e grupos no Japão e na Austrália realizaram eventos virtuais. E se você não mora perto desses eventos oficiais, é bem provável que possa sair pela porta da frente e se envolver localmente de inúmeras maneiras que são exclusivas de onde você mora.
É importante ressaltar que esses encontros oferecem uma maneira das pessoas reforçarem a interconexão da comunidade e se encontrarem com produtores locais, como fazendeiros, artesãos e pescadores. A variedade de abordagens desse movimento descentralizado reflete a diversidade de contextos, embora, em geral, seus objetivos sejam semelhantes.
O Dia Mundial da Localização 2024 no Brasil
No dia 8 de junho, durante a Semana do Meio Ambiente, a EcoUniversidade e a AdubaArte realizaram o Regenera Essipê no Parque do Ibirapuera, em São Paulo. Os organizadores escolheram o local para que os participantes pudessem se conectar com a natureza na maior cidade do hemisfério sul. O evento abordou a localização pelas lentes do meio ambiente, da espiritualidade e da comunidade, com foco na crise climática no Brasil.
Enquanto isso, sem se colocarem como parte desse movimento, neste mês, só no Rio de Janeiro e cobertos pelo RioOnWatch, mobilizadores de favelas do Rio produziram mídia local, organizaram um evento de conscientização sobre a emergência climática e uma festa literária, enquanto comemoravam o 18º aniversário de seu próprio museu. A localização está em toda parte!
Segundo o site do evento brasileiro, “Diante do atual contexto de emergência climática em que as enchentes gaúchas e a extrema seca de rios amazônicos soam como gritos da nossa Terra tão violentada, é responsabilidade de todos, todas e todes nós encontrar soluções regenerativas para transformar nossas comunidades e cidades em estruturas resilientes.” Oficinas, discussões e reflexões ao longo do dia permitiram que os participantes considerassem questões como, por exemplo, como as cidades podem responder com resiliência à crise climática. O almoço foi de origem local e consistiu em uma refeição sustentável preparada pela Allumiô Culinária Integrativa.
A Futuros Locais também lista uma série de outras organizações brasileiras como parceiras globais. A Revolução dos Baldinhos iniciou um sistema de compostagem urbana em Florianópolis, capital do estado de Santa Catarina. A Rede Pacari apoia as farmácias tradicionais do Cerrado—a savana mais biodiversa do mundo—com ecologia medicinal e lançou uma notável “Farmacopeia Popular do Cerrado” reunindo todo esse conhecimento. O Polo da Borborema promove a agroecologia e a soberania da água no estado da Paraíba. Por fim, temos o Banco Palmas, um banco comunitário de Fortaleza, conhecido há décadas por ter criado uma moeda social local, a Palmas. Atualmente, centenas de empresas locais usam a Palmas em vez do Real, ou ambos.
A construção de um futuro baseado na localização enraíza as pessoas em suas culturas e histórias, auxiliando-as nas realidades materiais de suas vidas, bem como nos sentimentos intangíveis de soberania e dignidade.
Assista ao documentário ‘O Poder do Local’, lançado pela Futuros Locais para o Dia Mundial da Localização 2024, contando com imagens do Projeto Termo Territorial Coletivo*, do Rio de Janeiro:
*O Projeto Termo Territorial Coletivo e RioOnWatch são ambas iniciativas geridas pela organização sem fins lucrativos, Comunidades Catalisadoras.