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Esta matéria faz parte da série de Memórias de Potências Faveladas do RioOnWatch, que visa documentar e celebrar a história das favelas do Rio de Janeiro através de relatos e reportagens sobre a memória coletiva em sua luta cotidiana pelo direito a uma vida plena. Neste 5 de julho, Dia Mundial da Capoeira, este minidocumentário visa apresentar a capoeira como estratégia afro-diaspórica de sobrevivência, além de ferramenta para a saúde física e mental, símbolo de pertencimento e ativo para o desenvolvimento das subjetividades, sobretudo, de crianças negras.
Iniciado na capoeira aos 14 anos como um presente de aniversário dado por sua mãe, o estudante de direito Eduardo Costa, hoje com 38 anos, é mais conhecido como Mestrando Morcego. Ele dá aula de capoeira junto ao Centro Cultural Iguaçu Arte Capoeira, seja nas sedes da organização ou nas ruas de Nova Iguaçu, cidade da Baixada Fluminense, região do Grande Rio.
Assim como qualquer outra expressão da Diáspora Africana, a capoeira ainda sofre com o racismo, inclusive religioso, com estigmas e preconceitos. Mestrando Morcego durante a videorreportagem remarcou esse fato, inclusive do ponto de vista pessoal, de sua trajetória.
“Comecei capoeira nos meus 14 anos… estou nessa batida há 24 anos… [mas já] tive que parar por causa do serviço militar obrigatório… depois, tive que parar por questões de trabalho. Não tem jeito, a gente não tem recursos. A capoeira é muito mal vista, mas acredito que isso está mudando… A capoeira não tem religião, ela é pra todos! Eu mesmo sou evangélico, sou cristão e estou na capoeira.” — Eduardo Costa (Mestrando Morcego)
Mesmo sem incentivo público, suas aulas mobilizam mais de 30 jovens por semana. Em um ato sublime de subversão da criminalização da cultura afrodiaspórica, essas aulas de ancestralidade negra através da autodefesa têm como maior parte de seu público crianças menores de 10 anos.
Fundado em dezembro de 2006, o Iguaçu Arte Capoeira é dirigido pelo Mestre Keto. Sua sede fica no bairro Carmary, em Nova Iguaçu. Esse centro funciona como núcleo de vários grupos do projeto, que levam a ginga e a ancestralidade afro-brasileira da capoeira a alunos de bairros adjacentes.
Responsável pelas aulas de capoeira no bairro Nova América, Mestrando Morcego acredita que a capoeira é uma ferramenta de forja social, para além dos benefícios ao corpo físico. Ele direciona os movimentos corporais alinhados a uma postura firme e justa, que prepara o indivíduo, sobretudo a criança, para o convívio em sociedade.
Nos batizados da capoeira, o praticante recebe um novo nome, um apelido que finca o seu pertencimento. Assim como Keto e Morcego, os alunos também recebem nomes de capoeirista. Uma de suas alunas graduadas, Dyennie dos Santos, 33 anos, recebeu o apelido de Cegonha. Ela contou sobre a importância do resgate da ancestralidade promovido pela capoeira e pelo trabalho de Mestrando Morcego e Mestre Keto.
“Eu já pratiquei outros esportes, mas, na capoeira, eu me identifiquei porque a capoeira tem o resgate da nossa ancestralidade… Estou dando aula para as crianças, era algo que eu jamais imaginei fazer e as crianças me receberam muito bem… se eu conseguir ser um terço do que eles [Mestre Keto e Mestrando Morcego] representam pra mim vai ser maravilhoso!” — Dyennie dos Santos (Cegonha)
Já os relatos de Cristofer Nascimento, 29 anos, apelidado de Charada, apontam para os benefícios à saúde física decorrentes da prática da capoeira. Para ele, acometido de uma doença respiratória, foi notável a sua melhora.
“Estou nessa caminhada desde 2004. Desde criança, a capoeira vem trazendo benefícios pra minha saúde. Tenho problemas de saúde respiratória, mas fui melhorando. Hoje em dia, eu sou muito grato à capoeira. Conheci amigos e um Mestrando [Morcego] que é um pai pra mim. Já me tirou de muitos problemas, já me deu muitos conselhos.” — Cristofer Nascimento (Charada)
No entanto, os impactos da capoeira também se extendem a camadas mais subjetivas da existência do indivíduo. Sobretudo se essa pessoa é afrodiaspórica e moradora de um território estigmatizado e de maioria negra, como Nova Iguaçu, capoeira é um encontro consigo mesmo, uma realização física e mental.
Mestrando Morcego reflete como, para ele, a capoeira foi uma ferramenta para a superação da timidez. A ginga negra, ato sublime da subversão, é também sobre autoestima e saúde mental.
“A capoeira pra mim foi um divisor de águas. Eu era uma criança muito quieta, muito calada. A capoeira me ajudou a me soltar. Através da capoeira pude conhecer lugares que eu nem imaginava!” — Eduardo Costa (Mestrando Morcego)
Assim como para ele, para outros, a capoeira desempenha função que, a princípio, não são esperadas. É assim também para Thaiane Christine, 31 anos, apelidada de Cacheada, uma das alunas de Morcego, que se fortalece na ginga negra ancestral em sua luta contra a ansiedade.
“Comecei minha jornada em 2019. Sigo treinando com o Mestrando Morcego… a capoeira agregou na minha vida qualidade… porque eu sofro de ansiedade… às vezes, a gente vem pro treino com a cabeça cheia, com muitas coisas, e na capoeira você consegue simplesmente abrir a mente. Ali é só você, a movimentação, a música, você consegue se envolver. Eu consegui não só colegas de treino, consegui uma família na capoeira.” — Thaiane Christine (Cacheada)
Circuito de Rodas de Capoeira do Centro Cultural Iguaçu Arte Capoeira:
- Rodas do mestre Keto: Toda última quinta do mês a partir das 19h. Rua Democracia 226, Carmary, Nova Iguaçu.
- Mestrando Morcego: Toda 2ª quarta-feira de dois em dois meses (bimestral) a partir das 19h. Normalmente, fazemos na Praça do Nova América, mas, devido à falta de energia elétrica, estamos realizando na pracinha beirando a linha do trem na Av. Goiânia.
- Mestrando Pezão: Todo 3º sábado do mês a partir das 19h. Praça do Catatau, próximo ao INSS de Nova Iguaçu.
- Professor Devagar: Toda 1ª quarta-feira do mês a partir das 19h. Praça Zumbi dos Palmares, Comendador Soares.
- Mestrando Merreca: Toda 2ª sexta-feira do mês a partir das 19h. Praça do BESC, Boa Esperança
Assista à Videorreportagem Aqui.
Sobre o autor: MC Onni é oriundo de Nova Iguaçu, Baixada Fluminense. Atua desde 2008 como produtor cultural do Alma Versada e do Sarau V (2014). O rapper lançou seu primeiro EP em 2017, Sagrado Favelado em 2023 e anunciou o disco novo para 2024.