3 Anos Sem Kathlen Romeu e Seu Bebê: Memórias São a Prova de Balas

No 9 de junho de 2024, a Quadra da Unidos do Cabuçu, no Barro Preto, Complexo do Lins, recebeu o evento que marcou três anos do assassinato de Kathlen Romeu e seu bebê. Foto: Alexandre Cerqueira
No 9 de junho de 2024, a Quadra da Unidos do Cabuçu, no Barro Preto, Complexo do Lins, recebeu o evento que marcou três anos do assassinato de Kathlen Romeu e seu bebê. Foto: Alexandre Cerqueira

Click Here for English

Em junho de 2024, fez três anos do assassinato de Kathlen Romeu e seu bebê no Complexo do Lins, na Zona Norte. Por isso, foi organizado na quadra da Unidos do Cabuçu—escola de samba da comunidade do Barro Preto, localidade do Complexo do Lins—um evento em prol da memória de Kathlen, intitulado Memorial Justiça para Kathlen e seu Bebê. O evento organizado pela Comunidade Black, também conhecida como Coletivo da Kath, reuniu familiares, amigos, conhecidos, moradores locais e políticos para reivindicar #JustiçaPorKathlen, exigir o fim do genocídio do negro brasileiro, e celebrar as duas vidas que foram ceifadas tão precocemente, de maneira tão abrupta e sem sentido pela Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ). 

Exatamente como há três anos, em um dia quente na Zona Norte do Rio de Janeiro, as homenagens incluíram um ato ecumênico, a presença de artistas e admiradores da música Black e uma programação cultural e educacional para crianças—com pintura e desenho. Esse foi mais um ato do movimento que nasceu em torno de Kathlen Romeu. Em meio à negação do direito ao luto, a família reiterou seu direito de obter respostas do Estado, e de seu direito de ver a condenação dos responsáveis pelo crime, segundo concluiu a investigação da Polícia Civil.

“Eu não vou desistir da memória da minha filha, enquanto eu viver e, se eu falhar… sei que minha filha deixou sementes infinitas.” — Jackeline Lopes, mãe de Kathlen Romeu

Jackeline Lopes, mãe de Kathlen Romeu, se emociona durante o evento em homenagem a sua filha. Foto: Alexandre Cerqueira
Jackeline Lopes, mãe de Kathlen Romeu, se emociona durante o evento em homenagem a sua filha. Foto: Alexandre Cerqueira

No dia 8 de junho de 2021, Kathlen Romeu, uma jovem negra, grávida, então com 24 anos, designer de interiores, foi morta junto com seu bebê de 13 semanas de gestação. Segundo testemunhas, policiais utilizaram a tática conhecida como Tróia, que consiste em invadir ilegalmente a casa de algum morador para se esconder e atirar de dentro dela em alvos por eles determinados. Kathlen, que caminhava com sua avó Sayonara Fátima na calçada, foi atingida por um tiro de fuzil no peito e morreu.

A Polícia Militar inicialmente negou a operação, alegando ter respondido a um ataque de traficantes durante uma patrulha de rotina da UPP do Lins. No entanto, essa versão é contestada ferrenhamente pelas testemunhas e pela família da jovem. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) chegou a afirmar que Kathlen foi morta em uma operação ilegal da PMERJ. O assassinato de Kathlen gerou ampla comoção, resultando em protestos e mobilizações que culminaram na apresentação do Projeto de Lei Nº 4631/2021 na ALERJ, batizado como Lei Kathlen Romeu. Ainda em tramitação, esse projeto visa proibir as táticas de Tróia, as tocaias e emboscadas policiais em todas as favelas do estado.

Após amplas e contínuas manifestações sobre o caso Kathlen, ainda em 2021, a família se encontrou com o Presidente Lula, que se comprometeu a, quando eleito, criar mecanismos para interromper a violência nas comunidades pobres e a lutar por justiça para Kathlen e seu bebê. “Justiça atrasada é justiça negada!”, defendem os familiares. No entanto, até agora, muito pouco foi feito e a família segue aguardando por justiça. 

Policiais da Divisão de Homicídios da Polícia Civil do Rio de Janeiro organizam a reconstituição do caso em meio aos advogados de defesa e suas partes. Ao fundo, o grafite de Kathlen Romeu com os dizeres “Que sua luz guie os caminhos da nossa luta!”. Foto: Alexandre Cerqueira
Policiais da Divisão de Homicídios da Polícia Civil do Rio de Janeiro organizam a reconstituição do caso em meio aos advogados de defesa e suas partes. Ao fundo, o grafite de Kathlen Romeu com os dizeres “Que sua luz guie os caminhos da nossa luta!” Foto: Alexandre Cerqueira

Até agora, nenhum policial foi preso ou punido pela morte de Kathlen. Os cabos Rodrigo Correia de Frias e Marcos Felipe da Silva Salviano foram denunciados por homicídio e fraude processual, junto a outros três policiais, por alterarem a cena do crime para simular confronto. O Ministério Público requereu a prisão dos policiais, mas o pedido foi negado pela Justiça. Contudo, os policiais acusados poderão ainda ir a júri popular.

Ao público, foram entregues rosas brancas no encerramento da cerimônia. Todos levaram as rosas em lembrança da filha, neta, esposa e amiga que se foi junto de seu bebê. Foto: Alexandre Cerqueira
Ao público, foram entregues rosas brancas no encerramento da cerimônia. Todos levaram as rosas em lembrança da filha, neta, esposa e amiga que se foi junto de seu bebê. Foto: Alexandre Cerqueira

“Qualquer corpo preto no lugar de Kathlen poderia ter sido encontrado tombado. Então, esse encontro é muito sério, muito forte. Nos traz luta, persistência, mas também sangue, dor, noites sem dormir, tormentos. O contrário da vida não é a morte: é a perda do encanto. Portanto, não morremos! E Kathlen vive em nossos corpos, em nossas lutas. Ressuscitada! Isso é subversão, é insurreição. A não aceitação da morte.” — Padre Gegê, pároco da Igreja Santa Bernadete, de Manguinhos

Familiares e amigos no ato inter religioso que marcou sete dias da sua partida em 2021. Foto: Alexandre Cerqueira
Familiares e amigos no ato inter-religioso que marcou sete dias da sua partida em 2021. Foto: Alexandre Cerqueira

No dia 5 de junho, em Brasília, a secretária executiva do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), Rita Oliveira, e a ouvidora nacional de Direitos Humanos, Luzia Cantal, reuniram-se com familiares e amigos de Kathlen. Na reunião, foi entregue uma carta aberta de diversas entidades, incluindo a Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro (FAFERJ) e a Comunidade Black, pedindo medidas protetivas para os familiares. O documento também questiona a permanência dos policiais acusados em atividade e defende o uso de câmeras corporais para reduzir a letalidade policial.

Jackeline Lopes discursa aos presentes do ato que marcou três anos da morte de sua filha e neto. Foto: Alexandre Cerqueira
Jackeline Lopes discursa aos presentes do ato que marcou três anos da morte de sua filha e neto. Foto: Alexandre Cerqueira

Em outro encontro, o Ministro Silvio Almeida, dos Direitos Humanos, comprometeu-se a enviar ao Rio de Janeiro uma comitiva liderada pela ouvidora nacional de Direitos Humanos, Luzia Paula Moraes Cantal. A comitiva terá reuniões com o presidente do Tribunal de Justiça do Rio, Ricardo Rodrigues Cardozo, e o procurador-geral de Justiça, Luciano Mattos.

A Ministra Anielle Franco, da Igualdade Racial, também pedirá aos órgãos e à Polícia Militar o afastamento dos cinco policiais envolvidos e celeridade nos processos contra eles. Mesmo com procedimentos internos em andamento, pelo menos três policiais continuam em serviço. Além de Jackeline Lopes, mãe de Kathlen, a comitiva incluiu o Deputado Federal Pastor Henrique Vieira e Gabriel Siqueira, diretor de políticas públicas da FAFERJ. O grupo se reuniu com o Ministro Ricardo Lewandovski, da Justiça, e a presidenta da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Daiana Santos

“Por que não desistem? Por que ainda persistem? Por que tanta dor? E mesmo que tantas outras possam sofrer, de onde vem essa força? O que faz com que vocês lutem? Ou você se sente baleado ou você não caminha junto.” — Padre Gegê

As avós de Kathlen Romeu se emocionam no ato de natal da Kathlen para as crianças do Complexo do Lins no final de 2021. Foto: Alexandre Cerqueira
As avós de Kathlen Romeu se emocionam no ato de Natal da Kathlen para as crianças do Complexo do Lins no final de 2021. Foto: Alexandre Cerqueira

O ato terminou com o público se reunindo em uma grande roda com mãos dadas, entoando diversos nomes de pessoas vítimas da violência perpetrada por agentes da segurança pública do Rio de Janeiro, como Marielle Franco, Paulo Roberto, Ângela Romeu, Tábata Félix, Nívea Rodrigues, Cícero Guedes, Hugo Leonardo, Marcos Vinícius da Silva, Jonathan Oliveira, e Maicon da Silva Souza. Por fim, todos cantaram juntos pontos de Umbanda e músicas católicas em uma só voz:

“Bahia, ô África, vem cá vem nos ajudar. 
Eu chorei, eu chorava, era minha mãe que me acalentava. 
Embala eu, mamãe! Embala eu, mamãe!
Irá chegar um novo dia, um novo céu, uma nova terra, um novo mar 
E neste dia os oprimidos numa só voz a liberdade irão cantar. 
Senhora Negra, Senhora da Aparecida
Soberana Quilombola mãe de Deus, Aparecida.”

Sobre o autor: Alexandre Cerqueira é formado em Relações Internacionais, professor da Educação Básica, escritor e fotógrafo.


Apoie nossos esforços para fornecer apoio estratégico às favelas do Rio, incluindo o jornalismo hiperlocal, crítico, inovador e incansável do RioOnWatchdoe aqui.