Veja a matéria original por David Leonhardt em inglês no The New York Times aqui.
Um estudo descobriu que as chances de subir para um outro nível de renda são notavelmente baixos em algumas cidades, como Atlanta e Charlotte, e muito maiores em Nova York e Boston.
ATLANTA – Stacey Calvin gasta quase tanto tempo viajando diariamente para o trabalho–em um ônibus, dois trens, e mais um ônibus–quanto ela gasta trabalhando meio expediente numa creche. Ela sabe exatamente onde entrar no trem e qual escada usar nas estações para que tenha a melhor chance de chegar ao trabalho a tempo pela manhã e em casa para saudar seus três filhos depois da escola.
Sua viagem de ida e volta de quase quatro horas deriva em grande parte da geografia econômica de Atlanta, que é uma das áreas metropolitanas mais ricas dos Estados Unidos e ao mesmo tempo uma das mais fisicamente divididas por renda. Os bairros de baixa renda na cidade muitas vezes se estendem por quilômetros, com filas de casas e apartamentos baixos, interrompidos por um shopping ocasional, e com muita falta de empregos bem remunerados.
Esta geografia parece desempenhar um papel importante em fazer de Atlanta uma das áreas metropolitanas onde é mais difícil para famílias de baixa renda subirem à classe média e irem mais além, de acordo com um novo estudo que pesquisadores chamam de o retrato mais detalhado até agora sobre a mobilidade social nos Estados Unidos.
O estudo—baseado em milhões de registros de renda anônimos–foi lançado por uma equipe de excelentes economistas acadêmicos, e é o primeiro com dados suficientes para comparar mobilidade ascendente através de áreas metropolitanas. Estas comparações proporcionam algumas das evidências mais poderosas sobre os fatores que parecem guiar as chances das pessoas de subir acima do nível social de nascimento, incluindo educação, estrutura familiar e o traçado econômico de áreas metropolitanas.
Ascender de renda acontece menos no sudeste e no centro oeste, assim mostram os dados, com as chances notavelmente baixas em Atlanta, Charlotte, Memphis, Raleigh, Indianápolis, Cincinnati e Columbus. Ao contrário, algumas das taxas mais altas ocorrem no nordeste, nas grandes planícies e no oeste, incluindo Nova York, Boston, Salt Lake City, Pittsburgh, Seattle e grandes trechos da Califórnia e Minnesota.
“Onde você cresce tem importância”, disse Nathaniel Hendren, um economista da Universidade de Harvard e um dos autores do estudo. “Há uma tremenda variação em todo EUA na medida em que crianças conseguem sair da pobreza”.
Essa variação não vem simplesmente do fato que algumas áreas têm uma renda média mais alta: taxas de mobilidade ascendente, Hendren acrescentou, muitas vezes diferem muito em áreas onde a renda média é similar, como em Atlanta e Seattle.
As lacunas podem ser grandes. Em média, crianças bastante pobres em Seattle que cresceram dentro do 25º percentil da distribuição de renda nacional, se saem tão bem financeiramente depois de crescer quanto às crianças de Atlanta da classe média que cresceram no 50º percentil.
De acordo com os resultados, a geografia foi de muito menor importância para crianças ricas do que para crianças da classe média ou pobres. Numa ecografia econômica, como escreve Tolstoy sobre famílias felizes serem parecidas, a chance de crianças ricas cresceram para serem ricas são similares através de áreas metropolitanas.
Inicialmente, a equipe de pesquisadores analisou um enorme banco de dados de rendas para estudar a política fiscal, fazendo hipóteses que diferentes reduções de impostos locais e estaduais poderiam afetar a mobilidade entre gerações.
O que encontraram os surpreendeu, disse Raj Chetty, um dos autores e o mais recente vencedor da medalha John Bates Clark, que a Associação Americana de Economia concede ao melhor economista do país com menos de 40 anos de idade. Os pesquisadores concluíram que maiores créditos fiscais para os pobres e maiores impostos aos ricos pareceram apenas ligeiramente melhorar a mobilidade de renda. Os economistas também encontraram uma correlação somente modesta, quando não ausente, entre mobilidade e o número de faculdades locais e suas mensalidades ou entre mobilidade e a quantidade de extrema riqueza numa região.
Mobilidade de renda também era mais alta em áreas com mais famílias biparentais, melhores escolas primárias e colégios, e mais engajamento cívico, incluindo adesão aos grupos religiosos e comunitários.
Regiões com uma maior população negra tinham taxas de mobilidade ascendente menores. Mas a análise dos pesquisadores sugeriu que isso não ocorreu essencialmente por causa da raça. Por exemplo, tanto moradores brancos quanto moradores negros, em Atlanta, têm uma baixa mobilidade ascendente.
Os autores enfatizaram que os dados só permitiram identificar uma correlação e não uma causalidade. Outros economistas disseram que estudos futuros serão importantes para a classificação através dos padrões desses novos dados.
Ainda assim, estudos mais recentes já mostraram que educação e estrutura familiar têm um efeito grande nas chances que as crianças escapem da pobreza. Outros pesquisadores, incluindo o cientista político Robert D. Putnam, autor de Bowling Alone, argumentaram anteriormente que conexões sociais desempenham um papel importante no sucesso de uma comunidade. Mobilidade de renda se tornou um dos tópicos mais importantes na economia, já que tanto liberais quanto conservadores vêem se preocupando com menores oportunidades, seguidos de mais de uma década de um crescimento econômico decepcionante. Depois de anos focando mais na desigualdade, em certo período de tempo, os economistas mais recentemente mudaram sua atenção para as trajetórias de pessoas ao longo da vida.
Votações mostram que americanos estão preocupados se os padrões de vida vão subir para a maioria das pessoas nas próximas décadas, como tem acontecido por quase toda a história da nação. Em entrevistas em Atlanta e nos subúrbios da cidade, os moradores espelharam muitas preocupações nacionais em muitos padrões do estudo.
Jose Lopez, um homem de 40 anos que gere uma equipe de pintura local, disse que gostaria de ter tempo suficiente, entre seu emprego e a paternidade, para voltar para a escola.
Lampra Jones, recém graduada em um programa de quiropraxia, está tendo dificuldade em encontrar trabalho, se diz “solitária” e disse que gostaria de conhecer mais gente para ajudar na sua procura de emprego. “Se você não conhece as pessoas certas”, disse Jones, de 28 anos, “você não chega a lugar nenhum”.
Michael Novajovsky, pai de três filhos em Gweinnett County, com um emprego temporário como engenheiro de rede, disse numa entrevista que a luta para construir uma vida melhor muitas vezes parecia com uma “loteria”. Seu emprego paga $27 por hora, mas não proporciona um seguro de saúde para ele, sua mulher e seus três filhos.
Sua esposa, Sherrie, recentemente largou um emprego numa lanchonete que implicava uma viagem diária de uma hora de ônibus. Ela gostaria de encontrar um emprego novo com seguro de saúde, mas a família só possui um carro. “Eu trabalharia somente para ter um seguro”, disse a senhora Novajovsky.
Sejam quais forem os motivos, crianças ricas geralmente continuam ricas: de acordo com o novo estudo, uma em cada três pessoas de 30 anos que cresceu no topo do 1% de distribuição de renda já tinha no mínimo uma renda familiar de $100,000. Entre adultos que cresceram na metade inferior da distribuição de renda somente um em cada 25 tinha uma renda familiar de pelo menos $100,000 com 30 anos.
Ainda assim, as partes dos Estados Unidos com as melhores taxas de mobilidade, como Pittsburgh, Seattle e Salt Lake City, têm taxas aproximadamente tão altas quanto à Dinamarca e a Noruega, dois países no topo das classificações internacionais de mobilidade. Para comparar, em áreas como Atlanta e Memphis, mobilidade ascendente parece ser substancialmente mais baixa do que em qualquer outro país rico, disse Chetty.
Especialmente intrigante é o fato que crianças que ainda muito jovens mudaram de uma área de baixa mobilidade para uma área de alta mobilidade se saíram quase tão bem como aquelas crianças que passaram a infância completa numa área de alta mobilidade. Já crianças que mudaram quando adolescentes, se saíram menos bem.
Esse padrão torna os economistas mais confiantes que as características de diferentes regiões, em oposição a algo inerente e imutável nos moradores locais, têm ajudado a causar as diferentes taxas de mobilidade.
Lawrence Katz, um economista de trabalho que não participou do projeto disse ter ficado surpreendido com o fato que as áreas com altos níveis de mobilidade de renda, são as mesmas áreas que fundaram colégios mais cedo e que têm fortes sistemas escolares há muito tempo. Katz, um economista da Universidade de Harvard e antigo funcionário do governo de Bill Clinton, disse que o estudo “com certeza é a análise mais compreensiva de mobilidade entre gerações no atual EUA”.
Os outros pesquisadores do projeto foram Patrick Kline, professor da Universidade da Califórnia, Berkeley, e Emmanuel Saez, um economista de Berkeley que ganhou a Medalha Clark em 2009.
A comparação de áreas metropolitanas permite aos pesquisadores considerar fatores locais que estudos anteriores de mobilidade não permitiam inclusive a geografia de uma região. Em Atlanta, a lamentação mais comum parece ser exatamente que a pobreza concentrada, o tráfego extenso e o fraco sistema de transportes públicos dificultam chegar às oportunidades de emprego. “Quando comunidades pobres são segregadas”, disse Cindia Cameron, organizadora de ‘9 to 5’ (9 às 5), um grupo de defesa dos diretos das mulheres, “tudo na vida é mais complicado”.
A senhora Calvin, que trabalha numa creche e viaja três horas diariamente, tentou recentemente alugar um apartamento mais próximo ao trabalho, num distrito com melhores escolas e um bairro mais perto de supermercados. Contudo os senhorios exigiam uma renda mais alta do que os seus $1,200 mensais, disse ela.
Ela agora planeja ficar nos próximos anos na sua casa de três quartos, em um conjunto de apartamentos em DeKalb County, na região leste de Atlanta. Até lá, espera ter casado com seu namorado (eles são noivos há pouco tempo) e talvez assim possa mudar.
“Estou um pouco desapontada por ter tido que renovar meu contrato”, ela disse. Mas está feliz por ter uma rotina que permite desempenhar um papel importante na escola de seus filhos, inclusive na associação de pais e professores, e também de estar em casa quando eles chegam da escola.
“É suficiente para sobreviver”, disse Calvin.