Seminário Ocupa o Leblon, na Zona Sul do Rio de Janeiro, para Discutir Reivindicações das Favelas Cariocas

1º Seminário “Diálogos sobre Habitação, Urbanismo, Meio Ambiente, Cultura e Empreendedorismo”, organizado pela Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro (FAF-RIO), em parceria com o Instituto 12. Foto: Amanda Baroni
1º Seminário “Diálogos sobre Habitação, Urbanismo, Meio Ambiente, Cultura e Empreendedorismo”, organizado pela Federação Municipal de Favelas do Rio de Janeiro (FAF-RIO), em parceria com o Instituto 12. Foto: Amanda Baroni

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No dia 30 de janeiro, a Federação Municipal de Favelas do Rio de Janeiro (FAF-RIO), em parceria com o Instituto 12, Ọ̀yọ́ Cultural e Cetbras, realizou a primeira edição do Seminário FAF-RIO, intitulado “Diálogos sobre Habitação, Urbanismo, Meio Ambiente, Cultura e Empreendedorismo”, dedicado ao debate sobre os desafios e potencialidades das favelas cariocas. O evento realizado na sede do Instituto 12, localizado no Leblon, Zona Sul do Rio de Janeiro, contou com a presença de 100 pessoas entre público geral, autoridades políticas, lideranças e coletivos comunitários e técnicos das áreas de habitação, urbanismo, meio ambiente, cultura e empreendedorismo. A iniciativa visou estreitar o diálogo entre o poder público, setores estratégicos e movimentos populares, ocupando um dos bairros mais caros da Zona Sul com discussões de interesse das favelas.

Caminhos para a Coexistência da Habitação Urbana e Meio Ambiente

A Federação Municipal de Favelas (FAF-Rio) juntamente com o Instituto 12, Cetbras e Oyo com o apoio da Light e Águas do Rio, inicia o ano com o seu primeiro seminário de favelas do Rio. Redes Sociais
A Federação Municipal de Favelas (FAF-Rio) juntamente com o Instituto 12, Cetbras e Oyo com o apoio da Light e Águas do Rio, inicia o ano com o seu primeiro seminário de favelas do Rio.

O seminário provocou reflexões sobre as diferentes formas de disparidades sociais e em como a favela reflete e subverte isso. Segundo o arquiteto e diretor de Arquitetura e Urbanismo da FAF-Rio, Fernando Pereira, responsável pelo projeto Arquitetos da Favela, qualquer projeto de urbanismo precisa focar no ser humano, para além da infraestrutura.

“Uma família não sabe nem como vai comer no outro mês, comprar um gás, como vai pagar um urbanista? Acho que [o urbanismo dentro da favela] é um meio de proporcionar dignidade. Nós precisamos sim pensar em meios que levem dignidade pra favela e a arquitetura é um deles. Isso se o arquiteto profissional for ouvinte. Um projeto não pode chegar pronto, tem que ser em coletivo e aí sim vai ter um efeito positivo na vida do ser humano.” — Fernando Pereira

Marcello Deodoro, presidente da Comissão de Moradores da Comunidade Indiana, um coletivo responsável por diversas iniciativas, inclusive de recuperação ambiental na comunidade na Indiana, na Grande Tijuca, Zona Norte da cidade, sinalizou sobre a necessidade de mobilização coletiva quanto aos cuidados com o meio ambiente no contexto urbano.

“A gente vive numa cidade, mas, ao mesmo tempo, a gente é cortado, em alguns lugares, por rios remanescentes da Mata Atlântica. Então, a a gente tem que saber conviver, não pode desconsiderar que isso é uma realidade nossa. Aqui também é contemplado pelo meio ambiente. Ao mesmo tempo em que a comunidade está dentro da Mata Atlântica, você vê que o asfalto, que as pessoas ricas, também estão lá dentro da floresta. Só que a gente tem que entender que existem limites da própria natureza para a intervenção humana.” — Marcello Deodoro

1º Seminário FAF-Rio no Leblon, Rio de Janeiro. Foto: Amanda Baroni
1º Seminário FAF-Rio no Leblon, Rio de Janeiro. Foto: Amanda Baroni

Também da Indiana, Ruth Sales, integrante do movimento de Mulheres Negras de Favela, pontuou como o racismo compromete o desenvolvimento dos moradores.

“Alguém escolheu morar na favela? Ninguém escolhe, isso é histórico. Porque nosso povo preto na sua maioria, está aqui, na favela, sem condição humana de moradia. É histórico. A gente tem uma história. Nós viemos escravos. Nós fomos escravizados e, por isso, nós estamos nesse lugar. É um lugar onde pode tudo [todo tipo de violência e problemas sociais]. Onde nós estamos o tempo todo sobrevivendo e não vivendo, onde a qualquer hora a bala pode nos encontrar. Podemos cair doentes e não ter direito à saúde, não ser atendido. A vida na favela é muito difícil. É um desafio social que a gente enfrenta todos os dias.” — Ruth Sales (Mulheres Negras de Favela)

Empreendedorismo, Cultura e as Iniciativas de Sucesso nas Favelas

Do ponto de vista da afroempreendedora e psicóloga Quênia Alleluia Okaunhola, o evento representa uma oportunidade em um momento de mudança política, de maior aproximação entre poder público e sociedade. No entanto, ela alerta que ainda é necessário para a favela recorrer à luta para conquistar suas demandas.

“Hoje é a primeira vez [de nós, neste lugar falando] porque hoje tem o interesse em nos ouvir, mesmo que já tenham alguma coisa prontinha pra nos entregar. Mas, pelo menos hoje, eu posso [falar] do que a minha comunidade precisa. O que nós queremos, aquilo que vai ser bom pra nós. Às vezes, eles querem pavimentar e não é o que a gente quer… A gente tem que falar, tem que brigar, tem que fazer nossa voz ser ouvida, a gente tem que mostrar que a gente tem desejo, que tem coisa que a gente quer, coisas que são importantes para nós. Não podemos aceitar fazer uma praça só na entrada da nossa comunidade para quem passar falar ‘Nossa, que praça bonita’ e sentir menos mal.” — Quênia Alleluia Okaunhola

Uma das fundadoras do Museu de Favela no Pavão-Pavãozinho/Cantagalo, Márcia Souza, remarcou o quanto é importante que tenham marcado presença nesse espaço elitizado que é o Leblon.

“É muito importante a gente poder estar nesse lugar. A gente tá na Zona Sul, no lugar do metro quadrado mais caro da cidade. A gente tá no Leblon, num local que normalmente a gente não teria acesso sendo de favela. E é muito importante estar falando das nossas dificuldades e dos nossos sucessos para pessoas também da favela. Não só para políticos e empresários, mas para as pessoas da favela, que atuam na favela… Os movimentos acabam sendo muito isolados, então, quando tem uma oportunidade de juntar todo mundo e a gente falar o que está fazendo, para mim, é muito importante. Um projeto de sucesso é aquele que vai agregando novas pessoas.” — Márcia Souza

Elma Alleluia, presidente do Centro de Formação Profissional Alzira Alleluia do Vidigal, foi uma das lideranças que apresentou os desdobramentos de suas ações locais. Mas, acima de tudo, ela deixou uma profunda reflexão sobre o que considera sucesso para os participantes do primeiro seminário da FAF-Rio.

“É muito importante que nós estejamos nesses espaços, nesse território, para que possamos levar o conhecimento e a oportunidade. Sucesso é a expressão daquilo que a gente fez, pensou e implementou. E aí a gente compartilha com os outros para que eles possam ter a coragem e a ousadia de buscar o sucesso.” — Elma Alleluia

Estiveram também presentes no evento: Carlos Portinho, senador e secretário de habitação do estado do Rio de Janeiro; Iazana Guizzo, doutora em urbanismo; Michelle Beatrice, vice-presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU – RJ); Max Lemos, presidente da Frente Parlamentar das Favelas; Vitor Hugo, vereador; o babalawô Ivanir do Santos, doutor em história comparada e professor; Reginaldo Lima, do Investe Favela; Karen Andrade, empreendedora do Complexo do Alemão; Ana Maria Espírito Santo, artesã e professora de artesanato; Lupper Concepção, professor de música e ex-subsecretário de cultura de Maricá; Eliza Ramos, repórter fotográfica; e Júlio César da Silva, presidente da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil

Sobre a autora: Amanda Baroni Lopes é formada em jornalismo na Unicarioca e foi aluna do 1° Laboratório de Jornalismo do Maré de Notícias. É autora do Guia Antiassédio no Breaking, um manual que explica ao público do Hip Hop sobre o que é ou não assédio e orienta sobre o que fazer nessas situações. Amanda é cria do Morro do Timbau e atualmente mora na Vila do João, ambos no Complexo da Maré.

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