Universidade Indígena Pluriétnica Aldeia Maracanã: Conhecimento, Pedagogia da Floresta e Epistemologia Indígena no Coração do Rio

A pedagogia da floresta pode ser a saída para os problemas gerados pela colonialidade

Representantes da Aldeia Maracanã no Festival Anama Sapopemba, onde apresentara sua rica tradição de canto, dança e cultura ancestrais. Foto: Sophia Vie
Representantes da Aldeia Maracanã no Festival Anama Sapopemba, onde apresentara sua rica tradição de canto, dança e cultura ancestrais. Foto: Sophia Vie

Click Here for English

Centro Behner Stiefel de Estudos Brasileiros

Esta matéria, fruto de uma entrevista com Mônica Lima Mura Manaú Arawak, única professora universitária da etnia Mura, faz parte de uma série gerada por uma parceria com o Digital Brazil Project do Centro Behner Stiefel de Estudos Brasileiros da Universidade Estadual de San Diego na Califórnia, para produzir matérias sobre justiça ambiental nas favelas fluminenses.

“O maior desafio [nosso], além da falta de recursos e de apoio para uma formalização pelo Estado, é recebermos ataques frequentes do próprio Estado e da especulação imobiliária, que insiste em nos expulsar de nosso território ancestral para a realização de seus projetos. Recentemente, recebemos uma ordem de despejo, porém, mobilizamos forças políticas importantes nacional e internacionalmente (pela) demarcação de nossas terras, a formalização de nossa Universidade Indígena Pluriétnica Aldeia Maracanã, a restauração do antigo Museu do Índio, pela sua história junto à luta dos povos indígenas. Além de honrar a memória dos povos indígenas, [o UIPAM] funciona como um centro de acolhimento, já que já somos um museu vivo. Da mesma forma, o seu tombamento deveria ser uma urgente política na cidade que invadiu a floresta!” — Mônica Lima Mura Manaú Arawak

A Única Professora Universitária da Etnia Mura Reflete sobre a Importância da UIPAM

Mônica Lima Mura Manaú Arawak, PhD, professora da Universidade Indígena Pluriétnica Aldeia Maracanã (UIPAM) e cria da cidade do Rio de Janeiro, do povo Mura, de língua Arawak, fundadora do Coletivo Matriarcado Ancestral, afirma que a pedagogia da floresta pode ser a saída para os problemas gerados pela colonialidade e modernidade. Ela descreve a importância do trabalho da Universidade Indígena Pluriétnica Aldeia Maracanã para a cidade, mas, sobretudo, para aqueles que residem e resistem na Aldeia Maracanã, uma aldeia indígena em plena região central do Rio de Janeiro, que vem se reconstruindo e crescendo desde as remoções pré-olímpicas.

“Continuamos na resistência e na autodefesa do nosso corpo-território. Na Aldeia Maracanã diariamente funciona a vida, o manejo, a autonomia, a autogestão e a pedagogia da floresta, e tudo está sendo transmitido na Universidade Indígena Pluriétnica Aldeia Maracanã (UIPAM). Também diariamente recebemos alunos e professores das escolas e universidades estaduais, municipais e federais. A vida acontece na Pluriversidade, já que somos uma aldeia multiétnica e cada etnia é uma universidade, e, portanto, um território que produz etnoconhecimento. Forjamos a Pluriversidade Indígena Aldeia Maracanã sem a estrutura e os recursos necessários, mas com a nossa autonomia universitária sendo construída pelos próprios indígenas. Estamos enfrentando os desafios diários, mas produzindo nosso próprio conhecimento na prática e gerindo nosso território. A UIPAM influenciou e redefiniu a percepção das culturas indígenas no cenário urbano do Rio de Janeiro. Diariamente, recebe universidades, escolas e outras instituições nacionais e internacionais para debates, mutirões, aulas, oficinas e vivências, promovendo uma formação intercultural crítica. Muitos dos seus professores também lecionam em outras universidades e escolas, espalhando seus conhecimentos e disputando narrativas.” — Mônica Lima Mura Manaú Arawak

Segundo a professora Arawak, a saída para a crise ambiental e climática é ancestral. O único caminho para o futuro é a superação dos supostos “descobrimentos da América”. É superando a colonialidade europeia no mundo, fincando novos alicerces sob as bases do respeito ao corpo-território, que a humanidade pode sobreviver a si mesma. Só a tecnologia indígena, originária e ancestral pode salvar o mundo do legado de destruição das tecnologias branco-europeias.

“A (nossa) resistência cultural e política… inclui a transição diante da emergência ecológica e da crise ambiental, com práticas indígenas como alternativas tecnológicas para enfrentar desafios ambientais e contrapor o projeto de (des)envolvimento mercantil que destrói a vida e a natureza gerando escassez e violência. O projeto da UIPAM apresenta as bases e princípios de manejo indígena para reconhecimento e parceria com instituições educacionais e governamentais. A Universidade Indígena Pluriétnica Aldeia Maracanã é um espaço de encontro, troca de saberes e informações, articulação, (re)produção de conhecimentos coletivos, comunicação, luta social, (re)definição de estratégias, atuação conjunta e fortalecimento da resistência dos povos indígenas e de comunidades tradicionais, quilombolas, afrodescendentes, pescadores, artesãos, camponeses, favelados, grupos de resistência de comunidades atingidas por megaempreendimentos e megaeventos capitalistas, em situação (sub)urbana, estudantes e pesquisadores interessados e reconhecidos por sua atuação engajada junto aos movimentos de resistência e insurgências.” — Mônica Lima Mura Manaú Arawak

Universidade Indígena Pluriétnica Aldeia Maracanã (UIPAM). Foto: Redes Sociais
Universidade Indígena Pluriétnica Aldeia Maracanã (UIPAM). Foto: Redes Sociais

Para além de sua contribuição tecnológica para a sociedade, a universidade indígena também atua como centro de formação e de incidência política. Especialmente em um período de fragilidade democrática, a UIPAM fortalece a democracia brasileira.

“A universidade também atua como espaço de formação política crítica ao modelo de (des)envolvimento socioeconômico e cultural dominante, propondo perspectivas e estratégias de superação deste modelo, no contexto geopolítico da cidade-modelo capitalista globalizada [sede da Copa do Mundo de 2014, das Olimpíadas de 2016 e o G20 2024]… Este espaço também serve para reconstituir as perspectivas de atuação, o projeto político-pedagógico e os princípios de manejo comunitário dos movimentos de resistência e da aldeia-universidade dos povos do Maracanã, promovendo pesquisas, ensino e valorização da sabedoria e ciência dos povos tradicionais, além de formação superior. O objetivo da UIPAM é dar visibilidade e fortalecer as pautas indígenas, tanto dos aldeados quanto dos urbanos. Participa de debates nacionais e internacionais sobre políticas públicas para indígenas, incluindo conferências oficiais. É pioneira na discussão sobre o apagamento dos indígenas na cidade, debatendo há mais de duas décadas a questão do indígena em contexto urbano e o resgate daqueles que perderam a consciência de sua identidade indígena. A UIPAM é um laboratório de articulações e formação política sob a perspectiva da cultura indígena, apresentando visões de mundo alternativas…, funcionando também como um centro de acolhimento de indígenas nacionais e internacionais. Com o Rio de Janeiro tendo a maior proporção de indígenas não aldeados, a UIPAM tem sido fundamental para o reconhecimento e avanço identitário.” — Mônica Lima Mura Manaú Arawak

Uma Universidade que Ensina a Superar os Desafios de Hoje com Saberes Ancestrais

Desde 2006, a UIPAM aborda os desafios e aspirações das comunidades indígenas urbanas no Brasil ao ser um espaço de encontro, troca de saberes, articulação, produção de conhecimentos coletivos, comunicação, luta social e fortalecimento da resistência dos povos indígenas e comunidades tradicionais. Este espaço promove uma formação política crítica ao modelo de desenvolvimento sociopolítico e econômico dominante e propõe perspectivas e estratégias para superá-lo, especialmente no contexto urbano do Rio de Janeiro.

A professora Monica acredita que a reforma do antigo prédio do Museu do Índio deveria ser feita urgentemente pelo Estado, pois é um espaço de acolhida a indígenas fora de suas aldeias no Rio de Janeiro, onde podem ser quem são em meio à cidade.

“Nós já somos um ‘Centro de Referência e Acolhimento Indígena’, pois indígenas do Brasil e do mundo são acolhidos na Aldeia Maracanã. Os indígenas quando chegam no Rio de Janeiro procuram a Aldeia Maracanã. O prédio do Antigo Museu do Índio deve ser tombado enquanto patrimônio histórico e de memória material, e nós indígenas que compomos o movimento e a universidade indígena tombados como patrimônio histórico, memória viva e imaterial.” — Mônica Lima Mura Manaú Arawak

O prédio do antigo Museu do Índio, uma vez reformado, deve ser sede da Universidade Indígena Pluriétnica Aldeia Maracanã. Este museu vivo poderia, então, estabelecer parcerias, convênios e intercâmbios com a Universidade Federal Intercultural Indígena, que o Ministério da Educação (MEC) e o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) estão criando.

Prédio do antigo Museu do Índio precisa de reformas e, segundo os indígenas da Aldeia Maracanã, deveria se tornar um centro pluriétnico de acolhida aos povos originários. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Prédio do antigo Museu do Índio precisa de reformas e, segundo os indígenas da Aldeia Maracanã, deveria se tornar um centro pluriétnico de acolhida aos povos originários. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

A UIPAM tem formado professores e alunos diariamente, através de uma educação política libertária e decolonial. A partir de seu caráter inédito, surgem muitas parcerias e intercâmbios nacionais e internacionais, assim, laços vão se estreitando e a Aldeia Maracanã como um todo vai se tornando mais forte. 

Em 2024, o Coletivo Matriarcado Ancestral, atuante na resistência e no desenvolvimento da UIPAM, foi contemplado em um edital da Fundação Nacional de Artes (FUNARTE), e com isso está construindo mais espaços de moradia e melhorias na estrutura da aldeia, inclusive sua cozinha.

Ao ser perguntada sobre qual mensagem deixaria para a população que ainda não tem ideia do que está acontecendo na Aldeia Maracanã e sobre todo o conhecimento produzido pela Universidade Indígena Pluriétnica Aldeia Maracanã, a professora faz um convite ao público em geral para visitar a universidade e ajudar a construir alternativas à crise ambiental e climática. O conhecimento que salvará o mundo é ancestral: todos devem pô-lo em prática para reverter os danos provocados pela modernidade.

“Venha nos conhecer, que venha conhecer nossos projetos e ações para que possam sentir a memória ancestral pulsar e vivenciar nossas práticas. Também gostaria de dizer que todos no Brasil possuem um ancestral indígena ou negro na sua árvore genealógica, então, que não neguem essa memória, que possui o conhecimento e a tecnologia que podem resolver a questão da emergência climática.” — Mônica Lima Mura Manaú Arawak

A Tekohaw Marakà’nã, Aldeia Pluriétnica Maracanã, em pleno centro urbano do Rio de Janeiro, representa a resistência da ancestralidade indígena, mesmo que sob o concreto da colonização, um concreto que ela vem literalmente quebrando com suas ações agroecológicas. Epicentro latino-americano da retomada de territórios por indígenas em contexto urbano, a Tekohaw Marakà’nã é um portal para a floresta no meio da cidade e a UIPAM é também o resultado da resistência de gerações de indígenas, que lutam para que suas epistemologias baseiam ensino, pesquisa e extensão, que recebam investimento e que se tornem políticas públicas e educacionais.

 

Ver esta publicação no Instagram

 

Uma publicação partilhada por Mídia NINJA (@midianinja)

Sobre a autora: Dayse Alves é professora, comunicadora popular formada pelo Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) e cria de Duque de Caxias.


Apoie nossos esforços para fornecer apoio estratégico às favelas do Rio, incluindo o jornalismo hiperlocal, crítico, inovador e incansável do RioOnWatchdoe aqui.