
Esta matéria, fruto de uma entrevista com Mônica Lima Mura Manaú Arawak, única professora universitária da etnia Mura, faz parte de uma série gerada por uma parceria com o Digital Brazil Project do Centro Behner Stiefel de Estudos Brasileiros da Universidade Estadual de San Diego na Califórnia, para produzir matérias sobre justiça ambiental nas favelas fluminenses.
“O maior desafio [nosso], além da falta de recursos e de apoio para uma formalização pelo Estado, é recebermos ataques frequentes do próprio Estado e da especulação imobiliária, que insiste em nos expulsar de nosso território ancestral para a realização de seus projetos. Recentemente, recebemos uma ordem de despejo, porém, mobilizamos forças políticas importantes nacional e internacionalmente (pela) demarcação de nossas terras, a formalização de nossa Universidade Indígena Pluriétnica Aldeia Maracanã, a restauração do antigo Museu do Índio, pela sua história junto à luta dos povos indígenas. Além de honrar a memória dos povos indígenas, [o UIPAM] funciona como um centro de acolhimento, já que já somos um museu vivo. Da mesma forma, o seu tombamento deveria ser uma urgente política na cidade que invadiu a floresta!” — Mônica Lima Mura Manaú Arawak
A Única Professora Universitária da Etnia Mura Reflete sobre a Importância da UIPAM
Mônica Lima Mura Manaú Arawak, PhD, professora da Universidade Indígena Pluriétnica Aldeia Maracanã (UIPAM) e cria da cidade do Rio de Janeiro, do povo Mura, de língua Arawak, fundadora do Coletivo Matriarcado Ancestral, afirma que a pedagogia da floresta pode ser a saída para os problemas gerados pela colonialidade e modernidade. Ela descreve a importância do trabalho da Universidade Indígena Pluriétnica Aldeia Maracanã para a cidade, mas, sobretudo, para aqueles que residem e resistem na Aldeia Maracanã, uma aldeia indígena em plena região central do Rio de Janeiro, que vem se reconstruindo e crescendo desde as remoções pré-olímpicas.
“Continuamos na resistência e na autodefesa do nosso corpo-território. Na Aldeia Maracanã diariamente funciona a vida, o manejo, a autonomia, a autogestão e a pedagogia da floresta, e tudo está sendo transmitido na Universidade Indígena Pluriétnica Aldeia Maracanã (UIPAM). Também diariamente recebemos alunos e professores das escolas e universidades estaduais, municipais e federais. A vida acontece na Pluriversidade, já que somos uma aldeia multiétnica e cada etnia é uma universidade, e, portanto, um território que produz etnoconhecimento. Forjamos a Pluriversidade Indígena Aldeia Maracanã sem a estrutura e os recursos necessários, mas com a nossa autonomia universitária sendo construída pelos próprios indígenas. Estamos enfrentando os desafios diários, mas produzindo nosso próprio conhecimento na prática e gerindo nosso território. A UIPAM influenciou e redefiniu a percepção das culturas indígenas no cenário urbano do Rio de Janeiro. Diariamente, recebe universidades, escolas e outras instituições nacionais e internacionais para debates, mutirões, aulas, oficinas e vivências, promovendo uma formação intercultural crítica. Muitos dos seus professores também lecionam em outras universidades e escolas, espalhando seus conhecimentos e disputando narrativas.” — Mônica Lima Mura Manaú Arawak
Segundo a professora Arawak, a saída para a crise ambiental e climática é ancestral. O único caminho para o futuro é a superação dos supostos “descobrimentos da América”. É superando a colonialidade europeia no mundo, fincando novos alicerces sob as bases do respeito ao corpo-território, que a humanidade pode sobreviver a si mesma. Só a tecnologia indígena, originária e ancestral pode salvar o mundo do legado de destruição das tecnologias branco-europeias.
“A (nossa) resistência cultural e política… inclui a transição diante da emergência ecológica e da crise ambiental, com práticas indígenas como alternativas tecnológicas para enfrentar desafios ambientais e contrapor o projeto de (des)envolvimento mercantil que destrói a vida e a natureza gerando escassez e violência. O projeto da UIPAM apresenta as bases e princípios de manejo indígena para reconhecimento e parceria com instituições educacionais e governamentais. A Universidade Indígena Pluriétnica Aldeia Maracanã é um espaço de encontro, troca de saberes e informações, articulação, (re)produção de conhecimentos coletivos, comunicação, luta social, (re)definição de estratégias, atuação conjunta e fortalecimento da resistência dos povos indígenas e de comunidades tradicionais, quilombolas, afrodescendentes, pescadores, artesãos, camponeses, favelados, grupos de resistência de comunidades atingidas por megaempreendimentos e megaeventos capitalistas, em situação (sub)urbana, estudantes e pesquisadores interessados e reconhecidos por sua atuação engajada junto aos movimentos de resistência e insurgências.” — Mônica Lima Mura Manaú Arawak

Para além de sua contribuição tecnológica para a sociedade, a universidade indígena também atua como centro de formação e de incidência política. Especialmente em um período de fragilidade democrática, a UIPAM fortalece a democracia brasileira.
“A universidade também atua como espaço de formação política crítica ao modelo de (des)envolvimento socioeconômico e cultural dominante, propondo perspectivas e estratégias de superação deste modelo, no contexto geopolítico da cidade-modelo capitalista globalizada [sede da Copa do Mundo de 2014, das Olimpíadas de 2016 e o G20 2024]… Este espaço também serve para reconstituir as perspectivas de atuação, o projeto político-pedagógico e os princípios de manejo comunitário dos movimentos de resistência e da aldeia-universidade dos povos do Maracanã, promovendo pesquisas, ensino e valorização da sabedoria e ciência dos povos tradicionais, além de formação superior. O objetivo da UIPAM é dar visibilidade e fortalecer as pautas indígenas, tanto dos aldeados quanto dos urbanos. Participa de debates nacionais e internacionais sobre políticas públicas para indígenas, incluindo conferências oficiais. É pioneira na discussão sobre o apagamento dos indígenas na cidade, debatendo há mais de duas décadas a questão do indígena em contexto urbano e o resgate daqueles que perderam a consciência de sua identidade indígena. A UIPAM é um laboratório de articulações e formação política sob a perspectiva da cultura indígena, apresentando visões de mundo alternativas…, funcionando também como um centro de acolhimento de indígenas nacionais e internacionais. Com o Rio de Janeiro tendo a maior proporção de indígenas não aldeados, a UIPAM tem sido fundamental para o reconhecimento e avanço identitário.” — Mônica Lima Mura Manaú Arawak
Uma Universidade que Ensina a Superar os Desafios de Hoje com Saberes Ancestrais
Desde 2006, a UIPAM aborda os desafios e aspirações das comunidades indígenas urbanas no Brasil ao ser um espaço de encontro, troca de saberes, articulação, produção de conhecimentos coletivos, comunicação, luta social e fortalecimento da resistência dos povos indígenas e comunidades tradicionais. Este espaço promove uma formação política crítica ao modelo de desenvolvimento sociopolítico e econômico dominante e propõe perspectivas e estratégias para superá-lo, especialmente no contexto urbano do Rio de Janeiro.
A professora Monica acredita que a reforma do antigo prédio do Museu do Índio deveria ser feita urgentemente pelo Estado, pois é um espaço de acolhida a indígenas fora de suas aldeias no Rio de Janeiro, onde podem ser quem são em meio à cidade.
“Nós já somos um ‘Centro de Referência e Acolhimento Indígena’, pois indígenas do Brasil e do mundo são acolhidos na Aldeia Maracanã. Os indígenas quando chegam no Rio de Janeiro procuram a Aldeia Maracanã. O prédio do Antigo Museu do Índio deve ser tombado enquanto patrimônio histórico e de memória material, e nós indígenas que compomos o movimento e a universidade indígena tombados como patrimônio histórico, memória viva e imaterial.” — Mônica Lima Mura Manaú Arawak
O prédio do antigo Museu do Índio, uma vez reformado, deve ser sede da Universidade Indígena Pluriétnica Aldeia Maracanã. Este museu vivo poderia, então, estabelecer parcerias, convênios e intercâmbios com a Universidade Federal Intercultural Indígena, que o Ministério da Educação (MEC) e o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) estão criando.

A UIPAM tem formado professores e alunos diariamente, através de uma educação política libertária e decolonial. A partir de seu caráter inédito, surgem muitas parcerias e intercâmbios nacionais e internacionais, assim, laços vão se estreitando e a Aldeia Maracanã como um todo vai se tornando mais forte.
Em 2024, o Coletivo Matriarcado Ancestral, atuante na resistência e no desenvolvimento da UIPAM, foi contemplado em um edital da Fundação Nacional de Artes (FUNARTE), e com isso está construindo mais espaços de moradia e melhorias na estrutura da aldeia, inclusive sua cozinha.
Ao ser perguntada sobre qual mensagem deixaria para a população que ainda não tem ideia do que está acontecendo na Aldeia Maracanã e sobre todo o conhecimento produzido pela Universidade Indígena Pluriétnica Aldeia Maracanã, a professora faz um convite ao público em geral para visitar a universidade e ajudar a construir alternativas à crise ambiental e climática. O conhecimento que salvará o mundo é ancestral: todos devem pô-lo em prática para reverter os danos provocados pela modernidade.
“Venha nos conhecer, que venha conhecer nossos projetos e ações para que possam sentir a memória ancestral pulsar e vivenciar nossas práticas. Também gostaria de dizer que todos no Brasil possuem um ancestral indígena ou negro na sua árvore genealógica, então, que não neguem essa memória, que possui o conhecimento e a tecnologia que podem resolver a questão da emergência climática.” — Mônica Lima Mura Manaú Arawak
A Tekohaw Marakà’nã, Aldeia Pluriétnica Maracanã, em pleno centro urbano do Rio de Janeiro, representa a resistência da ancestralidade indígena, mesmo que sob o concreto da colonização, um concreto que ela vem literalmente quebrando com suas ações agroecológicas. Epicentro latino-americano da retomada de territórios por indígenas em contexto urbano, a Tekohaw Marakà’nã é um portal para a floresta no meio da cidade e a UIPAM é também o resultado da resistência de gerações de indígenas, que lutam para que suas epistemologias baseiam ensino, pesquisa e extensão, que recebam investimento e que se tornem políticas públicas e educacionais.
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Sobre a autora: Dayse Alves é professora, comunicadora popular formada pelo Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) e cria de Duque de Caxias.