
Na Aldeia Maracanã, situada ao lado do icônico estádio, numerosas ações são realizadas, desde 2006, para resistir às investidas da especulação imobiliária em meio à preparação para os megaeventos. Atualmente, 14 famílias moram na aldeia, que abriga a Universidade Indígena Pluriétnica Aldeia Maracanã (UIPAM), sem falar das numerosas visitas de povos originários de outras regiões do país, cuja casa no Rio de Janeiro é essa aldeia. Desde 2024, a ameaça de remoção ressurgi com uma determinação de reintegração de posse, emitida pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Mais uma vez, o destino da única aldeia indígena no coração do Rio é incerto.
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Antes dos megaeventos esportivos realizados em 2014 e 2016 no Rio de Janeiro, a Aldeia Maracanã era pouco conhecida. A especulação imobiliária trazida pelos megaeventos tornou a comunidade alvo de despejos. Em 2012, o governo estadual planejou ampliar o estacionamento no local. Em 2013, com o apoio da Força Nacional, policiais do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) e do Batalhão de Choque invadiram o casarão do Museu do Índio e removeram os indígenas, colocando fim temporário aos anos de trabalho realizado pelos moradores e aliados a frente das ações de resistência iniciadas em 2006.
Livros raros foram queimados e trabalhos destruídos com muita truculência. Nesse mesmo ano, um grupo dos indígenas que ali morava aceitou a proposta do então Governador Sérgio Cabral de reformar o antigo prédio do Museu do Índio e foram viver em um condomínio do programa Minha Casa Minha Vida. Nem todos os indígenas aldeados no local aceitaram essa proposta. Para estes, a luta e resistência pela permanência continuaram.
Ao propor a reforma do antigo prédio do Museu do Índio sem realizá-la, o governo continuou de certa forma com seu apagamento sistêmico do indígena, já que não agiu, nem mencionou a intenção de demarcar a Aldeia Maracanã como território indígena. E agora, mais de uma década depois, essa ainda é a realidade das pessoas de diferentes etnias que vivem ali, que dependem da solidariedade de estudantes, pesquisadores, voluntários e grupos de defesa de direitos humanos, que vêm apoiando as ações no território.
Isso até junho de 2024, quando o juiz José Arthur Diniz Borges, da 8ª Vara Federal do Rio de Janeiro, determinou a reintegração de posse do terreno do antigo Museu do Índio, ao lado do complexo esportivo do Maracanã, ao Estado. O museu, hoje um prédio em ruínas num terreno amplo, é ocupado há anos por famílias indígenas de diferentes etnias que chamam a área de Aldeia Maracanã. Segundo o advogado Arão da Providência, que representa os indígenas, o espaço é ocupado por representantes de povos originários desde 2006, com autorização da União, a quem pertencia o imóvel anteriormente.
De acordo com o Dr. Arão, a recente decisão judicial é o cumprimento de uma sentença de anos atrás. O advogado alega, no entanto, que há inconsistências no processo e que, por isso, recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ele diz que um dos pontos seria a necessidade de intimação de todas as 23 lideranças indígenas que viviam no local em 2013, o que não aconteceu; muitos nem estão mais na Aldeia Maracanã. Segundo o advogado, no processo de 2013, o Estado só havia pedido reintegração de posse de parte do terreno, cerca de 1.500 metros quadrados. No entanto, agora eles estão pedindo a posse de todos os 14.300 metros quadrados da Aldeia Maracanã.
Por meio de nota, o Governo do Estado do Rio de Janeiro informa que “aguarda o prazo determinado pela Justiça para tomar as providências cabíveis para a reintegração do imóvel”.
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O líder da aldeia, Cacique Urutau Guajajara, alerta para a importância da mesma como o único espaço de referência indígena que resta na cidade do Rio de Janeiro, um alicerce na luta contra o apagamento da memória e da cultura dos povos indígenas no Rio.

São mantidas constantemente no local diversas atividades, como ensino de línguas do tronco Tupi, oficinas, grafismos, venda de artesanato, criação de animais, oficinas ancestrais e mutirões—palavra de origem Tupi, que significa trabalho comum—como o muitiró “Quebrando o Asfalto de Corações e Mentes”, que promoveu a quebra do asfalto para plantar sementes.
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A história de luta e resistência da Aldeia Maracanã se transforma em samba no carnaval de 2025. Essa luta ancestral inspirou os carnavalescos Raphael Torres e Alexandre Rangel do Grêmio Recreativo Escola de Samba Unidos de Bangu, uma das mais antigas e tradicionais escolas de samba da cidade, a proporem que, no Carnaval 2025, a Aldeia Maracanã fosse enredo da escola. Com “Maraka’anandê Resistência Ancestral“, a mais antiga agremiação da Zona Oeste do Rio, levará para a Marquês de Sapucaí um pouco da luta diária dos indígenas da Aldeia Maracanã contra o apagamento sistêmico.
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No final de janeiro, a escola gravou uma matéria para a TV Bandeirantes, com a presença de componentes da escola, moradores da aldeia e visitantes, que vão até o local para conhecer de perto a força e a resistência indígena na cidade. A reportagem justifica a escolha do enredo ao mostrar um lugar rico em história e cultura, porém ainda pouco conhecido pelos cariocas.
Entretanto, depois de meses de preparação e da expectativa da comunidade banguense e dos indígenas da Aldeia Maracanã, um incêndio em uma confecção destruiu 60% das fantasias da escola. A Fábrica Maximus, onde escolas da série ouro construírem seus carnavais pegou fogo menos de 20 dias do desfile na Sapucaí. Assim sendo, a Liga RJ, responsável pelos desfiles da série ouro, decidiu considerar as escolas atingidas, Unidos de Bangu, Império Serrano e Unidos da Ponte, hors concours, ou seja, desfilarão como for possível, mas não concorrerão ao campeonato. Não poderão cair ou subir para o grupo especial neste carnaval. A medida foi tomada para não prejudicar as agremiações afetadas pelo fogo.
Apesar do fogo e das tentativas de remoção, Unidos de Bangu e Aldeia Maracanã resistem!

Sobre a autora: Dayse Alves é professora, comunicadora popular formada pelo Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) e cria de Duque de Caxias.