‘Lixo? Não é Lixo!’ Mutirão Ambiental em Barros Filho Denuncia Descaso Público e Propõe Lixo Como Fonte de Renda

Diversos pontos de lixo acumulado nos conjuntos residenciais de Barros Filho. Foto: Amanda Baroni
Diversos pontos de lixo acumulado nos conjuntos residenciais de Barros Filho. Foto: Amanda Baroni Lopes

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Centro Behner Stiefel de Estudos BrasileirosEsta matéria faz parte de uma série gerada por uma parceria com o Digital Brazil Project do Centro Behner Stiefel de Estudos Brasileiros da Universidade Estadual de San Diego na Califórnia, para produzir matérias sobre justiça ambiental nas favelas fluminenses.

Em 2025, o 1° de maio, o Dia do Trabalhador foi diferente no Conjunto Residencial Haroldo de Andrade, em Barros Filho, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Reunindo cerca de 30 pessoas, entre elas homens e mulheres, adultos e crianças, moradores e participantes de movimentos e organizações ambientais, o mutirão “Lixo? Não é lixo!” recolheu 15 sacos de 200 litros com resíduos sólidos e seis sacos com resíduos recicláveis no entorno do conjunto residencial. Além disso, o mutirão promoveu o plantio de 29 mudas de árvores frutíferas, duas mudas de Pau-Brasil e dois canteiros de coentro no espaço agroambiental da comunidade, onde é feito o reaproveitamento de resíduos para plantio. 

Segundo Nélio Lopes, responsável pelo Projeto Socioeducativo Sustentável Haroldo de Andrade (PSSHA), a iniciativa teve por objetivo reivindicar a prestação do serviço de coleta na conjunto residencial, que sofre com o descaso da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro.

Devido a esse abandono do governo e a falta de uma liderança, nós estamos hoje passando por um grande problema, que é a questão do lixo. E eu não culpo os moradores pela questão do lixo estar tão abandonada [sem o descarte correto por parte da comunidade], porque nós não temos os contêineres de lixo da Prefeitura.” — Nélio Lopes

No dia anterior ao mutirão, a comunidade realizou nova solicitação à Prefeitura para coleta. Segundo a comunidade, o poder municipal afirmou que as caçambas serão recolocadas pela Subprefeitura dos Grandes Complexos e que, no momento, a única possibilidade é disponibilizar caçambas em vias expressas, consideradas espaços públicos. Alegou, também, que há intenção de implantá-las em conjuntos habitacionais e comunidades.

Idealizado por Nélio Lopes, o Projeto Socioeducativo Sustentável Haroldo de Andrade denuncia o descaso da prefeitura com a coleta de lixo em Barros Filho. Foto: Amanda Baroni Lopes
Idealizado por Nélio Lopes, o Projeto Socioeducativo Sustentável Haroldo de Andrade denuncia o descaso da prefeitura com a coleta de lixo em Barros Filho. Foto: Amanda Baroni Lopes

Barros Filho e a Luta por Direitos Básicos 

A falta de coleta de lixo no Conjunto Residencial Haroldo de Andrade não corresponde a um problema isolado. Tem relação com a falta de reconhecimento desta comunidade desde seu surgimento.

Inaugurado em 2012, este conjunto foi projetado como parte do Programa Minha Casa, Minha Vida. Entretanto, até hoje, as ruas do Conjunto Residencial Haroldo de Andrade e entornos enfrentam problemas de cadastro, ainda são identificadas como “canteiro de obras”, das antigas obras que há muito já acabaram. Isso traz problemas, inclusive, para o acesso dos moradores ao serviço da Comlurb.

Rita de Cássia, cozinheira e moradora de Barros Filho, esteve no mutirão. Assim como outros presentes, ela compartilhou a importância de cuidar do seu próprio território. Para ela, este é um ato de resistência.

“Estou nessa luta com Nélio porque a gente tá com muito lixo aqui no condomínio. [A gente está fazendo isso aqui hoje] até pra preservar porque, poxa, a gente mora num lugar [que já enfrenta muitas dificuldades] que, se a gente não preservar, como é que faz? Porque dentro da casa da gente, a gente não limpa? [Então,] por que não pode limpar do lado de fora? Vai receber uma visita num lugar todo sujo? Quem gosta? Ninguém. Se não fica difícil da gente manter um ambiente limpo, de ter um lugar pras crianças brincar, entendeu? Fica muito complicado.” — Rita de Cássia

Plantio de mudas no espaço agroambiental do Conjunto Residencial Haroldo de Andrade. Foto: Amanda Baroni Lopes
Plantio de mudas no espaço agroambiental do Conjunto Residencial Haroldo de Andrade. Foto: Amanda Baroni Lopes

Lixo em Fragmento de Mata Atlântica Situado na Comunidade

A falta das caçambas afeta também os moradores que ficam próximos à área de vegetação, ocupada por uma reduzida faixa de Mata Atlântica ainda preservada. Norma Bonfim, bióloga no projeto PSSHA e membra do Baía Viva, explica que a manutenção da comunidade tem relevância considerável para o clima local, não só para os moradores, mas para toda a região que fica no entorno.

“Temos vários fragmentos da Mata Atlântica que já foram extintos, derrubados pela especulação imobiliária ou pra algum projeto de órgão público. E aqui restou uma parte dessa fauna. Então, embora seja uma zona muito quente, sem esse fragmento, aqui seria muito pior. Essa área mantém o microclima dessa região. Não podemos perder isso aqui porque seria um grande prejuízo na questão de poluição, no aumento de calor e também na extinção de espécies nativas, né? É de grande importância esse trabalho aqui.” — Norma Bonfim

Fragmento de Mata Atlântica preservada em Barros Filho. Foto: Amanda Baroni Lopes
Fragmento de Mata Atlântica preservada em Barros Filho. Foto: Amanda Baroni Lopes

Para os Catadores, Lixo É Trabalho: um Ofício Fundamental para a Sociedade 

Para Nélio, apesar dos grandes desafios ambientais, existem grandes oportunidades para as comunidades, principalmente para os catadores, que, em geral, são pessoas em vulnerabilidade social, com menores condições financeiras e menor escolarização.

“Ela [a prefeitura] vê o lixo como lixo, mas eu acho que não é lixo. O lixo é resíduo sólido e é solução. Hoje, por ser o Dia do Trabalhador, temos que valorizar os catadores, né? Que são agentes ambientais. Muitas vezes o único emprego que eles têm é esse, porque eles não têm estudo, não sabem mexer com a internet, às vezes não têm [acesso à] educação. A única coisa que ele sabe fazer é reciclar. Então, eu acho que a gente poderia investir mais nessa questão de ecopontos dentro das comunidades. A minha intenção aqui é a gente [passar a] recolher esse lixo e levar para um espaço, separar por tipo de material e o governo nos ajudar com essa questão, com uma bolsa [remunerada], como tem no Hortas Cariocas e no Guardiões do Rio e essas pessoas terem uma participação da sobra, né? Das vendas desse material para complementar o salário deles. Por exemplo: o projeto paga R$600 para essas pessoas, aí, no final, daquelas vendas que fizerem, elas ganham uma porcentagem. Aí, dessa forma, a gente traz consciência para as pessoas e acaba com esse problema do lixo na comunidade.” — Nélio Lopes

Plantio de pé de manga em frente ao Projeto Socioeducativo Sustentável Haroldo de Andrade. Foto: Amanda Baroni Lopes
Plantio de pé de manga em frente ao Projeto Socioeducativo Sustentável Haroldo de Andrade. Foto: Amanda Baroni Lopes

Stael Muniz, moradora de Vargem Grande e integrante, junto de Nélio, Rita e Norma, da Rede Favela Sustentável (RFS), mencionou a importância de se ampliar as perspectivas profissionais sobre a gestão de resíduos. É preciso, por exemplo, criar núcleos de trabalho de recorte ambiental dentro das comunidades.

”Nós comentamos, entre nós, que seria bom se houvesse, assim como um agente comunitário de saúde, um agente comunitário socioambiental, que fosse nas casas, de porta em porta. Não dá pra dizer para as pessoas onde joga o lixo porque elas sabem fazer isso. O problema é que elas separam o lixo e nós não temos coleta seletiva. Então, se de repente a gente fosse com um grupo pra recolher todas essas embalagens, que praticamente todas são recicláveis e levar isso pra Comlurb, [iria] evitar misturar resíduo com o reciclável. Pra nós, que trabalhamos com isso, seria bem legal e prático. Só que fica aquele jogo e o preconceito, né? ‘Ah, pegar lixo com a Comlurb?’. Acho que tem que ter uma parceria com quem arrecada e com quem recicla, porque a gente pode aproveitar [esse material] e diminuir a quantidade lixo na cidade.” — Stael Muniz

Para Nélio, promover essa ação ambiental na comunidade de Barros Filhos é um ato de esperança. Algo que aproxima e desperta os moradores para o poder que têm de mudar seu próprio território.

“É de extrema importância [fazer esse mutirão]. Acho que ainda existe esperança nas pessoas. Alguém tem que despertar isso nelas. Eu faço isso [como] voluntário, para poder ajudar [a comunidade], conscientizar. Pra deixar um legado, porque nada daqui a gente leva. Eu tenho que passar aqui [pela vida] e fazer alguma coisa. Muitas pessoas vêem isso como maluquice. Eu vejo como um chamado.” — Nélio Lopes

Participantes do mutirão ambiental recolhem lixo em Barros Filho. Foto: Amanda Baroni Lopes
Participantes do mutirão ambiental recolhem lixo em Barros Filho. Foto: Amanda Baroni Lopes

Estiveram presentes no mutirão representantes dos seguintes movimentos, associações e organizações: Baía Viva, Causa Nobre Sustentável, Associação de Mulheres da Ilha do Governador, Educação Ambiental Ibama RJ, Conselho Regional de Biologia, Associação de Moradores e Defensores do Jardim de Allah, Movimento de Mulheres Maria Pimentel Marinho, Movimento Nacional das Cidadãs Positivas RJ e Mulheres Fluminenses da Zona Oeste.

Sobre a autora: Amanda Baroni Lopes é formada em jornalismo na Unicarioca e foi aluna do 1° Laboratório de Jornalismo do Maré de Notícias. É autora do Guia Antiassédio no Breaking, um manual que explica ao público do Hip Hop sobre o que é ou não assédio e orienta sobre o que fazer nessas situações. Amanda é cria do Morro do Timbau e atualmente mora na Vila do João, ambos no Complexo da Maré.


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