Recentemente, o RioOnWatch conversou, no Vidigal, com Saulo Paulino, fundador do podcast Os Favelados Pod, um programa em áudio e vídeo que promove diálogos com personalidades proeminentes das favelas nas áreas de empreendedorismo, arte, música, cultura e esportes. Criando rodas de conversa, o podcast destaca as jornadas de vida e os desafios cotidianos de favelados inspiradores, mostrando que eles podem, sim, realizar seus sonhos, alcançar uma vida de abundância e gerar riqueza. Esta matéria faz parte de nossa série sobre veículos de comunicação comunitária.
A História e as Inspirações por Trás do Podcast
O programa foi criado em 22 de abril de 2022 por Saulo Paulino, morador do Vidigal, favela da Zona Sul do Rio de Janeiro, após um período de transição de carreira. Até então, Saulo trabalhava como contador em uma empresa, mas percebeu que aquela vida não refletia quem ele era.
“Fiz o curso motivado pela estabilidade financeira, mas, cinco anos depois de formado, cheguei à conclusão de que aquilo não era pra mim. Queria ser artista e comunicar de alguma forma, porque sabia que eu tinha um dom pra isso, desde pequeno.” — Saulo Paulino
As inspirações para o podcast vêm de uma trajetória de vida profundamente marcada pela arte e comunicação, com raízes que remontam à infância. Um dos marcos iniciais foi o breve contato com seu bisavô, Francisco Ribeiro, que foi radialista em Curitiba e trabalhou na Rádio Educadora até falecer, no início dos anos 1990.
“A rádio em que ele trabalhava ficava no bairro de Venceslau Brás, em Curitiba, quando a gente ainda morava lá. Eu era pequeno. Ele era locutor. Descobri já adulto que ele também tinha feito faculdade e se formado em jornalismo. Foi uma surpresa, porque eu não sabia que tinha alguém na família com formação acadêmica. Sempre moramos em favela—meu pai era servente de pedreiro, e minha mãe só tinha completado o primeiro grau—então, saber que teve alguém no passado que fez faculdade e cursou comunicação foi uma grande surpresa—e uma motivação pra também tentar fazer algo.” — Saulo Paulino
Outro momento-chave foi aos oito anos, quando, morando ainda na favela de Vila Verde, na Cidade Industrial, em Curitiba, Saulo descobriu sua veia artística por meio da palhaçaria.
“Fazia parte de um projeto social chamado Circo Cidade. E percebi ali que era o que eu amava fazer.” — Saulo Paulino
A partir daí, se envolveu com atividades circenses, inclusive, como voluntário em um projeto que levava a palhaçaria a hospitais—onde atuou por oito anos. Em 2015, aos 26 anos, ao se mudar para o Rio, ingressou no teatro profissional, formou-se pela Casa das Artes de Laranjeiras (CAL) e participou de diversas peças. Mais tarde, criou o canal no YouTube Como Derrotar, dedicado a narrações de terror, que chegou a ultrapassar 220.000 seguidores.
Todas essas experiências foram conciliadas com trabalhos formais, até que, em 2022, Saulo decidiu apostar de vez em seu próprio projeto de comunicação: Os Favelados Pod.
Segundo ele, o nome do projeto foi proposital para que, quando pronunciado, soasse como “Os Favelados Podem”, em referência à capacidade que esses territórios têm.
“Diante da natureza cultural e artística do Vidigal, eu vi o potencial de criar uma plataforma que aproveitasse esses pontos fortes e mostrasse os talentos da favela. Dessa forma, as pessoas poderiam compartilhar suas lutas, suas jornadas de vida e mostrar como conseguiram alcançar seus objetivos nas áreas de empreendedorismo, cultura e arte.” — Saulo Paulino
O estúdio fica localizado na Avenida Presidente João Goulart, 825, no Espaço Brota Vidigal, um co-working de favelas na Zona Sul da cidade. O espaço foi construído por ele em 2022, com recursos próprios, passando por melhorias até conseguir, em 2023, ganhar seu primeiro edital, o FOCA, da Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro, que viabilizou a primeira temporada do podcast.
Conquistas e Desafios: Os Favelados ‘Pod’ Tudo
Apesar de pouco tempo, o programa trouxe figuras famosas como os atores Babu Santana e Jonathan Azevedo. Em 2023, também alcançou outro marco: foi vencedor na feira de empreendedorismo do evento Expo Favela, compondo uma lista dos dez melhores negócios de favela do Rio de Janeiro.
“Desde então, muitas outras maravilhas nos aconteceram. Entendemos ali o real potencial do projeto e foi um combustível para continuar! [Por] todos os entrevistados que passam pela mesa, temos um carinho especial, pois eles são e estão na favela e suas histórias inspiram muitas pessoas.” — Saulo Paulino
Até o momento, o programa tem mais de 10.000 visualizações no YouTube e mais de 5.000 seguidores no Instagram.
Apesar das conquistas, existem desafios como a aquisição de infraestrutura. Consequentemente, os equipamentos utilizados na gravação são emprestados por um amigo que mora na Zona Norte do Rio, o que gera um alto custo de deslocamento.
“Toda semana [tenho] que ir até a Zona Norte [uma viagem que pode levar até quatro horas de ida e volta] para pegar a câmera toda vez que temos uma produção… Daí eu devolvo, pra ele também ganhar a vida e fazer a própria produção. Esse percurso me gera um gasto de mais de R$80 por semana. É tudo muito caro, o que ainda é um desafio para nós. Ter uma pessoa atuando em específico na captação de recursos seria fundamental, mas para isso é necessário que essa pessoa abrace a ideia, assim como nós.” — Saulo Paulino
O programa opera no momento com 14 colaboradores voluntários, tanto de forma presencial quanto remota. São eles: Saulo Paulino, como CEO; Fabrícia Miranda, no roteiro; Rare Odin, na edição; Diego Príncipe, na direção; Thais Dutra, Fabricio Oliveira e Tom Macaveli, como mediadores das entrevistas; Hugo Alves, na direção de arte; Rafael Magalhães, como líder de operação técnica; Plinio Pietro, na consultoria técnica; Verônica Costa, como gerente comercial; Leonardo Alves, analista de marketing do programa; Douglas Pereira, no design; e Pamella Simone, na produção.
Para Saulo, a importância de falar sobre e para favelas está em reformular a imagem negativa criada em torno delas.
“Quando falamos da importância do jornalismo na favela, eu falo que a narrativa que é muito forte na mídia hoje (acredito que isso venha mudando, mas falta muito) é que tudo que existe de ruim na sociedade é fruto da favela. E nós, Os Favelados Pod, vamos na contramão. Acreditamos que aqui tem muita potência, talentos e protagonistas! A base da sociedade vem desse grupo. A favela tem voz e vez aqui [no nosso programa]. São para essas personalidades que abrimos a mesa. Ampliar o debate de assuntos que transitam nas favelas a partir da ótica dos favelados é uma perfeita oportunidade de modificar o pensamento, pois é a partir dos pensamentos que mudamos nossas ações para um futuro melhor. O nosso lema é: os favelados podem tudo!” — Saulo Paulino
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O podcast também oferece rotineiramente cursos audiovisuais gratuitos para os moradores das favelas, ajudando-os a desenvolver habilidades profissionais valiosas, como gravação, iluminação de estúdio, marketing de mídia social e outros—atividades que Saulo tem intenção de difundir no futuro.
“Nossa meta é que mais pessoas saibam da nossa existência. Nos dedicamos para que esse conteúdo chegue a mais pessoas e que essas sejam impactadas. Em um futuro próximo, queremos prover cursos profissionalizantes para jovens e adultos nas áreas do audiovisual.” — Saulo Paulino