
Na Zona Sul do Rio de Janeiro, mais precisamente entre os bairros do Catete, Glória, e Santa Teresa, se localiza o Morro Santo Amaro. Na madrugada de 7 de junho, Santo Amaro se preparava para mais uma de suas tradicionais festas juninas, mas o que era um momento de alegria se transformou em dor e revolta quando a brutalidade policial tirou a vida do jovem Herus Guimarães Mendes, 24 anos, e traumatizou dezenas de crianças e moradores.
Diante da grande disparidade social e desvalorização das vidas faveladas, a luta por justiça e equidade é uma constante no cenário das favelas.

A força para continuar vem do coletivo. A fala de Simone Rocha, atual presidente da quadrilha junina do Santo Amaro, na recente apresentação do grupo no dia 18 de junho expressa essa realidade.
“Diante de todo o ocorrido a gente optou por fazer essa apresentação. Inclusive, a pedido da Mônica, mãe do Herus. A gente pensou em desistir, em acabar com o grupo, em cancelar a agenda. Mas não é justo com a comunidade, com os componentes. Não é justo com a cultura que luta para resistir sem a ajuda do Estado. Quando o Estado entra, ele entra pra fazer o que ele fez. Mas nós seremos resistência.” — Simone Rocha
A festa junina no Morro Santo Amaro é uma tradição cultural existente há décadas. Inicialmente, a quadrilha junina não possuía um nome oficial, entretanto, após uma votação veio o nome: João Danado. Desde a década de 1980, a João Danado é um símbolo de resistência cultural, que atravessa gerações no Santo Amaro. Criada por moradores, a quadrilha estilizada se destaca por seus figurinos luxuosos e temas que valorizam artes e culturas do Brasil e do mundo. Para além do entretenimento, o grupo beneficia o comércio local e oferece oportunidades para crianças e jovens da comunidade.

Entre 1989 e 1994, casais e cavalheiros representavam a João Danado com coreografias ensaiadas e passos marcados. Esses primeiros anos foram a base para a construção do legado da quadrilha, que, a partir de 1994, ganhou uma expansão: a João Danado Mirim, voltada para as crianças da comunidade. A criação dessa vertente colaborou para a preservação cultural da festividade e garantiu que a tradição fosse passada de geração em geração. No mesmo período, a junina ganhou espaço no campo do morro, onde se apresenta até hoje, atraindo moradores e visitantes de todo o estado do Rio.

1995 foi um momento de extrema importância, onde a rede de apoio se expandiu, trazendo suporte essencial que trouxe novas possibilidades de estruturas, figurinos e o reconhecimento do valor cultural da João Danado.

Durante o ano de 1998 a quadrilha teve a chance de realizar o sonho de dançar no tradicional e famoso Arraiá do Rio, então, realizado no Sambódromo. Esse foi um marco na trajetória da João Danado, que apresentou o “Pavão Misterioso” na avenida e ganhou a competição.


Dos ensaios às apresentações, a comunidade se mantém unida para propagar a cultura junina dentro e fora de seu território. João Danado transpassa obstáculos na conquista de mostrar seu trabalho em diversos eventos juninos pelo estado do Rio de Janeiro. A equipe de apoio se torna essencial, desde o apoio motivacional, durante os ensaios, até na hora de carregar as fantasias e dos preparos para as apresentações.

A equipe da João Danado é composta, majoritariamente, por famílias do Santo Amaro. A tradição é intergeracional, mães que dançavam nos anos 1990, hoje, apoiam suas filhas e filhos a continuarem seu legado.

O grupo também atrai jovens de diversas gerações, que vêem na dança uma forma de expressão e, na João Danado, uma representação da sua cultura local.

A riqueza da cultura periférica, muitas vezes desvalorizada, existe, resiste, e persiste. Hoje, a Quadrilha João Danado é muito mais do que um grupo cultural. Ela simboliza afeto, respeito, acolhimento, união e resistência coletiva dentro da cultura popular. Ao perguntar aos moradores do Santo Amaro o que a festa junina e o João Danado significa para eles, respostas como “cultura”, “história”, “lazer” e “comida típica” foram ressaltadas.



Todo o movimento artístico nascido no morro através da quadrilha tem reflexo no cotidiano dos moradores ao longo do ano e faz com que as novas gerações tenham referências positivas.

Sobre a autora: Amanda Rocha é jornalista e pesquisadora cultural, com experiência em reportagem, redação e produção de eventos. Engajada em movimentos socioculturais, acredita na educação e cultura como ferramentas de transformação. Atua como voluntária no Instituto Ame o Santo Amaro.
Sobre a autora: Nandara Mendes é nascida e criada no Morro Santo Amaro, arquiteta e urbanista pela Universidade Federal Fluminense (UFF), e mestra em estudos e planejamento urbano pela Universidade Aalto, na Finlândia). Atualmente, conduz sua pesquisa de doutorado em antropologia cultural pela Universidade de Helsinque, com foco em regeneração urbana através de métodos baseados em patrimônios culturais. Atua como voluntária no Instituto Ame o Santo Amaro.