Após sua inauguração em maio, a exposição Memória Climática das Favelas, desenvolvida por 11 museus de favela integrantes da Rede Favela Sustentável,* agora circula por favelas onde foram realizadas as rodas de conversa que a geraram, e acaba de passar duas semanas emocionantes em Acari, Zona Norte do Rio de Janeiro. Lá, entre 16 e 29 de agosto, o projeto que, de forma inédita, apresenta as relações entre clima, natureza, afeto e território, circulou por três espaços emblemáticos da comunidade: o Espaço Cultural Mães de Acari, sede do Coletivo Fala Akari, anfitriã local da iniciativa; o CIEP Rainha Nzinga de Angola; e a Associação de Moradores do Complexo de Acari.
Assista ao vídeo da exposição em Acari acima, ou clicando aqui.

Buba Aguiar, socióloga, comunicadora popular e integrante do Coletivo Fala Akari, destacou a relevância da exposição aportar em vários locais da comunidade.
“Nós pensamos que, quanto maior o tempo em que ficasse aqui no território, iria um número maior de pessoas de todas as faixas etárias possíveis, que seriam contempladas na exibição. Então nós fizemos a abertura no nosso espaço sede, o Espaço Cultural Mães de Acari, que é um espaço onde a gente reivindica a memória há muitos anos, passando aí pela memória das Mães de Acari, memórias de chacinas ocorridas há décadas, mas também das violências atuais.
Então como não pensar na abertura de uma exposição chamada Memória Climática das Favelas no nosso espaço cultural? Porém, entendendo também que a gente tem uma rede de aparelhos de educação pública aqui, nós fizemos contato com a equipe do CIEP Rainha Nzinga de Angola. Apresentamos a possibilidade de ter a apresentação da exposição neste colégio, e foi de uma receptividade muito grande…
E, por fim, o último local [que sediou] a exposição foi a Associação de Moradores, [outro] ponto de extrema importância dentro da nossa favela. É na Associação de Moradores que se discutem diversas questões de planejamento urbano dentro da favela, a questão sanitária, a questão de segurança alimentar. Eles têm uma cozinha comunitária. É onde ficam armazenadas algumas ferramentas de manutenção dos esgotos, manutenção de bueiros. É também onde a gente tem essa parceria, quando a gente faz as nossas ações de apoio a enchentes, como aconteceu há alguns anos. Esse ano não foi diferente.
Então esse trajeto com diversos aparelhos que são importantes aqui para o nosso território [é fundamental].” — Buba Aguiar
Veja o álbum da exposição no Espaço Cultural Mães de Acari:
A exposição em Acari inaugurou um novo elemento, além da linha do tempo, banners e documentário: foi essa a “Bacia das Memórias”, onde visitantes observam fotos históricas das favelas participantes.
Caio Telles, estudante do Pré-vestibular Popular Akari, foi monitor da exposição nos dias 21 e 29 de agosto. Ele comentou sobre as informações da ‘Memória Climática das Favelas’ que mais chamaram sua atenção.
“Eu tô acompanhando a exposição desde o início e, lendo os cartazes, uma das coisas que descobri foi que a [favela da] Maré era um mar, e ela foi aterrada, né? Assim como grande parte de Acari foi aterrada também… E eu acho que é muito importante que as pessoas saibam disso. A gente tá ocupando um lugar que não era pra ser ocupado, nesse sentido de ocupação, de prédios, de casas, estruturas. Eu acho que o conhecimento da exposição tá dentro do território, faz com que as pessoas consigam ter acesso a esse tipo de informação. E a exposição é didática o suficiente para que não tenha que ter um estudo para conseguir compreender. E esse é um dos grandes dilemas de exposições, que [elas] contemplem a periferia no geral. Fazer com que as pessoas consigam fazer a compreensão dela sem ter toda aquela linguagem acadêmica, sem ter todo aquele arcabouço teórico para conseguir entender.” — Caio Telles

Em sua estreia no Espaço Cultural Mães de Acari em 16 de agosto, a exposição foi acompanhada da exibição do filme Estamira (2006), reunindo moradores e estudantes em um cine-debate que pautou a memória do território, denúncia das violências consequentes das injustiças climática e ambiental, e o fortalecimento da resistência da favela de Acari e de todas as demais que construíram a exposição.
A segunda parada do circuito em Acari foi o CIEP Rainha Nzinga de Angola, incentivando a visitação de alunos, professores e responsáveis da comunidade escolar. Para muitos estudantes, o contato com narrativas que fortalecem seu senso de pertencimento ao território é necessário—principalmente com narrativas que enfatizam as potências ao invés das fragilidades.
Veja o álbum da exposição no CIEP Rainha Nzinga de Angola:
Para Gabriel Santos, estudante do Pré-vestibular Popular Akari, que visitou a exposição nos dias 16 e 29 de agosto, ao celebrar a memória de Acari, a exposição ajuda a combater e superar os estereótipos de violência associados ao território.
“Eu percebi que nós estamos tentando mostrar o que acontece no nosso território chamado favela. Que em Acari existem pessoas boas. Não é apenas troca de tiro, não é só coisa ruim acontecendo. Mas eu acho que o governo precisa dar uma ajuda, precisa não só fazer obras, mas precisa investir mais na educação, para que esses eventos [tristes] não ocorram mais. O que significaria dizer alguns milímetros de chuva? Em poucas horas, pode parecer uma coisa muito pequena, mas para uma pessoa que está quase se afogando, pode ser o diferencial.” — Gabriel Santos

A partir de 1 de setembro, a exposição ‘Memória Climática das Favelas’ segue para Rio das Pedras, Zona Oeste, onde permanecerá aberta à visitação (em projetos, coletivos, escolas e demais espaços do território) até 14 de setembro. Confira aqui a programação.
Veja o álbum da exposição na Associação de Moradores do Complexo de Acari:
*A Rede Favela Sustentável e o RioOnWatch são ambas iniciativas gerenciadas pela organização sem fins lucrativos, Comunidades Catalisadoras. A exposição de Memória Climática das Favelas reúne 1.145 depoimentos de 382 moradores de dez favelas da capital fluminense, coletados e sistematizados ao longo de três anos de construção coletiva. A exposição foi desenvolvida por onze museus e coletivos de memória de favelas integrantes da RFS: Museu da Maré, Museu Sankofa, Núcleo de Orientação e Pesquisa Histórica de Santa Cruz, Museu de Favela, Núcleo de Memórias do Vidigal, Alfazendo (Cidade de Deus), Centro de Integração da Serra da Misericórdia, Museu do Horto, Fala Akari, Conexões Periféricas (Rio das Pedras) e Museu das Remoções.
Sobre a autora: Bárbara Dias, cria de Bangu, possui licenciatura em Ciências Biológicas, mestrado em Educação Ambiental e atua como professora da rede pública desde 2006. É fotojornalista e trabalha também com fotografia documental. É comunicadora popular formada pelo Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) e co-fundadora do Coletivo Fotoguerrilha.



