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Esta matéria faz parte da série #OQueDizemAsRedes que traz pontos de vista publicados nas redes sociais, de moradores e ativistas de favela sobre eventos e temas que surgem na sociedade.
O dia 28 de outubro de 2025 ficará marcado como um dos mais traumáticos e violentos da história do Rio de Janeiro. Uma megaoperação policial, iniciada nas comunidades do Complexo do Alemão e da Penha, na Zona Norte, visava cumprir mandados de prisão contra integrantes do Comando Vermelho que atuavam nessas comunidades. No entanto, a ação assumiu contornos inimaginavelmente brutais.
Poucas horas após o início da operação, órgãos oficiais já contabilizavam 64 pessoas mortas, incluindo quatro policiais, e 81 presas, o que é mais do que o dobro dos atingidos na maior chacina anterior, a Chacina do Jacarezinho, em 2021. O atual governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, comandou três das quatro operações mais letais na história de uma cidade já notoriamente conhecida pela violência policial, e gerando dúvidas internacionais sobre a capacidade da cidade sediar eventos internacionais na próxima semana e da COP30, conferência do clima, a acontecer em duas semanas em Belém.
A velocidade com que os homicídios, prisões e apreensões de armas ocorreram nos complexos da Zona Norte desencadeou ações de retaliação em massa em quase todas as partes da Região Metropolitana do Rio, resultando na interrupção de vias em bairros como Ilha do Governador, Engenho Novo, Taquara, Freguesia, Pavuna, Cascadura, Ramos, Barros Filho; em comunidades, como Maré e Cidade de Deus; e na região central da cidade, como a Rua Riachuelo, que passa pelo Bairro de Fátima e pela Lapa.
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O clima de terror generalizado, sobretudo nas favelas, durou até a madrugada desta quarta-feira, dia 29 de outubro, quando os próprios moradores do Complexo da Penha começaram a localizar e retirar corpos de uma área de mata do território.
Até agora, a operação, segundo a Defensoria Pública do Rio de Janeiro, já causou mais de 130 mortes, tornando-a a ação mais letal de toda a história do estado.

Por volta das 13:48 de ontem, o Centro de Operações e Resiliência do Rio (COR) decretou Estágio 2 de atenção, indicando ameaças de alto impacto à segurança pública do município naquele momento.
Entre os moradores das comunidades-alvo da megaoperação, o clima era de violência e pavor intenso. Em vídeo, moradores registraram a entrada de um caveirão no Complexo do Alemão, enquanto várias pessoas transitavam pelas ruas.
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Diversas vias ficaram temporariamente interditadas devido a episódios de troca de tiros, como ocorreu na Grajaú-Jacarepaguá, que liga a Zona Norte à Zona Oeste.
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Em resposta, moradores do Complexo do Alemão e da Penha caminharam pelas comunidades em protesto contra a barbárie sem precedentes.
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Diversos coletivos e movimentos de favelas se pronunciaram nas redes, sobretudo os diretamente afetados pela operação, como o Centro de Integração da Serra da Misericórdia (CEM), na Serra da Misericórdia, na Penha; o Instituto Papo Reto e o portal de jornalismo comunitário Voz das Comunidades, ambos do Alemão.
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Em entrevista concedida à grande mídia e publicada nas redes sociais, Raull Santiago, do Instituto Papo Reto, denuncia a falta de planejamento e as falhas do modelo de segurança vigente, ainda defendido pelos gestores públicos.
“A gente tá falando da execução sumária de mais de 60 pessoas, entre jovens e adultos que podem estar envolvidos ou não com o mundo da ilegalidade das drogas. A gente tá falando de moradoras e moradores, a gente tá falando de policiais. Essas pessoas que agora são só números, mas que na prática [o que está havendo é] o modus operandi [no Rio de Janeiro,] não tem nada de novidade. Repete-se as operações e as várias chacinas que já aconteceram muitas outras vezes na realidade do Rio de Janeiro. Novamente Complexo da Penha e Alemão são alvos centrais dessa barbaridade. Temos mais de 60 corpos executados. Isso entra para a História no nível de brutalidade. Não estou chamando de chacina, tô chamando de massacre. Tiveram pessoas infartando, idosos com taquicardia, mães de crianças PCDs, autistas, em pleno desespero diante do caos que tá nesse dia no Complexo do Alemão.” — Raull Santiago
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Ao colocar uma população inteira em situação de risco, a operação afetou, de forma inédita, a rotina e os serviços em toda a cidade. As principais vias expressas da cidade ficaram interditadas, inclusive a Linha Vermelha, Linha Amarela e Avenida Brasil; durante toda a tarde não foi possível acessar o aeroporto internacional do Galeão pelo fechamento da Avenida Vinte de Janeiro, que liga o aeroporto à Estrada do Galeão, que também ficou fechada, na altura da Praça do Avião; e escolas e universidades (UFRJ, UERJ, UFF, UFRRJ, UNIRIO, PUC-Rio e outras) suspenderam o restante do dia de expediente (mesmo localizadas a quilômetros da área da operação). Segundo vídeo publicado nas redes da IDMJ Racial, cerca de 40 escolas tiveram suas atividades interrompidas.
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Estabelecimentos comerciais e outros serviços encerraram suas atividades mais cedo, o que antecipou o horário de rush, gerando caos generalizado nos serviços de transporte público. Estações de trem, metrô, pontos de ônibus e a estação central das barcas ficaram lotados devido à antecipação da saída dos funcionários.
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Os sindicatos dos motoristas de ônibus solicitaram que os veículos com itinerários nas áreas atingidas pela operação e pelas ações de retaliação retornassem às garagens. Foram registrados 71 ônibus usados como barricadas e 204 linhas afetadas. Dados do Centro de Operações e Resiliência do Rio apontaram que os corredores Transbrasil e Transcarioca do BRT, bem como os serviços de conexão do BRT, foram impactados pelas ocorrências. Em vídeo nas redes sociais, um motorista relata ter sido orientado a voltar à garagem por motivos de segurança.
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Em Rio das Pedras, na Zona Oeste, trabalhadores precisaram voltar para casa a pé devido à falta de ônibus. A dificuldade na mobilidade atrasou e até cancelou viagens de ônibus na Rodoviária Novo Rio.
A disseminação de informações falsas sobre a operação e seus desdobramentos também pautou o dia. No entanto, a maioria das fake news não demorou para ser desmentida pelas mídias comunitárias. Uma das mais amplamente disseminadas informações falsas alegava que o Rio entrou em Estágio 4 de atenção, o que foi verificado e desmentido pela Agência Lupa. Além disso, corriam rumores de instabilidade e de vias interditadas na Rocinha, o que foi desmentido pela Rocinha Alerta.
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Chamada de “Operação de Contenção”, a megaoperação do dia 28 de outubro nos Complexos do Alemão e da Penha ultrapassou a brutalidade do massacre do Carandiru, ocorrido em 1992, em São Paulo, no qual 111 pessoas foram assassinadas. Hoje pela manhã, enquanto localizavam, recuperavam e reconheciam os corpos de seus familiares, moradores expunham a dimensão da violência a que estão expostas as favelas cariocas.
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Depoimentos marcantes vieram também em grupos de apoio mútuo, característicos entre moradores de favelas, como um na região mais afetada.
“Acabaram de postar um vídeo dos meninos que se foram. Gente, é horrível, horrível, horrível. Deus me livre!… Só Deus para ter misericórdia de todo mundo, porque isso não se faz, nem com inimigo, [nem] com bicho, sabe? O que fizeram com esses garotos. Meu Deus do Céu! Nunca vamos ter dimensão do que aconteceu lá em cima, nessa vida toda que temos pela frente, não vamos ter noção do que esses meninos passaram lá em cima… Estou [ainda] acordada com uma pressão alta. Minha filha está com febre. Não sei se vou no médico ou fico em casa. Continua esse terror. Meia-noite e pouco, eles ainda estavam aqui, na mata, os policiais. [Enquanto isso] os moradores caçando parentes, queridos, familiares. Que situação! Sinceramente, não queria estar na pele de [nenhum familiar]. É a pior situação do mundo! A gente que não é parente, não tem ninguém envolvido, a gente já tá com essa sensação? Imagina quem teve que buscar [os corpos mutilados de] seus familiares lá em cima! Seus maridos, seus familiares. Que situação horrível! Que Deus tenha piedade de cada um deles… Independentemente do que eles faziam ou deixavam de fazer, eles eram seres humanos. Então se era mandato de prisão, era mandato de prisão. Não quase 200 certidões de óbito! Infelizmente é nesse Brasil que nós vivemos.” — Depoimento de uma vizinha, moradora da Serra da Misericórdia, onde se acumularam os corpos na manhã do dia 29 de outubro
A brutalidade e o terror sem precedentes desta operação viralizaram os debates sobre a efetividade desse modelo de segurança tristemente, tipicamente fluminense, mobilizando as mais altas esferas do Estado, que não foi consultada ou envolvida, sobre a letalidade policial, sua ineficácia e os impactos desastrosos e permanentes dessas ações sobre a população. O Ministro da Justiça Ricardo Lewandowski afirmou não ter recebido nenhum contato do Governador Cláudio Castro, sobre a necessidade de apoio à operação. Hoje, 29 de outubro, a Presidência e a Casa Civil se reúnem para discutir medidas para responder aos impactos, danos e desdobramentos do massacre policial registrado, mais sangrento, da história do Rio de Janeiro.
Durante todo o dia seguinte, 29 de outubro, a prioridade das famílias impactadas foi encontrar corpos dos desaparecidos durante a operação. Mais de 60 cadáveres foram recuperados e reunidos por moradores na Praça São Lucas, na Penha. A maioria com marcas de execução sumária, tiros na cabeça, amarrados, com facadas, sinais de tortura e até mesmo sem cabeça. No dia 30, familiares de vítimas e de movimentos sociais se organizam para expandir as buscas por corpos nas matas da Vacaria e da Serra da Misericórdia. No mesmo dia, a Ministra de Direitos Humanos Macaé Evaristo e a Ministra da Igualdade Racial Anielle Franco visitarão os complexos e se reunirão com os moradores. Atos contra o Massacre da Penha e do Alemão acontecerão por todo o Brasil na próxima sexta-feira, dia 31/10. No Rio, o ato deve acontecer na Penha, em horário ainda a ser definido.
Veja as áreas onde impactos diretos foram identificados:
Zona Norte
- Avenida Vinte de Janeiro e Estrada do Galeão, na Ilha do Governador
- Autoestrada Grajaú–Jacarepaguá, nos dois sentidos, na altura do Lins
- Linha Vermelha, na altura da Nova Holanda e na Pavuna, sentido Baixada
- Linha Amarela, na altura do pedágio, sentido Barra da Tijuca
- Avenida Ernani Cardoso, na altura do supermercado Guanabara, em Água Santa
- Rua Bornéo, em Cascadura, está parcialmente interditada, entre as ruas Miguel Rangel e Sanatório
- Rua Vinte e Quatro de Maio, na altura do Sampaio
- Avenida Brasil (ambos os sentidos), na altura de Benfica
- Avenida Brasil (ambos os sentidos), na altura de Bonsucesso
- Avenida Brasil (ambos os sentidos), na altura da saída da Ilha do Governador, na região da Maré conhecida como Sem Terra
- Avenida Brasil, na altura do Piscinão de Ramos, sentido Centro
- Avenida Brasil, em Barros Filho, na altura de Fazenda Botafogo, sentido Centro
- Avenida Brasil (ambos os sentidos), em frente ao Shopping Guadalupe
- Estrada Camboatá (também em Guadalupe)
- Rua Cabuçu e Rua Lins de Vasconcelos (ambas no Lins)
- Avenida Pastor Martin Luther King Jr, no Engenho da Rainha
- Avenida Vicente de Carvalho, nos dois sentidos, em diversos trechos
- Avenida Dom Hélder Câmara, na altura de Quintino e em outros trechos
- Avenida Chrisóstomo Pimentel de Oliveira, em Anchieta
- Avenida Marechal Rondon, em São Francisco Xavier, ambos os sentidos
- Estrada do Itararé, em Ramos
- Avenida Itaóca, em Inhaúma
- Rua Dias da Cruz, na altura da Rua Camarista Méier, e Rua Vinte e Quatro de Maio, ambas no Méier
- Rua Barão do Bom Retiro, próximo à Rua Araújo Leitão, no Engenho Novo
- Rua Teodoro da Silva, em Vila Isabel
Zona Oeste
- Avenida Brasil, altura do viaduto de Deodoro, sentido Centro
- Avenida Brasil, Deodoro, sentido Santa Cruz
Zona Sudoeste
- Linha Amarela, altura da Cidade de Deus
- Rua Edgard Werneck, altura da Avenida Geremário Dantas, sentido Fundão, e na altura do Giro do Cebolinha
- Estrada do Gabinal, bairro da Freguesia
- Avenida Ayrton Senna, altura da Ponte Santos Dumont, sentido Linha Amarela
- Estrada Miguel Salazar Mendes de Morais, na Taquara
- Avenida das Américas, nos dois sentidos, altura da estação de BRT Pombal
- Avenida Engenheiro Souza Filho, via principal entre Rio das Pedras e Muzema
Região Central
- Rua Riachuelo (entre o Bairro de Fátima e a Lapa)
- Avenida Paulo de Frontin, altura da Rua do Bispo, sentido Centro
- Praça Marechal Hermes, altura do INCA, no Santo Cristo
Zona Sul
- Rua das Laranjeiras, esquina com a Rua Pereira da Silva
- Rua do Catete
Outros impactos identificados:
- Fechamento da Linha Amarela, na altura da praça do pedágio, devido a disparos vindos do Complexo do 18, segundo testemunhas
- Tiroteio no Morro do Turano (sem relato de feridos)
- Fechamento forçado do comércio em várias localidades:
- Grande Tijuca: ruas Conde de Bonfim, Uruguai e Praça Saens Peña
- Itanhangá, próximo às comunidades da Tijuquinha, Muzema e Rio das Pedras
- Camorim, na Zona Sudoeste
- Grande Tijuca: ruas Conde de Bonfim, Uruguai e Praça Saens Peña
Região Metropolitana
- BR-101 (Rodovia Niterói–Manilha): altura do Piscinão de São Gonçalo e Viaduto de Manilha, em São Gonçalo
- RJ-106: altura do bairro Arsenal, em São Gonçalo
- Tentativa de bloqueio na entrada de Tribobó, em São Gonçalo
- RJ-104: altura da descida do bairro Caixa d’Água, sentido Niterói, em São Gonçalo
- Covanca, sentido Venda da Cruz, em São Gonçalo
- Comunidade Santa Catarina, em São Gonçalo
- BR-040 (Rodovia Washington Luís): altura de Jardim Gramacho, em Duque de Caxias
