‘Não Existe Normalidade Depois de um Massacre’, Moradores dos Complexos do Alemão e da Penha Falam uma Semana Após Megaoperação Policial com 121 Mortos

O Fardo do Dia Seguinte

A bárbarie da megaoperação do dia 28 repercutiu no Brasil e no mundo, mobilizando manifestações contra o terrorismo de Estado em cidades como São Paulo e Brasília. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
A bárbarie da megaoperação do dia 28 repercutiu no Brasil e no mundo, mobilizando manifestações contra o terrorismo de Estado em cidades como São Paulo e Brasília. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

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Na madrugada de 28 de outubro, 2.500 policiais civis e militares entraram nos Complexos da Penha e do Alemão para uma megaoperação que se tornou a mais letal da história do Rio de Janeiro e do Brasil. No dia seguinte, as forças de segurança saíram destas favelas, deixando um rastro de, pelo menos, 121 mortos. Contudo, a sensação compartilhada nessas longas horas permanecem na região. Andando pelas ruas dos dois complexos de favelas, ainda há uma tensão no ar.

É o que relata Raull Santiago, do Instituto Papo Reto.

“O clima é de dor profunda e silêncio pesado. Tem tristeza, tem revolta e tem uma sensação muito clara de injustiça. A favela está vivendo o luto coletivo, mas também está vivendo aquilo que sempre vive: a necessidade de seguir, mesmo ferida, porque o cotidiano não espera. No fundo, o sentimento é que a vida aqui nunca é tratada como vida e isso dói mais do que tudo.” — Raull Santiago

De acordo com moradores como Fabrício Motta, que mora e trabalha no Complexo do Alemão, quando acabou o barulho dos helicópteros e dos blindados, o silêncio do Estado era o que ecoava. 

“Não vimos nenhum serviço público chegar depois da semana passada. É a favela de novo reconstruindo o que o Estado destruiu.” Fabrício Motta, morador do Complexo do Alemão

O comércio, as escolas, as unidades de saúde e os transportes voltaram a funcionar nos dois complexos de favelas. No entanto, não se fala em “vida normalizada”. 

“Não existe normalidade depois de um massacre. As ruas funcionam, mas o peito do povo está pesado. A cidade volta, mas a favela segue com o corpo e a alma marcados.” — Raull Santiago 

Na mesma linha, Beatriz Costa, moradora do Complexo da Penha, nada pode estar bem depois de 121 pessoas serem assassinadas nas ruas e nas matas do seu bairro.

“A gente volta a fazer a trabalhar, levar os filhos na escola porque não tem outro jeito. Só que não está tudo bem não!” — Beatriz Costa

Em meio a esse cenário de luto, medo, indignação e desamparo, o apoio vem da própria favela, de organizações sociais e de movimentos sociais.

“O Estado chega pra matar, mas não chega pra cuidar, investigar, reparar ou amparar. Isso precisa ser dito: quem sofre violência estatal ainda precisa implorar por atenção depois… [mas] eu acredito [na mudança] porque eu trabalho para isso. Porque a favela nunca desistiu do Brasil, mesmo quando o Brasil desiste da favela. Mas a mudança não vai vir sozinha. Ela vem com pressão, com política pública séria, com respeito à vida, com estudo, com tecnologia, com emprego, com oportunidade, com escuta da favela e com coragem de romper com o modelo de guerra. Segurança não é blindado, é futuro. E favela tem futuro pra entregar, se deixarem a gente viver.” — Raull Santiago

Sobre o autor: Felipe Lucena é jornalista, cronista e roteirista. Filho de nordestinos e cria de Curicica, atualmente, é repórter especial do Diário do Rio, além de colaborar para outros veículos de imprensa.


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