
Na terça-feira, 28 de outubro, a operação policial mais letal do Brasil resultou em mais de 120 mortos, deixando para trás corpos, por onde caíram, espalhados para que vizinhos e familiares os recolhessem, nos complexos do Alemão e da Penha, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Em vez de buscar compreender a angústia e o medo gerados em toda a cidade, a narrativa da mídia e o debate sobre segurança pública rapidamente se transformaram em uma disputa pela opinião pública. Nessa troca de opiniões, pesquisas superficiais—todas financiadas por fontes desconhecidas—dominaram o debate.
Violência Estatal, Eleições de 2026 e o Poder das Pesquisas de Opinião
Diante de tamanha carnificina humana, o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, parabenizou sua administração pela operação, que classificou como um sucesso. “As únicas vítimas foram os quatro policiais mortos”, afirmou, caracterizando as demais baixas como meros “criminosos mortos”. Centenas de grupos de direitos humanos (inclusive internacionais), movimentos sociais e associações de moradores locais em todo o Brasil denunciaram a incursão policial como nada menos do que um massacre.
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Essas interpretações drasticamente contrastantes refletiram-se na cobertura midiática do evento, que frequentemente incluiu imagens gráficas de fileiras de cadáveres—às vezes mutilados—e de parentes em luto, com pouco respeito pela sensibilidade das famílias, amigos e vizinhos daqueles afetados.
Isso reflete um dilema comum entre os cariocas: apoiar operações policiais violentas que violam flagrantemente os direitos humanos ou a realidade cotidiana do crime organizado que restringe os direitos dos moradores em inúmeros bairros. É esse dualismo problemático que ajuda a explicar por que as operações agressivas aparentam continuar populares entre uma parcela significativa da população.

Nos dias que se seguiram à tragédia, governadores de direita—e até mesmo alguns de esquerda—agiram rapidamente para transformá-la em um ponto de convergência política. Castro, juntamente com seus homólogos conservadores (Romeu Zema, de Minas Gerais; Tarcísio de Freitas, de São Paulo; Ronaldo Caiado, de Goiás; e Jorginho Mello, de Santa Catarina), anunciou a formação de um “gabinete paralelo de segurança” para coordenar os esforços contra o crime organizado, inicialmente com foco no Rio de Janeiro. Da mesma forma, líderes do Congresso prometeram revitalizar os esforços para promover propostas de segurança que estavam paralisadas há tempos.
O subtexto dessa intensa atividade parece ser o de retratar o governo federal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cada vez mais popular—talvez especialmente considerando seu potencial de consolidar essa popularidade com a aprovação de uma nova lei que fortaleça os esforços contra grupos criminosos—como passivo e despreparado diante da violência. Tendo perdido batalhas sobre soberania nacional e justiça tributária, a direita brasileira parece pronta para colocar a segurança pública no centro do debate antes das eleições gerais de 2026. O medo da criminalidade e da violência é um tema divisivo muito eficaz entre eleitores potencialmente indecisos.
É nesse contexto que a atenção da grande mídia brasileira se deslocou do número assombroso de mortes para a natureza da opinião pública após a operação. Estar em sintonia com a natureza da opinião pública—e influenciá-la—e ter a capacidade de representá-la como favorável, mesmo diante da barbárie, é crucial para a agenda da extrema direita brasileira.
Nota aos leitores: ao analisarmos as pesquisas de opinião realizadas em ritmo acelerado na última semana, é fundamental observar que, no Brasil, as pesquisas não eleitorais não são obrigadas a registrar seus clientes. Ou seja, não sabemos quem pagou essas pesquisas…
Busca por Opiniões versus Formação de Opiniões
Na semana seguinte à operação policial, pelo menos quatro empresas diferentes realizaram pesquisas de opinião pública sobre a percepção popular da incursão policial no Alemão e na Penha. Não se sabe quem encomendou essas pesquisas, mas os resultados alimentam o crescente discurso político de direita em torno da segurança pública e alcançaram públicos diversos de maneiras distintas.
As quatro pesquisas empregaram metodologias diferentes, em particular quanto às formas de coleta de dados.
A pesquisa Datafolha entrevistou, por telefone, 626 moradores da região metropolitana do Rio de Janeiro nos dias 30 e 31 de outubro. Registrou uma margem de erro de quatro pontos percentuais e afirmou que 57% consideravam a operação bem-sucedida, que 48% acreditavam ter sido bem executada e que mais de 80% acreditavam que a maioria, se não todos, dos mortos eram criminosos.
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A Atlas Intelligence (AtlasIntel) realizou uma pesquisa com moradores adultos do Rio de Janeiro, recrutados aleatoriamente, que responderam a um questionário online por meio de um banner publicitário. A pesquisa foi realizada entre 29 e 30 de outubro, com 1.527 respondentes e uma margem de erro de três pontos percentuais. A conclusão é que, na cidade do Rio, 62,2% aprovam a operação e 80% dos moradores de favela a apoiam (enquanto apenas 51% daqueles que vivem fora das favelas a aprovam).
A AtlasIntel também realizou uma pesquisa com as mesmas perguntas, direcionada a uma amostra nacional (dividida pelas cinco regiões geográficas do país, em vez de por estado) e, posteriormente, publicou um relatório comparativo das duas pesquisas, que indicou uma reação mais negativa às ações da polícia do Rio em nível nacional do que local.
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Um estudo da Paraná Pesquisas baseou-se em entrevistas presenciais com 800 moradores do município do Rio de Janeiro, realizadas em 30 de outubro, com margem de erro de 3,5 pontos percentuais. A amostra foi selecionada em toda a cidade, proporcionalmente ao tamanho da população, e, posteriormente, de acordo com variáveis demográficas. Este estudo concluiu que 69,6% dos cariocas apoiam as operações.
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Por fim, a Genial Investimentos/Quaest realizou pesquisas domiciliares com 1.500 moradores do Estado do Rio de Janeiro (maiores de 16 anos) nos dias 30 e 31 de outubro, com metade das respostas obtidas por meio de questionário oral e a outra metade, por meio de questionário escrito. Os respondentes foram selecionados em 40 municípios, proporcionalmente ao tamanho e às características demográficas de cada um. A margem de erro foi estimada em três pontos percentuais. Os resultados indicam que 64% dos moradores do Estado do Rio de Janeiro aprovam a operação.
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Os quatro estudos concluíram que uma sólida maioria dos entrevistados aprovou a atuação policial no Alemão e na Penha, embora tenham relatado diferentes níveis de apoio.
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A maior parte da cobertura das pesquisas focou nos resultados do apoio geral à ação policial, tornando isso a manchete, sem aprofundar muito as conclusões, limitando-se a compartilhar apenas detalhes metodológicos básicos, como o tamanho da amostra e as margens de erro.
Embora o tema da aquiescência pública tenha caracterizado a maioria das abordagens, pouquíssimas reportagens trataram essa pesquisa de opinião de forma mais completa. A abordagem do jornal O Globo aos dados da pesquisa Genial/Quaest entrou em mais detalhes, descrevendo como “o incidente não mudou a percepção de segurança dos moradores e amplificou a sensação de que o estado vive em uma ‘atmosfera de guerra’”.
Todas as reportagens deixaram de discutir as possíveis limitações de extrapolar um tema complexo a partir de pesquisas com perguntas tão limitadas e superficiais.
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Por que a Metodologia de Pesquisa—e o Escrutínio do Leitor—São Importantes
Uma das primeiras questões relativas à representatividade ou precisão dos dados de pesquisas de opinião é o tamanho da amostra. Pesquisas de opinião usam amostras porque é impossível estudar toda a população no período de tempo necessário para um levantamento desse tipo. As conclusões extraídas das amostras devem ser generalizáveis de forma confiável para toda a população.
O que preocupa aqui é a pesquisa da AtlasIntel, cujos resultados foram extrapolados para fazer afirmações sobre as opiniões dos próprios moradores das favelas do Rio, em vez da população da cidade como um todo. Qual foi o tamanho da amostra para essa população específica (e para diferentes categorias de respondentes, em geral)? E o que dizer da diversidade das favelas e de seus moradores: onde estão localizadas na cidade, quão perto ou longe estão da operação policial, se e qual grupo armado as controla atualmente—além das facções do tráfico, existem milícias policiais que são amplamente conhecidas por controlar a opinião e o comportamento do público, e que hoje controlam mais favelas do que os traficantes.
A pesquisa em favelas e sobre elas é notoriamente complexa, razão pela qual até mesmo o censo nacional não consegue refletir com precisão essas áreas. Os moradores—especialmente aqueles com menor renda em suas comunidades—sofrem com problemas de acesso à energia e à internet, enfrentam dificuldades de alfabetização digital e são cronicamente sobrecarregados de trabalho. Quem é a “meia dúzia” de moradores de favela entrevistados, e como se pode esperar que eles representem 1,4 milhão de pessoas?

Esta é mais uma manifestação de um problema antigo: a exclusão e a generalização das vozes de comunidades periféricas no discurso público e no debate cívico. Historicamente, os principais meios de comunicação têm retratado as favelas de forma simplista, recorrendo a estereótipos tradicionais que deslegitimam ou obscurecem as diversas e complexas preocupações e opiniões de seus moradores.
Aqueles que não têm acesso confiável à internet ou que a acessam principalmente por meio de aplicativos em seus telefones (em vez de pela página inicial de um navegador da web) têm menos probabilidade de serem expostos a banners publicitários de pesquisas e, na era da geolocalização por IP, muito pouca probabilidade de responder a uma pesquisa demorada que solicita opiniões potencialmente prejudiciais sobre as ações da polícia em suas comunidades.
A combinação da dependência de estereótipos e simplificações históricos com o uso de metodologias que ignoram as realidades da vida nas favelas significa que as opiniões dos moradores das favelas simplesmente não podem ser apuradas por meio desta pesquisa, e que a tentativa de fazê-lo é irresponsável.

Algumas dessas pesquisas foram realizadas por telefone durante os dois últimos dias de outubro. Os números foram gerados aleatoriamente—como ligações de marketing de spam—ou com base em dados de cadastro de assinantes disponíveis publicamente. Que grupos têm tempo (e disposição) para responder, por telefone, a uma lista relativamente longa de perguntas sobre assuntos delicados a um estranho (ou a um interlocutor gerado por IA)?
Tanto em países desenvolvidos quanto em países em desenvolvimento ao redor do mundo, as taxas de resposta às pesquisas de opinião têm se tornado cada vez menos confiáveis—como se vê, notoriamente, na precisão das pesquisas políticas nos últimos anos. Por esse motivo, os institutos de pesquisa têm buscado métodos estatisticamente mais viáveis para recrutar participantes para pesquisas. Um deles, empregado no país, é o “Recrutamento Digital Aleatório” (RDR, na sigla em inglês), uma metodologia proprietária desenvolvida pela AtlasIntel para criar amostras robustas e mais representativas da população-alvo. O método permite a coleta de respondentes online, segmentando usuários com base em seu comportamento de navegação na web e em dados demográficos. Essa abordagem visa garantir uma amostra representativa, ajustando-se ao viés de não resposta e às variáveis demográficas. O RDR é conhecido nesta área por sua capacidade de prever resultados eleitorais. O AtlasIntel foi classificado por observadores do setor como o instituto de pesquisa mais preciso nas eleições presidenciais dos Estados Unidos de 2020 e previu com acerto os resultados eleitorais em diversos países da América Latina. Dito isso, pesquisas eleitorais são muito diferentes de pesquisas de opinião. E as estratégias de RDR produzem dados mais confiáveis quando baseadas em grandes amostras nacionais, em vez de amostras menores em nível urbano.
O Sensacionalismo Pode Vender, Mas Não Educa Nem Informa

A questão aqui não são os resultados da pesquisa, mas como perguntas simplistas demais—úteis em uma pesquisa eleitoral, mas inúteis para entender a opinião generalizada sobre um tema tão complexo quanto a segurança pública—contribuem para a desinformação e para os temores que estão na base do próprio assunto, especialmente quando divulgadas sem uma interpretação crítica.
O UOL, maior portal em língua portuguesa do mundo, divulgou dados de uma pesquisa sobre a operação policial em seu próprio site e em diversas plataformas de mídia social. Sua cobertura da pesquisa da AtlasIntel, já mencionada, foi especialmente sinistra e sensacionalista. Com vários slides dos resultados da pesquisa da AtlasIntel, o UOL abriu sua cobertura com a imagem de uma fileira de cadáveres de vítimas—quase todos jovens negros, parcialmente nus—cercados por parentes e amigos em luto. Sobreposta a essa imagem aterradora, estava a afirmação de que “87,6% dos moradores das favelas do Rio aprovam a megaoperação”.
Somente no último slide (de 16), sobreposto à imagem de uma mão ensanguentada saindo de um manto, foi mencionado que os resultados eram produto de entrevistas online com 1.527 moradores do Rio de Janeiro. Não fica evidente, nos resultados da pesquisa publicados, qual número (ou mesmo porcentagem) desses entrevistados morava em favelas. Portanto, embora o percentual de 87,6% possa ser chamativo, conforme explicado acima, ele é efetivamente inútil.
Não está claro se a cobertura do UOL foi uma tentativa de moldar a opinião pública em torno do crescente debate sobre segurança pública ou apenas uma tentativa insensível de gerar cliques. De qualquer forma, não se trata principalmente de compartilhar informações úteis—como o jornalismo deveria ser—e pouco contribuiu para elucidar os resultados da pesquisa AtlasIntel, muito menos os medos e anseios dos cidadãos do Rio em relação à situação da segurança pública. E este é apenas um caso em meio a uma miríade de notícias mal apuradas sobre o massacre da Penha e do Alemão em 28 de outubro, e sobre os 121 assassinados pelas forças policiais.
