As remoções de favelas e demolições de casas se tornaram elementos controversos das mudanças urbanas no Rio de Janeiro que antecedem à Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Ativistas em várias favelas têm protestado contra a falta de diálogo e as consequências de perder casas durante a urbanização. No Plano Estratégico da Cidade 2013-2016, anunciado durante a campanha para reeleição, o Prefeito Eduardo Paes exigiu tanto uma redução de 5% das favelas da cidade quanto a eliminação de residências em áreas de proteção ambiental e áreas de risco. Esta agenda afeta desproporcionadamente as favelas.
Agora que o investimento estrangeiro e os turistas estão inundando o Rio, há o risco de lançar mais injustiça sobre estes moradores, entre os mais trabalhadores da cidade, por deslocá-los das suas casas. Em muitos casos, as remoções fazem com que os moradores percam o trabalho e o capital que investiram em suas residências, contribuindo para a fragmentação da comunidade e aumentando ainda mais a angústia fruto do deslocamento. A aquisição de casa é muito valorizada na cultura brasileira, especialmente entre os grupos de baixa renda. Durante as reuniões de urbanização, do qual eu participei no Santa Marta, os moradores ressaltaram que suas casas fazem parte das próprias identidades e que a construção dos projetos habitacionais do governo se revelaram ser de má qualidade. Sem surpresa, os moradores a longo prazo que estão enfrentando a remoção ou reassentamento têm se organizado contra as remoções e levaram sua luta para os tribunais.
Enquanto moradores das favelas estão lutando para garantir habitação acessível em áreas centrais, aonde tem seus meios de subsistência, os endinheirados do Rio procuram reclusão e privacidade para suas casas. Invasores ricos construíram ilegalmente mansões nas praias isoladas e nas ilhas no parque nacional localizado poucas horas ao sul do Rio, perto de Paraty. Os ricos do Brasil usam suas conexões políticas para lutar por seu direito de posse e são defendidos pelos melhores advogados do Rio de Janeiro. Do alto da favela do Santa Marta, onde as famílias que viveram lá por três gerações estão ameaçadas de remoção, dá para ver as casas de luxo em locais precários nas alturas de Laranjeiras e Humaitá. Ao mesmo tempo que os rancheiros na Amazônia brasileira estão afirmando seu direito de posse na batalha legislativa sobre o Código Florestal, a urbanização está desapropriando milhares de famílias no estado do Rio. Aparentemente, o objetivo da urbanização é integrar favelas na vida urbana do Rio, mas o processo atual de remoção está causando injustiças históricas, em vez de corrigi-las.
Os resultados da pesquisa indicam que os programas recentes para a urbanização das favelas no Rio usam níveis sem precedentes de enquadramento ambiental na política urbana para as favelas. O governo do Rio tem redefinido os limites da ocupação humana no Rio através do mapeamento de riscos geológicos sobre favelas situadas em, ou perto de áreas de proteção ambiental. Isto foi feito em nome da proteção tanto do ambiente como da vida humana. Embora, existem vários casos recentes que foram contestados nos quais os engenheiros independentes e os especialistas técnicos chamados pelas comunidades chegaram a avaliações com resultados contrários às reivindicações da GeoRio ou insistiram na solução econômica de estabilização de encostas.
As consequências sociais deste enquadramento são consideráveis. Os moradores de favelas na Zona Sul do Rio tem um nível de propriedade de casa mais alto do que no resto do Rio, exceto na Rocinha aonde é mais comum alugar. Eles têm também rendimentos familiares mais baixos do que a maioria das pessoas no Rio, que quer dizer que as poupanças de gerações residem em suas casas. As consequências são mais graves ainda porque, muitas vezes, a subsistência dos moradores está ligada às suas casas.
Na primeira fase de remoções de favelas, como a da Metrô-Mangueira que começou a partir de 2010, as remoções eram abruptas e, em alguns casos, coercivas. As ofertas de compensação ofertadas foram do tipo “pegar ou largar”, e quem não aceitou a compensação foi excluído dos serviços do Estado e deixado para sofrer em meio as ruínas das casas demolidas de seus vizinhos. Os moradores foram expostos a um risco elevado de doenças como dengue, e isso remontou as décadas de negligência sofridas pelos moradores de favelas por causa da falta de serviços em suas comunidades. Também demonstrou que o governo da cidade do Rio estava disposto a usar a redução dos serviços públicos como uma maneira de coagir os moradores a abandonar suas casas. A negação de infra-estrutura tem sido utilizada frequentemente para controlar as favelas no Rio antes e depois das remoções, desde o começo das ocupações das UPPs em 2008.
A Organização das Nações Unidas criticou estas remoções por questões de direitos humanos em 2010, fazendo com que o governo do Rio modificasse um pouco o seu método. As remoções forçadas contínuas na periferia do Rio chamaram a atenção da Anistia Internacional, que está monitorando atualmente as remoções de favelas e reassentamentos. O direito à habitação faz parte do estatuto da ONU, e também é lei no Brasil. Desde 2001, o governo federal tem implementado fortes proteções para os direitos da informalidade urbana, e essa crítica externa da ONU põe em causa a implementação do Estatuto da Cidade no Rio de Janeiro. Como resultado, a fase atual de deslocamentos de favelas envolve relações públicas mais sofisticadas e avaliações tecnocráticas, enquanto as favelas são redefinidas com a classificação de “área de risco” o que soa ameaçador para o processo de urbanização das favelas no Rio.
A “Área de Risco” é uma frase que convenientemente abafa o argumento e é ambígua ao mesmo tempo. Em prática na área metropolitana do Rio, esta designação une os conceitos de zonas de proteção ambiental e prevenção de “catástrofes naturais”. As áreas no topo de morros e em encostas inclinadas são prioridades especiais sob esta política; a prefeitura sustenta que estas áreas precisam ser reflorestadas para reduzir o risco de catástrofes provocadas pelos altos níveis de chuva. Os critérios principais para a designação de risco em terreno urbano são a ocupação humana e o terreno inclinado, de acordo com a GeoRio, a agência de avaliação geológica municipal do Rio. Porém, qualquer pessoa pode ver que uma grande parte da cidade está construída nas encostas e embaixo de grandes escarpas de rocha.
A designação “área de risco”, usada como um instrumento jurídico, liga a política de contração de favelas à política de conservação e reflorestamento, dois temas relevantes para ambientalistas no Brasil e ONGs internacionais. Este enquadramento do assunto embota a crítica internacional das remoções e deslegitima o ativismo popular por moradores das favelas (como que alguém pode ser contra a proteção de vidas e o meio ambiente?). As favelas do Rio que foram traçadas parcialmente dentro de estas zonas de proteção ambiental foram reavaliadas por especialistas municipais desde o começo do projeto UPP. Jogaram fora as avaliações prévias ‘definitivas’ à medida que atingiram novas versões com novas tecnologias e prioridades governamentais. As residências de favelas que são traçadas dentro de áreas de alto risco estão sujeitas a programas de remoção ou reassentamento. Apesar da promulgação de proteções constitucionais fortes para assentamentos informais no Brasil, a cláusula “área de risco” na legislação federal, por exemplo no Código Florestal e no Ministério das Cidades, é o instrumento jurídico principal utilizado para deslocar os moradores nas favelas historicamente estabelecidas no Rio, muitos dos quais foram legalizadas como zonas de urbanização depois de 2000. Aonde vão viver os moradores depois das remoções é uma questão secundária para o governo municipal, criando mais um nível de insegurança para os cidadãos vulneráveis do Rio.
Para ser justo, o risco de deslizamentos de terra no estado do Rio de Janeiro tem uma história. Os deslizamentos de 2010 em Niterói e Novo Friburgo que resultaram na perda de milhares de vidas aumentou a pressão política para o reassentamento de favelas em áreas de risco. Embora, considerar esta emergência como o ponto de partida para a política de reassentamento ignora uma história de negligência na provisão de serviços e planejamento urbano falho. Durante décadas, moradores de favelas foram deixados por conta de si mesmos em relação à habitação acessível, esgoto, saneamento e terra disponível. Rafael Gonçalves, professor da PUC-Rio, argumentou recentemente no seu livro que os administradores do Rio usaram a lei para manter a presença das favelas como um recurso barato de trabalho para a indústria. A implementação seletiva da lei brasileira possibilitou tanto permitir tacitamente o assentamento de favelas como negar serviços públicos para assentamentos ‘precários’. Esta vacilação de política criou condições para as catástrofes de 2010, apesar de esforços prévios de integrar as favelas do Rio feitos durante os projetos de urbanização Favela-Bairro.
Na onda atual de reassentamento de favelas, o governo do Rio optou por concentrar a maior parte dos recursos na construção de habitação pública e remoções, que no curto prazo é mais barato que melhorar os sistemas de esgoto e a infra-estrutura de favelas como o Santa Marta. Quando os moradores não aceitam as opções de reassentamento ditadas a eles, a compensação oferecida por suas casas não é suficiente para comprar uma residência em qualquer parte da comunidade de onde eles vieram, particularmente na luxuosa Zona Sul do Rio. Com a especulação imobiliária altíssima na Zona Sul na época pós-UPP, a compra de uma casa diferente no centro ou no sul do Rio, mesmo sendo numa favela, é proibitiva pelo custo.
Semelhante a Babilônia, Chapéu Mangueira e Tabajaras, também localizados no ponto crucial de especulação imobiliária pós-UPP, Santa Marta está atualmente passando por projetos de urbanização financiados pela segunda rodada de investimentos públicos nas favelas do Rio sob o PAC. A promessa de melhorias para a infra-estrutura e assistência técnica para a construção de casas sob o PAC foi bem recebida quando programas de urbanização foram lançados, mas o aumento de custo de serviços públicos e a perda de poupanças experimentados pelos moradores que vivem em favelas aumentaram a insegurança financeira, em vez de aliviá-la.
Os moradores das favelas também têm que lidar com o acesso precário aos serviços públicos. Em muitos casos, os moradores estão pagando serviços que não receberam, ou que frequentemente não funcionam, como no caso de escassez de água e o bondinho no Santa Marta. Quando esses moradores são deslocados, eles não são compensados pelo trabalho e as poupanças que investiram nas suas casas. Eles só são compensados pelo valor estimado dos materiais utilizados para a construção. Muitos moradores preferem mudar para outra favela distante do que encarar o choque cultural de adaptar a um projeto habitacional distante. Um funcionário municipal trabalhando na integração de favelas no Rio me disse que esperava que os moradores seriam removidos para Campo Grande, que está localizado mais que duas horas sem trânsito da Zona Sul em transporte público. A implicação era que, se você não pode pagar para viver na Zona Sul, você deve mudar para outro lugar.
Os protestos recentes sobre a qualidade dos serviços públicos e as prioridades dos diferentes níveis do governo do Rio mostram que não são apenas os moradores das favelas que estão se sentindo enganados pelas estratégias de planejamento e as aspirações de políticos do Rio e da classe dominante. No ano passado o Prefeito Eduardo Paes disse que queria ser lembrado como o Pereira Passos desta geração. No Rio, o legado de Pereira Passos foi a destruição de cortiços no centro da cidade, remodelando os espaços públicos do Rio no estilo de arquitetos modernistas franceses e estabelecendo o Rio como destino turístico global e um playground dos ricos. Isto obviamente está acontecendo de novo no Rio. O plano de desenvolvimento de favelas, com sua ênfase em teleféricos e estética ecológica, demonstra um foco no turismo em favelas, em vez de construir infra-estrutura que integraria as favelas na cidade.
A agenda atual prevê a redução adicional do tamanho e da população das favelas como parte da modernização ‘ecológica’ do Rio. É importante entender que esta tendência está definindo quem tem o direito à cidade e quem não tem.
Charles Heck é doutorando em Geografia Humana pela Universidade Internacional da Flórida, no departamento de Estudos Globais e Socioculturais. Ele morou no Santa Marta durante sua pesquisa de campo e atualmente está escrevendo sua tese sobre a urbanização e o discurso ambiental na política urbana para favelas do Rio.