Na tarde do dia 07 de novembro, 100 moradores e simpatizantes da Vila Autódromo se reuniram na chuva para protestar do lado de fora da Prefeitura, uma resposta a mais recente tática da Prefeitura para minar a resistência à remoção. Uma semana antes, no dia 30 de outubro, ao que parece, funcionários municipais haviam orquestrado um protesto de cerca de 20 moradores que querem deixar suas casas na Vila Autódromo e irem para os apartamentos no Parque Carioca, o complexo habitacional designado para o reassentamento. Os participantes contaram que funcionários da Prefeitura “mobilizaram” várias famílias que estão considerando o reassentamento e transportou-os em um ônibus até a Prefeitura.
A antiga moradora da Vila Autódromo e ativista Maria da Penha descreveu o protesto quinta-feira: “Essa é a nossa resposta frente à farsa que foi armada por alguns moradores da nossa comunidade com a Prefeitura”. Ela continuou: “Nós estamos aqui para mostrar para o povo que a Vila Autódromo não quer sair e sim quer ficar”. Os membros da comunidade marcharam em torno da Prefeitura cantando: “Prefeitura mentirosa, não queremos remoção!”. Eles carregavam cartazes que ilustram as demandas centrais do esforço de resistência e identificaram o protesto forjado como mais uma prova da intenção do prefeito de remover a Vila Autódromo, em sua totalidade.
O protesto de quinta-feira, em justaposição com o evento aparentemente encenado de uma semana antes, destaca uma tendência na posição da Prefeitura com respeito à Vila Autódromo: o prefeito diz publicamente que está negociando a permanência da comunidade, enquanto na prática ele está negligenciando as propostas viáveis que minimizem as remoções; os funcionários municipais estão empregando táticas coercitivas para convencer os moradores a ceder por escrito as suas casas; a ação da polícia cria um clima de medo e desconfiança, que têm inibido protestos dentro e fora da comunidade; e as reportagens da Globo dão atenção aos esforços para remover ignorando ou minando os esforços de resistência.
Os Esforços de Resistência em Andamento Incluem a Atualização do Plano Popular de Urbanização
A Vila Autódromo é um símbolo de resistência à remoção no Rio de Janeiro, depois de ter combatido e vencido as batalhas contra remoções por mais de 20 anos. Nos últimos anos, a expansão para o oeste, com exclusividade para shoppings e condomínios de luxo na Barra da Tijuca, tornou o terreno da comunidade extremamente valioso para as corporações imobiliárias. A comunidade recebeu o título de 99 anos de concessão de uso da terra em 1994, mas tem sido ameaçada de remoção, com uma série de justificativas mutantes, relacionadas ao futuro Parque Olímpico. Com a lei ao seu lado, os moradores mantiveram-se inflexíveis expressando sua demanda para permanecer, e o caso ainda está nos tribunais.
Alcides Faustino Gomes, um morador idoso da Vila Autódromo, que participou do protesto contra as remoções, declarou: “Eu não quero sair daqui porque aquele local é a minha casa, por mais simples que seja ali é que é a minha casa e a minha vida”, jogando com o título de programa federal de habitação Minha Casa, Minha Vida. “O gado é que você tira e remove para onde você quiser. Agora, eu creio que os seres humanos não, seres humanos têm vontade própria, têm desejos e sonhos”. Ele esclareceu que o condomínio mensal e os custos de manutenção do novo Parque Carioca (conjunto habitacional de realocação) serão impossíveis para as famílias que ganham o salário mínimo.
“O Prefeito Eduardo Paes ignorou o Plano Popular da Vila Autódromo para vender a terra para o consórcio Rio Mais – Andrade Gutierrez, Carvalho Hosken e Odebrecht”, dizia um dos cartazes empunhado por moradores na quinta-feira. Isso se refere à parceria público-privada que vai facilitar a transferência pós-Jogos de 75% do local dos Jogos Olímpicos paras as corporações imobiliárias privadas. Os organizadores do protesto argumentaram que um processo de “limpeza social” está em curso na Barra da Tijuca, em que os pobres são removidas de terra desejável: “Por que o prefeito não faz urbanização, saneamento básico?” perguntou Maria Melo, moradora de longa data.
Insistindo na remoção, o prefeito, consistentemente, ignorou o Plano Popular para a Vila Autódromo, um projeto de urbanização comunitário que tem recebido reconhecimento internacional. A proposta permitiria a permanência da Vila Autódromo, a um custo significativamente menor do que as realocações de forma que não viole o projeto olímpico. Além disso, o Plano do Popular minimiza o número de famílias removidas com os planos para o reassentamento na própria comunidade.
Apesar de seu pedido de desculpas e anúncio em agosto de que a comunidade permaneceria no local, a mais recente proposta do prefeito pretende remover 278 famílias. Este plano prevê várias estradas arbitrárias e desnecessárias que cortam a comunidade para fornecer acesso elevado privativo para atletas e jornalistas para o local dos Jogos Olímpicos. Planejadores urbanos suspeitam que este projeto forçaria a saída das 150 casas restantes, devido aos subseqüentes problemas de drenagem de água.
Em resposta, a equipe por trás do Plano Popular–uma parceria entre moradores, urbanistas e arquitetos da UFRJ e UFF–produziu um design atualizado que preenche os requisitos para as vias de acesso e a ponte de pedestre. O Plano Popular só visa remover 30 famílias e aloca espaço para o reassentamento dentro da comunidade. A comparação mostra a facilidade com que o plano da prefeitura pode ser redesenhado para minimizar o número de remoções.
Mostrando disponibilidade consistente para trabalhar dentro das exigências estabelecidas pela Prefeitura, a equipe do Plano Popular tem continuamente projetado alternativas que removam menos casas e urbanize a comunidade de maneira digna. Moradores e defensores da comunidade temem que a tática de remoção parcial, devido a estradas e outras instalações, inevitavelmente resultarão na remoção completa da Vila Autódromo. Exemplos em outras comunidades têm demonstrado que as áreas demolidas criam condições insuportáveis que forçam a saída daqueles que permanecem.
Táticas Coercitivas da Prefeitura
Nos últimos meses, várias táticas coercitivas foram empregadas nas negociações habitacionais com a Vila Autódromo. Autoridades da Prefeitura, incluindo o subprefeito da Barra da Tijuca e Jacarepaguá, Tiago Mohamed, têm circulado constantemente em uma tentativa de convencer os moradores a se inscreverem para o complexo habitacional Parque Carioca, fazendo falsas promessas sobre o tamanho, os custos e regulamentos dos apartamentos que estarão recebendo. De acordo com o última release da equipe de trabalho do Plano Popular: “Para convencê-los a deixarem suas casas, a prefeitura está induzindo moradores a um acordo que não dá nenhuma garantia às famílias e as obriga a abrir mão de seus direitos. O documento da prefeitura é redigido de tal maneira que o morador que o assina passa a propor a demolição da sua própria casa”.
Maria Melo estava considerando aceitar a nova moradia no Parque Carioca até que ela participou da reunião com o prefeito no Riocentro e percebeu que os moradores estão sendo enganados: “Antes eu até estava decidida a negociar e sair. Eu estava achando que as coisas estavam sendo feitas de forma legal e honesta, e elas não estão sendo. Eu estive na reunião com ele e depois estive na subprefeitura, e ali eu percebi que o que ele estava falando lá não tem muito a ver com o que está sendo feito”. Maria continua: “Existe uma pressão quando você chega lá para que as pessoas aceitem o apartamento. Eles falam que você tem que assinar um documento para garantir o seu apartamento e se você diz que não sabe, eles dizem que você corre o risco de depois não ter mais o apartamento. Se você pede para avaliar sua casa eles ficam tentando empurrar o máximo o apartamento, e quando você diz que quer que a sua casa seja avaliada para saber o valor para poder decidir, aí eles dizem que vai demorar e colocam muita pressão para que você desista da avaliação e aceita o apartamento”.
Lideranças comunitárias também afirmaram que muitos moradores envolvidos na semana passada no “protesto” foram enganados por funcionários municipais. “Nós sabemos por fonte dos próprios moradores, que alguns ficaram até muito revoltados, por terem sido enganados porque a ideia era vir a uma reunião com o prefeito, mas quando chegaram dentro do ônibus já começaram a ver que era uma manifestação”.
Policiamento Desproporcional no Protesto de Quinta-feira
Acontecimentos recentes na Vila Autódromo evidenciam um padrão mais amplo de governança urbana que valoriza mais os interesses da elite do que os direitos dos cidadãos, incluindo o direito ao protesto e à liberdade de imprensa, que não esteja vinculada a qualquer centro de poder.
Jane Nascimento, diretora da Associação de Moradores da Vila Autódromo, falou sobre as inconsistências na receptividade do prefeito para os protestos. “Na semana passada, o prefeito até mandou chamar uma comitiva de moradores pra serem ouvidos. Hoje, eles trancaram os portões e chamaram a polícia”.
Embora, inicialmente, a polícia acompanhou a manifestação pacífica, confrontos verbais agressivos começaram quando moradores e apoiadores tentaram tomar o controle de uma pista da via principal em frente à prefeitura. A chegada de um micro ônibus transportando mais policiais marcou uma nova escalada de violência, quando a polícia começou a empurrar as mulheres idosas para fora do caminho.
Demétrio Martins, morador da comunidade do Horto e ativista do movimento Favela Não se Cala, que estava filmando o conflito, descreveu que quando o comando chegou, os policiais exerceram uma força desproporcional contra os manifestantes, sendo que ninguém estava resistindo.
Por conta do conflicto prenderam o ativista do Comitê Popular, Vitor Mariano. Falando com repórteres na delegacia depois de sua prisão, Mariano recordou que a polícia agiu com violência excessiva, mesmo quando ele já estava submetido à prisão sem fundamento: “Eu falei que as pessoas estavam no seu direito à livre manifestação e ele me prendeu por desobediência e resistência”. Mariano foi liberado algumas horas depois, quando imagens de vídeo provaram que ele não violou nenhuma lei.
Cobertura Assimétrica da Mídia
Os participantes do protesto desta quinta-feira ficaram indignados porque a rede Globo tinha coberto o “protesto” anterior extensivamente na televisão e na mídia impressa na publicação de um artigo intitulado “Moradores pedem para sair da Vila Autódromo“. Em referência à imagem do protesto que a Globo publicou (foto à direita), Sandra Isidoro da Silva, uma antiga moradora da Vila Autódromo, que quer permanecer, comentou: “Aquilo ali foi uma armação, as faixas não são nossas e aquelas pessoas não são da Vila Autódromo”. Em contraste, a cobertura da Globo sobre a manifestação de quinta-feira, contra a remoção, foi uma notícia de uma frase sobre o impedimento do tráfego, lembrando que os moradores tinham fechado várias pistas da Avenida Presidente Vargas e uma breve nota de dois parágrafos.
A cobertura da grande mídia dos dois pontos de protestos demonstra um intuito contínuo para ignorar ou deslegitimar os esforços de resistência. A promoção do complexo habitacional Parque Carioca e a atenção aos moradores que querem sair são estratégias fundamentais. Maria Melo observou: “Quando o protesto é a favor da prefeitura aí eles mostram, quando é contra, eles não mostram, e isso na semana passada ficou muito claro”.
O presidente da Associação de Moradores da Vila Autódromo, Altair Guimarães, afirma que a Globo ignora intencionalmente: “Eles dizem que eu não atendo o telefone, mas eu falei com eles e os convidei para vir aqui hoje!”
Apesar deste convite, uma equipe de filmagem só chegou ao protesto após os relatos de que a prisão havia sido feita. Moradores e seus apoiadores estavam tão desconfiados das táticas de manipulação da Globo que decidiram que ninguém deveria dar uma entrevista a menos que fosse transmitida ao vivo. Incapaz de cumprir e irritado com as reações a sua presença, os jornalistas deixaram o local quase que imediatamente.
Os moradores estão enfurecidos com a deturpação da vontade da comunidade. Os números no artigo do Globo sobre o protesto do dia 30 de outubro, por exemplo, falsamente pretendem que apenas 27 das 600 famílias da comunidade ainda estão resistindo a proposta da prefeitura. No entanto, uma comissão de moradores tem ido de porta em porta, fazendo o registro de números com precisão, e nas primeiras semanas já confirmaram que 256 famílias querem permanecer.
Os moradores continuam a realizar reuniões semanais na comunidade para fortalecerem sua luta. No domingo, 10 de novembro, o Arcebispo do Rio de Janeiro Dom Orani Tempesta conduziu uma missa na comunidade em apoio à resistência dessas famílias que desejam ficar.
Maria Lúcia de Pontes, Defensora Pública do Núcleo de Terras do Rio de Janeiro, recentemente divulgou um comunicado que dizia: “Assim, a decisão judicial e a legislação de regularização fundiária deve ser respeitada pela Prefeitura do Município do Rio de Janeiro, permitindo que as famílias finalmente possam viver em paz com posses reconhecidas, ruas urbanizadas e serviços públicos fornecidos”.