Na quarta-feira, 11 de dezembro, fortes chuvas devastaram grande parte da região metropolitana do Rio de Janeiro, os rios transbordaram, áreas foram inundadas completamente e deslizamentos de terra ocorreram em algumas encostas. Estima-se que pelo menos quatro pessoas morreram e cerca de 6.000 perderam suas casas e pertences. As áreas mais afetadas estão localizadas na Zona Norte e na Baixada Fluminense, regiões de baixa renda onde a ausência histórica do Estado se fez sentir com os esforços de mobilização e assistência das organizações comunitárias para apoiar os afetados, enquanto críticas às descoordenadas, contraditórias e culpáveis ações do governo não faltam.
No Complexo do Alemão, um dos maiores complexos de favelas do Rio, com 13 comunidades e cerca de 120 mil habitantes, cerca de 400 famílias ficaram desabrigadas na última quarta-feira, devido aos deslizamentos ocorridos nas áreas de encosta provocados pelas chuvas torrenciais. Na situação de crise das enchentes, áreas de alto risco, estruturas colapsadas, e centenas de moradores com nada e nenhum lugar para ir, as instituições locais–as associações de moradores e as organizações comunitárias–responderam imediatamente à situação, formando uma rede coordenada de apoio.
Moradores locais, ativistas, agentes comunitários de saúde e instituições locais, incluindo o Instituto Raízes em Movimento, Ocupa Alemão, jornal Voz da Comunidade, Realidade do Alemão e Verdejar, se organizaram poucas horas depois do desastre para dar assistência aos afetados, oferecendo apoio, pedindo e organizando doações. João Silva, assistente social no Alemão, explica: “As instituições que atuam dentro do Complexo do Alemão estão se organizando em rede. Quando chegam doações a gente informa, através de um circuito de emails, às outras instituições que estão recebendo, que nos informam o que está faltando, e a gente envia para os parceiros a ajuda”.
Ao mesmo tempo em que se organiza internamente para receber e distribuir as doações, as organizações comunitárias do Alemão têm sido eficazes em documentar e comunicar a situação em tempo real nas redes sociais. Em menos de 24 horas após a chuva, lançaram a página do Facebook Juntos Pelo Complexo do Alemão para “comunicar, pressionar, exigir e denunciar questões relativas às chuvas dos últimos dias”. A página foi utilizada para documentar a situação atual nas áreas afetadas e a situação dos abrigados na estação do teleférico Palmeiras e Vila Olímpica Carlos Castilho, para pedir apoio, doações e exigir uma ação efetiva do governo. Na segunda-feira, 16 de dezembro, eles postaram: “A realidade é simples e cruel, temos pessoas em risco, temos pessoas desabrigadas, temos o descaso geral de nossos governantes, se não fosse a união popular as coisas no Complexo do Alemão estariam piores!”.
Enquanto as instituições locais têm sido rápidas e organizadas no apoio às pessoas afetadas, de acordo com aqueles que estão no local, a resposta oficial foi fragmentada, descoordenada e contraditória. Por exemplo, os representantes do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) dizem que os afetados devem ficar em abrigos para poder ter o apoio disponível do governo e estarem habilitados para a inscrição no aluguel social. Por outro lado, representantes da Defesa Civil municipal já haviam dito às pessoas para ficarem com seus parentes ou voltar para as casas consideradas de risco e não ocuparem as áreas que servem como abrigos. Descrevendo a situação, Silva comenta, “As secretarias que trabalham em situações de crise não conseguem trabalhar de forma coordenada, juntas, em parcerias. No final das contas, isso prejudica muito as pessoas que estão precisando de atendimento”.
Na última quarta-feira, 18 de dezembro, Juntos Pelo Complexo do Alemão lançou um apelo urgente solicitando o apoio da Defensoria Pública para aconselhar sobre esta situação, em que as pessoas que ficaram nos abrigos temporários estão sendo pressionados a irem para a casa de parentes ou a voltar para moradias com as estruturas potencialmente inseguras, e para também orientar aqueles poucos que estão começando a receber o aluguel social, sobre quanto tempo vai durar esta provisão e qual será a solução definitiva.
Juntamente com as críticas sobre a resposta do governo às chuvas, os moradores e as organizações comunitárias fizeram graves acusações sobre a culpa do governo na tragédia, afirmando que as obras do âmbito do PAC criaram, em vez de atenuar, as situações de risco. De acordo com o coletivo local, Ocupa Alemão, “a infraestrutura de muitas casas foi prejudicada por estas obras, que danificaram as partes do solo que começaram a ceder. Moradores afirmaram que pediram que olhassem suas residências, mas os engenheiros se recusaram, pois tinham metas”. Eles continuam citando que as ruas que no projeto do PAC estão confirmadas como concluídas sofreram deslizamentos de terra na semana passada.
As acusações de negligência do governo no agravamento, se não por causar diretamente, os piores efeitos das chuvas da semana passada não se limitam ao Complexo do Alemão. Em Nova Iguaçu, na baixada, cerca de 2.000 casas foram afetadas pelas chuvas, com a falta de saneamento, e sem a infraestrutura de drenagem das águas e estradas mal construídas, o governo foi responsabilizado pelos danos generalizados. De volta à Zona Norte, o bairro de Jardim América inundou três vezes nos últimos três anos, incluindo na semana passada, quando 20 ruas estavam completamente submersas e uma pessoa morreu de choque elétrico. De acordo com o jornal local Liberdade de Expressão, “para os moradores os vilões da tragédia tem nome: CEDAE e Prefeitura. E exigem dos órgãos públicos explicações sobre as obras de saneamento e urbanização executadas no bairro, que deveriam melhorar o sistema de drenagem. Mas, ao contrário prejudicou o escoamento da água”.
Após uma visita ao Complexo do Alemão esta semana, o secretário municipal da Casa Civil, Paulo Pedro Carvalho, destacou à Agência Brasil que os investimentos de infraestrutura foram feitos desde as chuvas trágicas de 2010, para evitar danos e drenar os rios, mas negou que era possível conter a situação, dizendo que: “[O Rio] é uma cidade que tem, evidentemente, transtornos por conta das chuvas todo ano…Não adianta a gente imaginar que vai ter chuva e que não vai encher a cidade, que não vai ter transtorno na cidade. Terão. Quem acha que nós vamos chegar num ponto que não teremos transtornos, esquece”.
Considerar os problemas causados pelas chuvas no Rio de Janeiro como inevitáveis e insolúveis é profundamente preocupante, uma vez que os moradores de bairros afetados em toda a cidade e os especialistas técnicos citam a má gestão de obras públicas, sem a participação pública, como uma das principais causas de enchentes e deslizamentos de terra. Em uma tentativa de comunicar isso para as autoridades, moradores de Vigário Geral, Jardim América, Manguinhos e Complexo do Alemão, todos gravemente afetados pelas chuvas da semana passada, vão se reunir hoje para protestar e entregar uma documentação, vídeos e fotos que comprovam os danos sofridos pelas obras mal executadas, ao Comitê da Bacia da Baía de Guanabara. Supervisionado pela CEDAE e composta com integrantes do governo municipal e estadual, a missão do comitê é: “Integrar os esforços do poder público, dos usuários e da sociedade civil, para soluções regionais de proteção, conservação e recuperação dos corpos de água”. Ao entregar a documentação ao comitê, os moradores de áreas afetadas exigirão a participação em todas as fases nas obras de habitação e saneamento.
Entretanto, para os milhares em todo Rio que perderam casas e pertences, o futuro permanece incerto, pois continuam a depender de doações e os incansáveis esforços coordenados, de organizações comunitárias e redes.
Por favor, ajude as organizações do Alemão providenciar os materiais necessários para que possam atender às pessoas atingidas, fazendo sua doação para:
Instituto Raízes em Movimento – (21) 2260-3998
Você também pode ajudar através da página Juntos Pelo Complexo do Alemão