Veja a matéria original por Dave Zirin em inglês no The Nation aqui. Zirin acaba de publicar O Brasil Dança Com o Diabo: Copa do Mundo, Olimpíadas, e a Luta pela Democracia.
Antes de voltar à favela Vila Autódromo pela primeira vez desde 2012, já tinham me avisado que a comunidade não estaria igual. Como um amigo me disse, “Parecerá um sorriso perfeito faltando vários dentes”. Vila Autódromo está situada só alguns metros do local dos Jogos Olímpicos de 2016 e tanto os responsáveis pelo planejamento Olímpico quanto as construtoras há muito tempo têm esta comunidade, que é muito unida, como alvo para ser demolido. Localizada perto de uma belíssima lagoa, onde novos altos condomínios parecem ter surgido de um dia para o outro, os líderes políticos e empresariais da cidade imaginam imóveis privilegiados, com malditos favelados ameaçando seus sonhos de desenvolvimento.
Apesar da forte resistência contra sua remoção que atrapalhou os esforços dos planejadores Olímpicos, ouvi antes de chegar que 150 das 500 pessoas que vivam na Vila Autódromo tinham partido. Esperava que muitas das suas casas, lugares que eu já tinha visitado, agora fossem uma pilha de entulho. O que eu não esperava foi a falta de árvores.
Árvores majestosas pontuavam a Vila Autódromo da qual eu me lembro. Elas eram a sombra e a brisa para os residentes. Era onde se escutava música, se brigava, se ria e onde se via as crianças correndo na rua em segurança. Contudo, em uma tentativa de persuadir os moradores a aceitar um pagamento em dinheiro para saírem de lá, o município desenraízou e arrancou muitas árvores. Também diminuiu a coleta de lixo e manteve os postes de iluminação esporadicamente desligados à noite. Eles não podem legalmente remover pessoas de suas casas se estas quiserem permanecer, mas podem tornar a vida inabitável para aqueles que ficam.
“É um ataque psicológico… Uma estratégia perversa para enfraquecer a comunidade e enfraquecer nosso propósito”, disse Jane Nascimento da Associação de Moradores de Vila Autódromo, o grupo que liderou a resistência da favela.
A situação na Vila Autódromo, uma vez com esperança de que o município iria abandonar sua constante pressão para remover os moradores, é sombria. O prefeito do Rio Eduardo Paes–e os interesses imobiliários que o apoiam–começaram uma batalha de atrito sem piedade. “Era uma comunidade linda”, diz Jane, “mas está ficando feia agora que eles estão removendo as árvores”. Ela procede, “As vezes nós… lutamos contra nossa própria depressão, [temos que nos manter otimistas junto com todos] que aqui permanecem”.
Incapazes por lei de remover as pessoas à força, o município virou moradores desta comunidade unida um contra o outro, assim como eles vêm fazendo em bairros do Rio onde pessoas resistem às tentativas de desenvolvimento da cidade. Primeiro eles oferecerem recompensas maiores àqueles que estavam dispostos a sair–mas só se eles conseguissem convencer mais duas famílias a arrumar suas coisas e saírem também. Este esquema-pirâmide jogando com as vidas das pessoas amargou os que saem contra os determinados a ficar. Como um morador chamado Francisco disse, “Perdi amigos porque não saí. Muitos deles deixaram a comunidade, mas eu perdi a amizade antes deles saírem. Estas táticas fazem com que a gente se sinta zangado ou envergonhado”.
O município também disse–mentindo–que uma liminar contra as demolições que tinha sido ganha pela Associação de Moradores proibia a oferta de recompensas para os que queriam partir. De repente a Associação de Moradores, que forneceu liderança e apoio durante vários anos difíceis, se tornou um inimigo para uma minoria dos moradores. Uma pedra chegou a ser atirada pela janela da Associação.
Falei com outro morador, Osimar, que foi oferecido moradia pública e uma grande quantia de dinheiro para desocupar sua casa. Só tem um pequeno problema: ele não quer sair. “O governo tem dinheiro destinado às comunidades de favelas, mas em vez de usar para pavimentar as ruas ou para fornecer escolas e clínicas médicas, vai para as equipes de demolição e construção. Do outro lado da lagoa, em Santa Mônica, um condomínio é vendido por 6 milhões de reais. É por isso que querem que a gente se vá… A bandeira diz ‘ordem e progresso’. Mas nós não recebemos ‘ordem e progresso’. Nós somos oferecidos ‘especulação e imóveis’”.